A internet não pode se tornar o “Velho Oeste”, declarou, quando ainda era presidente da França, Nicolas Sarkozy. Ao conquistar a legislação de 2009 contra downloads ilegais, o conservador disse que a rede mundial de computadores “não pode ser um lugar sem lei, onde pessoas podem pilhar trabalhos artísticos sem limites”.
Autoridades francesas abriram uma nova frente este mês. Sob a égide do governo socialista de François Hollande, a reguladora das telecomunicações do país pediu a um promotor público uma investigação sobre o Skype, serviço de telefone online da Microsoft, por falhar em se registrar como uma operadora de telefonia.
Para alguns observadores, a ação reflete o clássico instinto francês de tentar controlar mercados indisciplinados. “Não é surpreendente que a internet atraia a atenção de ‘engenheiros’ franceses ao se tornar uma grande parte da economia. Existe uma forte tradição aqui de que deixar as coisas acontecer nunca é a melhor resposta”, disse um empreendedor francês.
Tendência de intervenção
A ação contra o Skype segue uma série de ações recentes contra outras grandes companhias digitais. Em janeiro, o Google aceitou pagar seis milhões de euros a jornais após o presidente Hollande ameaçar a companhia americana com uma legislação que a forçaria a dividir suas receitas com empresas jornalísticas francesas por conta de conteúdo agregado em sua ferramenta de buscas de notícias.
O Google também está na mira da CNIL, o órgão supervisor de proteção de dados, que quer testar as políticas de privacidade da empresa. A agência ameaçou “ação repressiva” neste ano caso o Google não atenda às demandas de prover informação aos usuários sobre como seus dados estão sendo utilizados.
Enquanto isso, o Twitter foi obrigado por uma corte francesa a identificar as pessoas por trás de mensagens antissemitas e racistas que apareceram em francês no microblog.
Gilles Babinet, proeminente empresário francês que atua como “campeão digital” para a Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, não mantém segredo sobre sua exasperação com as intervenções das autoridades. “O negócio do Google com os jornais foi uma vergonha, por basicamente dizer que você deve proteger uma velha indústria de novos jogadores. Isso transmite a mensagem de que o governo está ali para proteger as pessoas da tecnologia e da informação”, disse. “Ao todo, não acredito que este governo, assim como o anterior, realmente entendeu a importância de espaço digital para crescimento”.
Babinet reclama sobre os impostos de ganhos de capital e riqueza, que segundo ele inibem importantes investimentos em startups, assunto que suscitou protestos furiosos por parte de empresários online no ano passado. “Eles não entendem, sentem isso como uma ameaça”, disse o empresário sobre a atitude do governo com a internet.
Em busca de equilíbrio
Sem surpresas, é assim que Fleur Pellerin, ministra de Economia Digital, vê as coisas. Pellerin ordenou este ano que a Free Mobile, operadora de telecomunicações, parasse de bloquear publicidade dos modems de seus usuários. Esta semana, ela sinalizou seu apoio a uma recomendação do CNNum, painel consultivo do governo sobre internet, que garantiria “neutralidade da rede” na lei francesa. O princípio de acesso igualitário à internet é visto por empresas de telecomunicações como um potencial inibidor da capacidade de cobrar diferentes quantidades de provedores de conteúdo online.
“É muito difícil encontrar o equilíbrio sobre regulação”, declarou a ministra. “Nós não queremos colocar barreiras aos atores, franceses ou estrangeiros, que participam do desenvolvimento de nossa economia digital.” Continua: “É uma questão difícil para a qual no momento ninguém encontrou uma resposta certa. Não existe resposta científica. Na França, nosso objetivo é dar a esse ecossistema o clima certo para que seja capaz de florescer, porque este é o maior impulso para o crescimento futuro”.
Mundialmente, a França está na média em termos de economia digital. Ficou na 22ª posição em 2012 na lista de países por número de assinaturas de banda-larga sem fio, atrás dos EUA, Reino Unido e Alemanha. Mas em banda-larga fixa, ficou em sexto lugar, na frente desses países.
O relatório McKinsey de 2011 estima que o setor digital contabilizou 25% do crescimento econômico, com o potencial de aumentar mais 5,5% em 2015. Companhias como o Google e a Amazon, atraídas pela forte infraestrutura do país e a quantidade de graduados em matemática e ciência, montaram centros de pesquisa.
“A França está na média. Não é o pior, mas também não é o melhor, então ainda há muito espaço para crescer. A internet é muito importante para nossa economia e podemos fazer muito mais”, diz Matthieu Pélissé du Rausas, diretor da McKinsey em Paris.
“A França é um país bem conectado”, disse um empresário americano. “Tem um mercado forte, a favor da internet. São as autoridades que precisam ser convencidas. Nossa atitude é encontrar novas formas de mostrar que a internet é positiva para a economia e para a cultura”.
Competição desigual
O maior componente da economia digital, assim como em outros países europeus, é o setor das telecomunicações. É aqui que as questões regulatórias se acentuam. A ação contra o Skype foi retratada pelas autoridades como sendo principalmente uma questão de fazer a empresa prestar os mesmos serviços que operadoras tradicionais, como fazer chamadas de emergência e permitir escutas quando legalmente autorizada. Mas abriu uma ferida: as operadoras não tradicionais competem diretamente com outras operadoras sem pagar o preço pela rede que usam. Agora que a nova geração de banda larga necessita ser instalada, grupos de telecomunicações querem dividir o peso com o investimento de companhias digitais.
“A questão para a França e todos os países: você é a favor que as operadoras da internet estrangeiras não paguem enquanto suas operadoras nacionais pagam?”, questiona Xavier Niel, dono da Free Mobile. “Países como a França não deveriam ser ingênuos. Não temos um YouTube francês, ou uma Amazon, ou um Netflix. O Youtube é um problema. Possui uma grande quantidade de tráfego de dados, mas se recusa a contribuir para melhorar esse tráfego”.
O governo francês claramente tomou esse lado. “A questão do Skype é uma questão de nivelamento. Você possui novos atores na economia digital que não estão no mesmo nível daqueles que pagam impostos, respeitam dados pessoais e colaboram com a regulação. Isso cria um problema, não só na França”, diz Pellerin.
A Comissão Europeia está assistindo ao desenrolar dos fatos em Paris sem tomar um lado na disputa. Neelie Kroes, comissária da UE para telecomunicações e assuntos digitais, é a favor de deixar a internet livre do controle governamental. Mas um oficial da UE disse: “nós somos a favor da inovação, mas temos que reconhecer que grupos de telecomunicações estão sendo pressionados”.
A França também vê o assunto sob o aspecto cultural. Suas televisões, por exemplo, devem cumprir cotas de conteúdo local e financiam a indústria de cinema. “Somos bem presos a esse modelo”, afirma Pellerin. Mas emissoras locais estão em desvantagem com a internet. “Como sobreviverão? É quase impossível. Se queremos proteger nossa cultura, teremos que impor o mesmo tipo de marco regulatório”.
Pelisse du Rausas diz que a França precisa de uma estratégia digital clara para decidir as prioridades da intervenção governamental. “Na realidade, é uma questão sobre a visão de como a economia digital está indo na França. Talvez seja necessária intervenção, mas para quê? Não sei se temos um objetivo claro, logo não estamos tomando decisões regulatórias com coerência”, ressalta.