Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A rede semântica mafiosa

Digamos que a palavra “máfia” seja a que melhor define, sem romantismo algum, o núcleo atômico dos poderes intrínsecos e extrínsecos do imperialismo ocidental.

Digamos que o mafioso imperialismo ocidental tenha o rosto do rosto do rosto do elitismo econômico, epistemológico, linguístico, nacional, científico, tecnológico, bélico, comportamental, religioso, étnico, patriarcal, aristocrático, como herança da herança do que de pior a espécie humana protagonizou: guerras de pilhagem, genocídios, infanticídios, arrogâncias, racismo, indiferenças, machismo, destruição de ecossistemas.

Digamos que a atual elite da elite da elite dos EUA, Europa e Israel seja a encarnação facial do rosto do rosto do rosto das elites das elites das elites do ontem do ontem do ontem.

Digamos que a elite da elite da elite do mafioso imperialismo ocidental seja sócia fundadora do Clube de Bilderberg, fundado em 1954 pela nata da nata da nata da rata das mais influentes personalidades do americano, europeu e israelense mundo empresarial, acadêmico, midiático, militar, religioso e político.

Digamos que uma vez por ano o Clube de Bilderberg realize sigilosamente uma conferência na qual a nata da nata da nata da rata das elites ocidentais projete, confira e decida o presente e o futuro da herança da herança da herança da superioridade da superioridade da superioridade do núcleo central do imperialismo americano, israelense e europeu, de modo que o que chamamos de democracia não passa de mais uma decisão concedida e cuidadosamente gerenciada pela plutocracia ocidental.

Gestapo planetária

Digamos que seja o segredo do segredo do segredo que está por trás, na frente, do lado, na profundidade e nas superfícies das multifacetárias decisões plutocratas de alcance planetário do Clube de Bilderberg.

Digamos que a ONU, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, o Tribunal Internacional de Haia, o Bird, o Banco Mundial, Wall Street, a chamada autonomia dos bancos centrais pelo mundo afora, a Organização Internacional do Trabalho, a Otan e um sem número de outras instituições, surgidas em consequência do rearranjo do mundo após a Segunda Guerra Mundial, não passem, em conjunto, de um intrincado e hipócrita sistema jurídico, simbólico, militar e econômico-financeiro a serviço dos interesses da máfia do Clube de Bilderberg.

Digamos que a máfia do Clube de Bilderberg se ramifique nas cúpulas das cúpulas da igreja católica, nas cúpulas das cúpulas do sionismo, do protestantismo; e sejam donas ou sócias não apenas das máfias “legais” da indústria bélica, petroleira, financeira, tecnológica, midiática, educacional, assim como das ilegais máfias do terrorismo, do narcotráfico, do tráfico de armas, de prostitutas, de órgãos humanos, além, é claro, do tráfico da fome, do abandono, da ignorância; do tráfico político, ideológico, étnico, religioso, estético, epistemológico, de vez que tudo é traficável para os plutocratas que nos observam, estudam e manipulam.

Digamos que a máfia das máfias das máfias do mafioso ocidente mafiosamente democrático tenha criado uma espécie de Gestapo planetária, coordenada pelos serviços de inteligência americanos, israelenses e ingleses, como CIA, o FBI, o Mossad, MI6.

Referência cambial planetária

Digamos que a Gestapo ocidental ao mesmo tempo em que planeja e realiza assassinatos seletivos, extrajudiciais, pelo mundo afora, tenha criado e manipulado belicosamente a maior parte dos grupos terroristas e narcotraficantes aos quais diz combater, assim como Al Qaida, os narcotraficantes mexicanos, Bin Laden, Saddam Hussein e muitos outros.

Digamos que a mafiosa Gestapo – americana, inglesa, israelense, mas não apenas – seja o terrorismo dos terrorismos dos terrorismos do mundo contemporâneo.

Digamos que a Gestapo planetária do Clube de Bilderberg tenha matado, através de assassinatos seletivos, tanto supostos aliados, como John Fitzgerald Kennedy, ex-presidente dos EUA, a atriz hollywoodiana Marilyn Monroe, o cantor inglês John Lennon, o papa João Paulo I, assim como líderes revolucionários como Malcolm X, Martin Luther King, Che Guevara, Chris Hani, Alfonso Cano e muitos outros conhecidos e desconhecidos no passado e no presente.

