Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tribunal manda Twitter identificar usuários

Um tribunal francês pediu ao Twitter para identificar as pessoas que postaram mensagens antissemitas e racistas na rede social. O Twitter não tem certeza se vai obedecer. Trata-se de um novo desentendimento na briga sobre o direito de expressão na internet e quais os países cuja legislação deve prevalecer.

A ordem do tribunal veio num processo iniciado por grupos franceses que disseram que os tuítes, que são feitos por meio de pseudônimos, violavam a lei francesa contra expressões racistas. O Twitter já disse que, de acordo com suas próprias normas, não divulga a identidade de usuários exceto se determinado por um tribunal válido nos EUA, onde suas informações são armazenadas. O Twitter já removeu parte do conteúdo em questão de seu site na França, mantendo a política da empresa de remover tuítes em países onde violem a legislação.

Na quinta-feira (24/1), num comunicado curto, o Twitter disse que iria rever suas opções legais após a decisão judicial francesa; autoridades na sede da empresa em San Francisco não responderam a vários pedidos de explicações. Ainda não está claro se os promotores franceses irão fazer pressão com o caso do outro lado do Atlântico e intimar o Twitter num tribunal americano, num processo detalhado e demorado que faz parte do chamado tratado de assistência legal mútua.

Twitter bloqueou conta de grupo neonazista

O caso gira em torno de uma questão abrangente: quais os países cujas leis têm jurisdição sobre conteúdo na internet. Essa questão se tornou cada vez mais complicada à medida que pilhas de informação são armazenadas em amplos centros de dados, conhecidos como nuvem, que são acessáveis pela internet de qualquer lugar e a qualquer hora. “É complicado porque mostra o conflito entre as leis na França e nos EUA, assim como a dificuldade que as empresas enfrentam para fazer negócios pelo mundo afora”, disse Françoise Gilbert, advogada francesa que representa empresas do Vale do Silício em tribunais de ambos os continentes.

Neste caso, a questão da jurisdição representa uma dificuldade a mais, pois o Twitter não tem escritório na França e, consequentemente, não há o risco de seus empregados serem processados, um problema que outras empresas de internet, como o Facebook e o Google, tiveram que enfrentar. Apesar disso, o Twitter é popular na França. Está disponível para quem tenha conexão de internet e vende anúncios em seu site. Isso poderia incentivar as autoridades francesas a tentarem aplicar suas leis a esse serviço.

Com 200 milhões de usuários – a maioria deles, fora dos EUA –, o Twitter já enfrentou problemas com o discurso do ódio e a liberdade de expressão antes, principalmente na Europa. Em outubro, a pedido do governo alemão, o Twitter bloqueou o acesso a uma conta de um grupo neonazista na Alemanha, onde era banido. Foi a primeira vez que o Twitter agiu segundo uma política conhecida como “conteúdo retido pelo país”, pela qual concorda em bloquear uma conta a pedido de um governo. Em 2011, as autoridades britânicas entraram na justiça, na Califórnia, para conseguir informação sobre um usuário do Twitter que respondia pelo pseudônimo de “Mr. Monkey” e era acusado de difamar membros de uma câmara municipal inglesa. A empresa acatou o pedido.

Jurisdição na era digital

Em seu centro de ajuda online, o Twitter diz que as agências estrangeiras que zelam pelo vigor das leis podem procurar informações sobre usuários pelo “tratado de assistência legal mútua”. “É nossa política responder aos pedidos enviados por tribunais americanos, quando adequados”, diz a empresa no site.

Mas o Twitter não é a única empresa de internet que enfrenta requisições de governos por informações pessoais. O Google disse esta semana que recebeu mais de 21 mil pedidos nos últimos seis meses; mais de oito mil dos EUA, ao qual se seguiram Índia, França, Alemanha e Reino Unido. Porém o Twitter procurou passar por um defensor especial da liberdade de expressão, descrevendo-a, às vezes, como uma vantagem competitiva. De vez em quando, lançou-se em batalhas mal sucedidas com promotores nos EUA procurando extrair informações dos usuários de Twitter.

O caso francês também é parte de uma promessa de briga entre os EUA e a Europa sobre os dados controlados por empresas de internet americanas e armazenados na nuvem. A preocupação dos legisladores europeus é que as empresas americanas possam compartilhar informações sobre europeus com o governo dos EUA sob leis americanas, que autorizam a vigilância de cidadãos estrangeiros. Este caso inverte essa objeção, com as autoridades europeias procurando obter informações sobre seus cidadãos de uma empresa americana.

Chris Wolf, um advogado americano que esteve esta semana em Bruxelas numa conferência que debatia as leis europeias de proteção à informação, disse que é difícil interpretar a jurisdição nesta era digital. Ele ofereceu uma analogia em papel. Se as autoridades francesas procurassem acesso a arquivos que estivessem armazenados nos escritórios de uma empresa americana em Paris, poderiam – fisicamente – por suas mãos sobre o material e usá-lo num tribunal. “A presença física de uma coisa ou de uma pessoa sempre foi um fator fundamental para determinar qual governo tem o direito de ter suas regras aplicadas”, disse Wolf. “O poder para acessar a informação torna a localização física das provas irrelevante.”

Mensagens antissemitas

O caso francês foi provocado por uma avalanche de mensagens antissemitas no Twitter, no final do ano passado, incluindo hashtags e coisas como “um judeu bom é um judeu morto”. Também havia piadas sobre o Holocausto e comentários denegrindo os muçulmanos. A negação do Holocausto é crime na França e o país tem leis rigorosas contra o discurso de ódio. Organizações como a União Francesa de Estudantes Judeus e a SOS Racismo entraram com a ação, procurando identificar os responsáveis pelas contas.

O tribunal disse que o Twitter deveria fornecer “informações em seu poder que permitiriam a identificação de qualquer indivíduo que tenha contribuído para a criação de tweets manifestamente ilegais”. O tribunal não chegou a recomendar que fosse colocado na tela, mas disse que o Twitter deveria “disponibilizar, no enquadramento de sua plataforma francesa, um sistema facilmente acessível e visível, permitindo a qualquer pessoa chamar sua atenção para conteúdo ilegal, principalmente aquele que se enquadra na esfera da apologia de crimes contra a humanidade e incitação ao ódio racial”. A decisão do tribunal foi comemorada pelo grupo de estudantes judeus. “Hoje, o sistema francês de justiça tomou uma decisão histórica”, disse Jonathan Hayoun, presidente da União, num comunicado. “Lembra às vítimas do racismo e do antissemitismo que não estão sós e que a lei francesa, que os protege, é válida em qualquer lugar, inclusive no Twitter.”

A delicadeza da questão na França foi destacada pelo assassinato de sete pessoas, quatro delas, judeus, no sul do país, em março do ano passado, por Mohammed Merah, que reivindicou estar agindo para a al-Qaeda. Desde então, segundo grupos judeus, material antissemita, incluindo mensagens pelo Twitter que parecem ser tributos a Merah, proliferou. O governo marcou uma reunião entre autoridades da empresa e grupos de advogados que estão pressionando o Twitter para ser mais duro com o discurso de ódio, disse Najat Vallaud-Belkacem, porta-voz do governo.

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