O jornal libanês Al Akhbar, próximo ao Hezbollah, publicou em janeiro uma lista confidencial com nomes, fotos e local de trabalho de 17 possíveis testemunhas no julgamento do caso da morte do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri e de 22 outras pessoas em 2005.
Um porta-voz do Tribunal Especial para o Líbano, apoiado pela ONU e sediado na Holanda por motivos de segurança, rapidamente condenou a ação como um sério atentado às regras judiciais e às vidas das pessoas listadas. O tribunal acusa quatro membros do Hezbollah, apesar de seus paradeiros serem desconhecidos e do plano atual ser julgá-los à revelia.
Em resposta, o jornal publicou uma segunda lista com nomes, fotos e detalhes pessoais de outras 15 possíveis testemunhas. Os nomes “foram claramente publicados com a ideia de assustar as pessoas e evitar qualquer cooperação com a corte”, disse um advogado que prefere se manter anônimo por estar ligado ao julgamento. “Os editores chamam o julgamento de blefe, pois sabem que nenhum [dos acusados] será preso”.
Potencial para confrontos
O Hezbollah, a facção mais forte do governo do Líbano, negou qualquer envolvimento com o atentado, denunciou o tribunal como uma ferramenta dos EUA e de Israel e avisou que não permitirá a prisão de qualquer um de seus membros.
De acordo com o indiciamento, os homens estão ligados ao atentado baseado em extensivos registros telefônicos, incluindo ligações feitas logo antes da explosão da bomba que matou o ex-primeiro-ministro em Beirute.
Os primeiros relatos apontam para participação da Síria no assassinato, mas promotores ainda não divulgaram novas evidências dessa ligação. O possível envolvimento de militantes do Hezbollah complicou enormemente o caso – a facção não é só parte da coalizão que governa o Líbano como também possui sua própria força paramilitar.
Acredita-se ainda que, se o julgamento for para frente, podem voltar a ocorrer confrontos sangrentos entre o Hezbollah e grupos pró-Ocidente. No entanto, alguns especialistas avaliam que o potencial de revolta foi ultrapassado pela guerra civil síria. O conflito já mobilizou atores políticos no Líbano, com diferentes facções enviando soldados para ambos os lados.
Sabotagem
Mesmo assim, a divulgação do nome das possíveis testemunhas suscitou controvérsia em Beirute. “Isso é uma outra forma de sabotagem. Existe uma longa campanha para provar que o tribunal não tem credibilidade”, diz a jornalista May Chidiac. May, que apresentava um programa de TV, perdeu parte do braço e a perna quando uma bomba explodiu embaixo de seu carro, alguns meses depois do atentado contra Hariri. Seu caso também permanece sem solução.
Enfrentando críticas, o editor do Al Akhbar, Ibrahim al-Amin, escreveu que a divulgação dos nomes faz “parte do que o público deve saber”. Ele argumentou que o vazamento não foi diferente dos vários furos na investigação publicados no Líbano e no exterior. No entanto, mesmo que vários documentos e detalhes do julgamento já tivessem sido noticiados, essa é a primeira vez que o nome de testemunhas é divulgado.
O editor também sugeriu que a publicação foi um ato de retaliação. Segundo ele, o jornal publicou a lista em resposta à “campanha internacional mirando a resistência”, no que parece ser uma referência aos atuais esforços dos EUA e de Israel para fazer com que a União Europeia considere o Hezbollah uma organização terrorista.
Intimidação
A resposta do tribunal internacional ao jornal foi discreta. O porta-voz Martin Youssef disse, em carta, que foi enviado ao Líbano para informar o Al Akhbar de suas violações. Segundo ele, a corte não irá comentar se alguma das pessoas cujas identidades foram divulgadas faz parte do processo. “Mas o efeito é o mesmo: intimidar todas as testemunhas”, afirmou.
A segurança de testemunhas é um assunto sensível para todas as cortes internacionais. Todas possuem programas de proteção a testemunhas, mas a maioria depende das autoridades locais para isso. Nos tribunais da ONU para Ruanda e Iugoslávia, jornalistas e advogados que revelaram nomes ou transcrições confidenciais de testemunhas tiveram que pagar multas ou foram presos. “É um assunto muito sério”, diz Abbe Jolles, advogada que trabalhou na corte de Ruanda. “Várias pessoas tiveram que desistir de testemunhar depois que seus nomes foram revelados”.
O julgamento sobre o atentado que matou Hariri está marcado para começar no dia 25 de março, mas se espera novamente seu adiamento. Advogados de defesa reclamaram que os promotores ainda não divulgaram todas as evidências, que a base de dados eletrônica não está funcionando e que o governo do Líbano ignorou todas as requisições de informação. “Agora nós nos questionamos se teremos alguma testemunha”, disse um pesquisador que trabalha para a corte.