Organizações jornalísticas espanholas vêm sendo forçadas a cortar postos de trabalho e orçamentos à medida que as receitas de publicidade despencam, afetando a qualidade e o alcance da mídia num momento em que o país enfrenta sua pior crise econômica em uma geração. A Espanha não está sozinha. Empresas de mídia do sul da Europa também vêm sentindo a pressão e os gastos com publicidade caem acompanhados pela perda de confiança dos consumidores.
Mas a situação espanhola é a mais grave: a expectativa para este ano é de que só a Grécia tenha um desempenho pior do que a Espanha. “No que se refere à qualidade do jornalismo, são tempos difíceis”, diz Carlos Barrera, professor de Mídia e Política na Universidade de Navarra.
Após a transição da Espanha para a democracia no final da década de 70, surgiram dúzias de jornais e emissoras. Desde 2008, 57 veículos fecharam as portas e oito mil jornalistas perderam os empregos. Os salários do restante dos 40 mil jornalistas espanhóis caíram em mais da metade desde o boom econômico do país, há quatro anos.Crescem as especulações de que Madri poderá ter que tomar medidas drásticas no sentido de conseguir uma ampla garantia internacional para sustentar sua economia cambaleante. Mas, para os jornais com uma cobertura imparcial, esse socorro parece remoto. “A situação, com este índice de desemprego, menos veículos de comunicação e o atual nível de incerteza, mostra que estamos perdendo a democracia”, diz Elsa Gonzalez, presidente da Federação das Associações de Jornalistas Espanhóis (Fape).
À medida que o governo de centro-direita aprofunda os cortes para tirar a Espanha da crise, cada vez menos veículos fazem a cobertura dos acontecimentos, deixando o influente jornal El País, de centro-esquerda, e sua “irmã” radiofônica Cadena Ser, como únicos veículos capacitados a ter uma atitude crítica em relação ao governo. Além de El País, os dois jornais mais populares, El Mundo e ABC, tendem para a direita e são mais simpáticos ao Partido Popular, cada vez mais impopular. O único jornal de esquerda importante, Publico, suspendeu sua edição impressa no início deste ano e opera agora online. Nos últimos meses, os jornais de direita deixaram de usar a palavra “cortes” e adotaram “reajustes”.
“Tempestade perfeita”
Os principais jornais registraram uma queda de 12,5% em circulação nos primeiros quatro meses do ano. Os orçamentos estão sob pressão e os editores dependem de artigos de opinião política, matérias de agências e fofocas de celebridades para atrair a atenção dos leitores. Os repórteres têm cada vez menos oportunidades de viajar para cobrir matérias. “Estão todos procurando uma forma de se diferenciar dos concorrentes; porém, com cada vez menos possibilidades de o fazerem, há mais uniformidade”, diz o professor Barrera.
Três dos quatro jornais espanhóis independentes, que eram populares junto aos trabalhadores que voltavam para casa de metrô ou ônibus – e cujo número encolhe com o crescimento do desemprego – fecharam as portas e apenas um publica uma versão online. Segundo a agência ZenithOptimedia, a publicidade irá cair 12% na Espanha este ano, em comparação a uma queda de 10% em Portugal e 5% na Itália – e uma alta de 1 e 2% na França e na Alemanha, respectivamente. Segundo a agência de consultoria Infoadex, a totalidade da publicidade em jornais espanhóis caiu pela metade entre 2007 e 2011, para 967 milhões de euros (2,4 bilhões de reais).
O grupo Prisa, que detém o jornal El País, perdeu o equivalente a 150 milhões de reais no primeiro semestre deste ano, apesar do crescimento na América Latina. As vendas em publicidade caíram mais de 10%, representando até agora 22% da perda com receitas, contra 23,4% no ano passado inteiro. A publicidade na televisão caiu 16% nos primeiros seis meses de 2012, segundo a Infoadex, reduzindo os lucros das principais emissoras espanholas – a Mediaset España, parte do império midiático de Silvio Berlusconi, e a Antena 3. “Em termos da mídia impressa, é uma tempestade perfeita”, afirma Harjinder Singh-Heer, diretor administrativo da empresa de análise de mídia G2Mi. “Quanto à televisão, o cenário pode ser um pouco mais atraente.” A Mediaset e a Antena 3 controlam 48% do share de audiência e, portanto, podem negociar preços com os anunciantes caso a economia espanhola retome seu rumo, explica ele.
A controvérsia da TV pública
A Espanha encontra-se em situação mais difícil que seus vizinhos porque o setor de mídia teve um crescimento exagerado desde a década de 70. Antes da crise, era comum que cidades espanholas tivessem vários jornais e emissoras de TV. “Havia uma bolha, com centenas de jornais. A publicidade não poderia levar a uma crise”, diz Bernardo Diaz, diretor do departamento de Jornalismo da Universidade de Málaga.
O total de publicidade na mídia tradicional espanhola atingiu um pico de 8 bilhões de euros (20 bilhões de reais) em 2007. Assim como outros países, a Espanha também foi atingida por uma mudança de hábitos do consumidor para acessar a mídia online, mas o rigor da crise acelerou e acentuou esse processo. Os analistas e as empresas esperam que o mercado publicitário reaja positivamente no ano que vem, mas isso depende dos progressos na economia e na confiança do consumidor, o que é improvável num país em que as vendas no varejo vêm caindo há dois anos. Segundo a ZenithOptimedia, o não cumprimento em dois países da zona do euro representaria uma queda de 4% nos gastos em publicidade na Europa ocidental. “Tudo depende da evolução da crise. E também de se encontrarem novos modelos de negócios”, completa Bernardo Diaz.
As emissoras públicas espanholas não estão em melhor situação que as privadas, demitindo profissionais à medida que o governo corta os gastos para atender às regras de orçamento da União Europeia. O Partido Popular, de situação, foi criticado por ter se utilizado da maioria parlamentar para nomear um novo diretor para a emissora estatal RTVE. Desde que o PP indicou Leopoldo Gonzalez-Echenique – egresso do grupo de hotelaria NH – para o cargo na RTVE, em junho, vários jornalistas proeminentes, assim como o responsável pelo noticiário, foram demitidos. A demissão da apresentadora Ana Pastor, admirada por sua técnica “dura” de entrevistar, provocou controvérsias. Apresentadora de uma das principais atrações da RTVE, pela manhã, Ana Pastor teria recebido a oferta de conduzir outro programa, segundo a emissora. Ela discordou. “Digam o que disserem… Sei que se livraram de mim por fazer jornalismo”, desabafou no Twitter.Informações de Clare Kane e Borja Gonzalez [Reuters, 23/8/12].