Normalmente, não grito quando estou assistindo ao programa Today. Mas gritei, na semana passada, quando ouvi o seguinte: “Nós somos uma democracia liberal e a imprensa deveria conseguir construir relações e as pessoas deveriam conseguir falar com a imprensa.”
O entrevistado, Kevin Hurley, era um ex-oficial da Scotland Yard que atualmente é comissário de polícia e investigador no condado de Surrey. Ele discutia a saga do juiz Leveson. E acrescentou: “Estou tentando elevar a importância da liberdade de imprensa e da liberdade das autoridades públicas para se apresentarem e denunciarem irregularidades.”
Minha sensação de alívio, beirando a alegria, poderia parecer um pouco estranha àquela hora da manhã, principalmente quando alguém está dizendo o óbvio. Mas, na Grã-Bretanha contemporânea, a defesa de uma imprensa sólida e sonora é uma raridade. Nos 18 meses que se seguiram desde que o Guardian produziu as revelações sobre grampos telefônicos, a trajetória tem sido numa única direção: detenções, mais detenções e cada vez mais freios.
A questão não é endurecer a regulação, mas como fazê-lo. Afinal, a indústria sempre foi seu pior inimigo: deixando para agir até ser tarde demais e agindo somente em seus próprios interesses.
Desde que o juiz lorde Leveson divulgou seu relatório, em novembro, vem ocorrendo uma disputa que nada tem de edificante. E em grande parte é inútil. Em grande parte, há um acordo sobre os parâmetros para o futuro órgão regulador. As áreas em disputa são relativamente pequenas – e se destacam, principalmente, sobre se as normas de responsabilidade deverão ser redigidas via uma legislação específica ou uma decisão tomada pelo poder monárquico. Cada lado acusa o outro de má-fé. Para que seja criado um sistema que funcione, ambos terão que ceder um pouco.
A corruptibilidade da polícia
Muita coisa está em jogo. Na essência deste debate está a liberdade de expressão. Esqueça o princípio e atenha-se à eficácia. As sociedades funcionam melhor quando os poderosos são desafiados? Há mais ou menos corrupção, melhor ou pior governança?
Assim como muita gente cita erroneamente Voltaire, vou citar incorretamente Alastair Campbell. Você só se faz ouvir quando o tédio não permite escutar sua própria voz. Portanto, embora já o tenha dito inúmeras vezes – inclusive, duas ao juiz Leveson –, voltarei a dizê-lo. Avalie os últimos 10 anos e pergunte: o jornalismo descobriu muito ou pouco sobre o que os ricos e poderosos fazem em nosso nome? Descobrimos muita coisa sobre armas de destruição em massa às vésperas do Iraque? Revelamos coisas demais sobre os banqueiros? E Jimmy Savile?
O jornalismo enfrenta dois tipos de restrição – da regulação e da legislação. Na Grã-Bretanha, ambas são confusas. A maioria das ações abomináveis contra, digamos, a família Dowler, os McCanns e Christopher Jefferies poderia e deveria ter sido punida pela polícia. Ações contra o assédio, o desacato, o suborno etc constam da legislação. O fato de não terem sido tomadas está mais relacionado à corruptibilidade da polícia – uma área desgraçadamente sub-investigada pelo inquérito Leveson.
Atitude de ressentimento
O jornalismo britânico não vem funcionando num escândalo legal. Muito pelo contrário. O mais injusto calafrio na expressão é a difamação. Nossa cultura de infâmia era tão pobre que Barack Obama adotou a Lei doDiscurso para proteger os cidadãos americanos dos tribunais ingleses. É difícil conceber uma humilhação maior por parte de nosso aliado. Londres era o porto seguro para oligarcas, xeques e corporações que quisessem abafar críticas de qualquer lugar do mundo. Londres mereceu o apelido de “uma cidade chamada processo”.
Foi por isso que, em 2009, lançamos a campanha para reformar a calúnia. De saída, persuadimos os três principais partidos a enxertar esse compromisso em seus manifestos políticos. O projeto de lei de difamação foi apresentado pouco depois. Não era tudo o que queríamos. Talvez tenhamos conseguido metade de nossos objetivos, mas alguma coisa é melhor que nada. Consequentemente, será um pouco mais difícil intimidar alguém.
Justamente quando nos preparávamos para ultrapassar a última barreira, lorde Puttnam e outros da Câmara dos Lordes inseriram um número de cláusulas na lei de difamação que tornariam as coisas bem mais complicadas. Eles querem introduzir o aviso prévio (os jornais devem comunicar às pessoas antes de escrever algo desagradável sobre elas). Os componentes da Câmara dos Lordes (majoritariamente trabalhistas) também querem introduzir multas exemplares para aquelas instituições que não se filiarem a um órgão regulador. Tomaram essas decisões numa atitude de ressentimento por as mudanças propostas pelo inquérito Leveson não terem sido adotadas rápido o suficiente.
Vingança e poder
A lei de difamação volta para a Câmara dos Lordes na segunda-feira (11/3). É fundamental que Puttnam (um bom homem que parece ter perdido a noção das coisas na questão da liberdade de expressão) retire suas propostas de emenda. Se ele e seus aliados ficarem firmes, a posição do governo seria insustentável. Matar a lei de difamação ou introduzir medidas draconianas pela porta de trás.
Esta batalha envolve mais do que a regulação da imprensa. Há anos que os políticos se queixam que os jornalistas têm ideias “fantasiosas”. Eles abominam a humilhação aprendida com o escândalo das despesas (vale ressaltar que o Partido Trabalhista queria que os detalhes das despesas fossem isentos da liberdade de informação).
Os trabalhistas e os liberal-democratas (que parecem cada vez mais seduzidos por uma agenda de controle, e não de liberdades) precisam refletir de novo antes que seja tarde. A liberdade de expressão é difícil de conquistar, mas fácil de perder.
Em última instância, é sobre vingança e poder. Sabemos, pela experiência amarga de outros países – alguns deles da União Europeia, como a Hungria e a Itália –, o que acontece quando os políticos acham que está na hora de mostrar que o jornalismo não é o que parece.