Digamos que neoliberalismo, no plano econômico; e o pós-modernismo, no cultural, sejam as duas principais mercadorias mais lucrativas dos empreendimentos planetários do Clube de Bilderberg: o neoliberalismo, que nasceu verdadeiramente em agosto de 1971, quando Richard Nixon, presidente dos EUA, acabou com a convertibilidade do dólar em relação ao ouro, fato que transformou a moeda americana, como referência cambial planetária, na mais poderosa arma de guerra jamais vista porque, sem limite algum para ser emitida, podia e pode comprar o mundo todo, ao mesmo tempo – eis a genial sacada – em que a conta era e é transferida para o mundo real, sob a forma de guerras de pilhagens, roubo das riquezas laborais e minerais dos povos; o segundo, o pós-modernismo, porque inventou culturalmente a civilização do estilizado, orgulhoso e desreprimido indivíduo isolado, igualmente sem lastro no mundo concreto, situação que nos transformou em presas fáceis para a seguinte convertibilidade, a única permitida; dólar isolado de tudo é igual a vendido indivíduo isolado, separado das coletividades, da vida.

Hipócritas retóricas de inclusão

Digamos que nem o neoliberalismo nem o pós-modernismo fossem possíveis se o Clube de Bilderberg não controlasse mundialmente os meios de comunicação de massa, igualmente sem lastro nas necessidades reais dos povos.

Digamos que tenha sido através dos meios de comunicação de massa planetários, como estratégica indústria cultural, de vez que tudo – armamentos, monopólios diversos – deve ao mesmo tempo servir para manipular, subjugar, matar e dar muito lucro, sem contradição alguma, digamos, enfim, que o Clube de Bilderberg tenha conseguido a sua principal vitória através do seguinte dispositivo midiático, publicitário, pedagógico, estético, ramificado no coração do cotidiano dos povos: a constituição planetária da semântica ou dos clichês que usamos diariamente para pensar, informar, ratificar linguisticamente o mundo neoliberal e pós-moderno em que vivemos.

Digamos que o principal objetivo dessa midiática neoliberal e pós-moderna semântica seja definir de antemão quem é quem, em conformidade com a ordem imperialista estabelecida, assim como igualmente definir o que presta e o que não presta, o que pode e o que não pode; o que é desejável e o que não é desejável; o que é falso e o que é verdadeiro; o que é atual é o que é anacrônico; o que é rigoroso e o que é falta de rigor; o que é bom gosto e o que é mau gosto; o que é possível e impossível; o que é verossímil e inverossímil; norma e loucura; sedutor, amável, adorável e também o que é execrável, feio; o que é inteligente e ignorante; produtivo e improdutivo; contemporâneo e extemporâneo, central e periférico; lucrativo e não lucrativo, publicável e não publicável; poético e não poético; narrável e não narrável; compreensível e incompreensível; sucesso e fracasso.

Digamos, por exemplo, que seja a partir dessa totalitária semântica intersemiótica que definimos de antemão quem é terrorista, ditador, bárbaro e também quem é civilizado e democrático, assim como, com toda certeza, que a luta de classes acabou e que, no campo da educação, o que importa não é a produção de saberes e aprendizagens revolucionários, comprometidos com a transformação social, mas hipócritas retóricas de inclusão, pasmem, na mesma ordem desordem imperialista que exclui, mata, humilha, submete.

Criminosa traição ao povo brasileiro

Digamos que, não obstante ter sido o líder contemporâneo que se opôs como ninguém à semântica neoliberal e pós-moderna, a qual decretou, por exemplo, o fim do socialismo, na suposição de que o capitalismo seja o apogeu ideal e real da presença humana na terra, digamos que, ainda assim, Hugo Chávez tenha se visto numa situação recente no mínimo delicada precisamente porque se referendou e se permitiu referendar a partir do campo semântico imperialista, que diz que as Farc são um movimento terrorista, razão por que prendeu, na Venezuela, o militante e revolucionário cantor Julian Conrado, assim como entregou, de mãos beijadas, para o terrorismo de estado do Governo colombiano, Joaquín Pérez Becerra, cidadão sueco, diretor do site de notícias ANNCOL, porque o mafioso monopólio semântico vigente, que domina a oficialidade colombiana, considera-o terrorista por ter, como jornalista, informado o ponto de vista das Farc, em relação à guerra civil colombiana, que já dura mais de 50 anos.

