À medida que os jornalistas americanos tentam descobrir como solucionar os problemas econômicos nascidos com a revolução digital, devem também refletir sobre o que noticiam e o que deveriam noticiar, defende o sociólogo Herbert J. Gans. Nascido na Alemanha, Gans vive nos EUA desde a década de 40 e é um dos mais prolíficos sociólogos do país. Em 1979, depois de anos observando redações e jornalistas, publicou o livro Deciding What’s News: A Study of CBS Evening News, NBC Nightly News, Newsweek and Time [Decidindo o que é notícia: um estudo do CBS Evening News, NBC Nightly News, Newsweek e Time].
Neste artigo publicado no Nieman Journalism Lab, da Universidade Harvard, Gans argumenta que os jornalistas devem repensar sua forma de trabalho para servir às necessidades da democracia do século 21. Ele defende que novas ideias sobre como cobrir a política americana ajudariam os veículos jornalísticos a encontrar novas fontes de financiamento.
Estas novas ideias, diz, podem ter início com uma melhor compreensão do jornalismo como um sistema de alerta, de confiança e de prevenção de pânico. Quando informa uma notícia ruim, a mídia imediatamente sugere à população que o resto dos aspectos sociais, físicos, políticos e econômicos estão fora de perigo. Sem este processo, seria formado um vácuo de informação – rapidamente preenchido por boatos e especulações – que criaria uma onda de pânico e caos. “Sabendo ou não, a mídia protege o país, incluindo suas instituições democráticas, deste caos”, resume Gans.
As outras contribuições da mídia para a democracia são mais modestas, afirma o sociólogo. Ele cita a cobertura política, geralmente limitada às decisões, ações e discursos de políticos eleitos, e que presta pouca atenção aos processos que acontecem em segundo plano. “Raramente reportam diretamente sobre os problemas e perigos da democracia americana”. A discussão mais profunda das causas e soluções dos problemas da democracia é normalmente deixada para comentaristas e colunistas, mas aquilo que falam ou escrevem é definido como “opinião”.
Estimulando o debate
Ainda que não tenham o poder de ampliar a democracia nos EUA, os jornalistas podem transformá-la em um tema relevante – deixando de lado a visão simplista dos partidos políticos como dois extremos. É preciso, assim, que eles encontrem um meio de criar um público de massa para este tipo de cobertura política mais profunda. A tarefa não é fácil, diz Gans. A audiência não gosta de ter suas crenças questionadas, anunciantes não gostam de irritar o público e empresas jornalísticas dificilmente penetram em áreas politicamente controversas e economicamente arriscadas.
Com isso em mente, o sociólogo faz cinco sugestões. A maioria, segundo ele, “idealista”, mas “com a intenção apenas de ajudar a recomeçar a discussão sobre o que o jornalismo pode fazer pela democracia”. São elas:
1. Os jornalistas – além de professores e estudantes de jornalismo – devem pensar o tema “jornalismo e democracia”, analisar o que fizeram no passado e discutir o que podem fazer no futuro. Eles devem levar em conta que a política americana mudou desde que o jornalismo moderno definiu as normas e convenções para a cobertura política.
2. Os jornalistas devem ampliar a cobertura política, e isso pode ser feito de diversas maneiras. De início, é preciso ir além da ênfase atual na cobertura baseada em informações oficiais. Organizações não governamentais e lobistas são peças influentes no processo político, e devem receber mais atenção. Gans sugere que os temas políticos sejam cobertos como obras dramáticas, com princípio, meio e fim. As histórias começariam contando como e por que novas leis e políticas são criadas, passariam por quem faz o quê a favor ou contra estas leis e políticas, e, no terceiro ato, seria mostrado se aquela ideia foi aprovada ou rejeitada, explicando como e por que a trama terminou daquela forma.
3. A mídia deve aumentar o leque de fontes políticas. Os jornalistas devem procurar ouvir não apenas aqueles que estão no poder, mas também os críticos do poder estabelecido, reportando movimentos sociais e grupos em defesa das mais diferentes ideologias em busca de mudança. As ações e visões destes grupos, diz o sociólogo, raramente são manchete, e muitas vão desaparecer sem causar impacto. Mas algumas podem se transformar em grandes e relevantes movimentos populares. Os jornalistas têm o dever de mostrar o que eles querem e como buscam mudar sua comunidade ou seu país. Cada vez mais, torna-se importante o jornalismo voltado para os cidadãos.
4. Como a maior parte da cobertura política tem como base aquilo que dizem os políticos, deve haver uma preocupação com a precisão e a relevância deste discurso. As afirmações de políticos e seus assessores podem, muitas vezes, ser exageradas ou até mentirosas. Por isso a importância da criação de novas ferramentas para ampliar a eficácia da checagem de informações. Ainda que tenham como fontes membros do alto escalão da Casa Branca, por exemplo, jornalistas devem ser livres para usar todas as ferramentas a seu alcance para verificar as informações que recebem. “Isso é particularmente necessário quando a retórica política alimenta ou reforça informações erradas em que as pessoas querem acreditar”, diz Gans.
5. Nesta proposta de complementar as notícias baseadas em eventos e discursos com a cobertura do processo político, os veículos jornalísticos devem recorrer mais ao jornalismo analítico. Repórteres veteranos devem ser estimulados a produzir pautas em que analisem as instituições políticas que cobrem, explorando como e por que decisões políticas se dão, e como, por que e quando a democracia passa por mudanças. Estas matérias, publicadas regularmente, ajudariam a informar o público sobre o funcionamento do processo político e a fornecer a ele a educação política que “deveria ter recebido na escola”. Hoje, este tipo de jornalismo se restringe a artigos de revistas e livros, e não alcança boa parte do público americano.
Na prática
Gans ressalta pontos específicos sobre este jornalismo que defende: deve aparecer com regularidade na mídia, mas sua frequência deve ser determinada pela necessidade do alcance do grande público; seu formato e conteúdo devem ser pensados, já de início, para a internet. Ele enfatiza ainda a importância de juntar o jornalismo analítico com conteúdo de entretenimento na rede – assim como emissoras de TV exibem documentários em meio a programas de entretenimento em suas grades.
Ao incluir o debate sobre democracia em sua pauta, os veículos de comunicação podem atrair novas fontes de financiamento, como fundações e organizações não governamentais, assim como governos. Se as notícias servem como uma instituição de prevenção aos rumores e ao pânico na sociedade, diz Gans, há aí um argumento para que o governo ajude a financiar as instituições jornalísticas.
O sociólogo reconhece que o financiamento governamental da imprensa é um tema sensível e algo tradicionalmente rejeitado pelos jornalistas. Mas, diante da crise no setor e dos cortes nas redações, ele vê esta alternativa como uma saída viável. Caberá aos jornalistas descobrir como proteger seu trabalho e os interesses de seu público de possíveis interferências externas.