Digamos e ao mesmo tempo nos perguntemos sobre o motivo pelo qual a notícia de que o jornalista da TV Globo, Wiliam Waack, segundo WikiLeaks, era ou é um informante do Governo americano no Brasil não foi semanticamente deslocada para o seguinte e previsível questionamento: como repórter da TV Globo não é possível deduzir que ele agia em nome de seus patrões?

Digamos que a palavra “patrões” ficou no plural na pergunta precedente porque o patrão imperialista pode ser também o local televisivo global patrão da família Marinho, motivo por que Wiliam Waack não apenas não foi demitido, assim como sequer foi questionado sobre a veracidade ou não das informações filtradas por WikiLeaks, diretamente da embaixada americana no Brasil, pois o serviço prestado para o sempre primeiro patrão, o imperialismo americano, como evidente e criminosa traição ao povo brasileiro, de forma alguma compete com o televisivo patrão padrão global local, como estratégica mafiosa e variável embaixada midiática americana encravada no monopólio semântico global televisivo brasileiro.

A rede semântica

Digamos que outro não menos importante objetivo do monopólio semântico da indústria cultural seja o de transformar em clichê tudo que interessa aos monopólios representados pelos integrantes do clube de Bilderberg; clichês tais como “todo político é ladrão”, “ensino bom é o privado”, “desconfie de estranhos”, “o pobre e o negro são o rosto da violência”, “greve é coisa de vagabundo”, “seja espontaneamente idiota ou idiotamente espontâneo”, “a concentração monopólica da propriedade privada é sagrada”, “as instituições privadas não devem ter nenhum compromisso social”, “o fato de um jogador de futebol ou um Faustão ganharem milhões de reais por mês não é corrupção, mas um vereador receber mais de 7 mil reais sim”; “ todo aquele ou aquela que critica ou discorda dos poderes instituídos é ressentido ou infeliz ou mal-amado, ou chato “; os meios de comunicação como a TV Globo são isentos, imparciais e comprometidos com a informação veraz, e nunca venal”; “Kadafi era um ditador sanguinário e Obama é um democrata preocupado com a paz mundial” ; “ será feliz quando tiver o carro x ou usar o perfume y”; “ a pobreza é fruto de ignorância ou preguiça ou insuficiente crença em Deus ou carma por ter sido rico em outra encarnação”; “ a fome na Somália é uma fatalidade derivada da seca”; “a miséria na África não é consequência direta das invasões e intromissões imperialistas, mas causada pela divisão religiosa e étnica daquele povo atrasado e bárbaro, tal como o povo haitiano”; “a cultura popular deve ser sensual, rítmica, mas nunca política”.

Digamos que a batalha pela hegemonia esteja diretamente relacionada com o tipo de rede semântica que a indústria cultural nos lança sobre nossas cabeças, pescando-nos, desprevenidos, ao mesmo tempo em que nos faz crer que somos diferentes, por morarmos em tal lugar, por termos tal carro, por sabermos tal língua imperialista; por pertencermos a tal tribo, por torcermos por tal time, por gostarmos de tais filmes, músicas, obras literárias; por tomarmos tal vinho, por termos tais amigos ou tais capitais financeiros, eróticos, corporais, fálicos, sociais.

Clichê emancipatório

Digamos que a diferença do imperialismo atual, em relação ao império romano, em termos de estratégia, não seja de forma ou de conteúdo, mas de grau: o imperialismo atual domina-nos dividindo-nos, tal como o império romano, mas o faz indefinidamente, sob o ponto de vista de nossa ilusão de classe social, de nosso estilo de vida, de nossa sexualidade, de nossa etnia, de nosso comportamento, de nossos saberes, de nossos gostos musicais, fílmicos, literários, teóricos; assim como nos divide politicamente, religiosamente, academicamente, laboriosamente, filosoficamente, familiarmente, idiotamente, etariamente, otariamente, mercadologicamente, economicamente, num contexto em que estamos todos igualmente divididos em relação às totalizadoras estratégias comuns levadas cotidianamente a cabo pela indústria cultural do imperialismo ocidental.

Digamos que nem todos os clichês sejam negativos e emburrecedores.

Digamos que, como desejo de coletivas alegrias e realizações, no próximo ano possamos, como maiorias insubmissas, definir claramente nosso inimigo comum, o capitalismo, mudando sua semântica mafiosa e mentirosa não apenas trocando de canal televisivo, mas produzindo comumente a nossa libertária semântica através, que seja, do seguinte clichê emancipatório: unidos viveremos!

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[Luís Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor da Universidade Federal do Espírito Santo]