Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

No adeus ao nome, muitas histórias para relembrar

Vestígios fantasmagóricos do gótico logotipo do Herald Tribune ainda sobrevivem na fachada do edifício de número 230 no lado oeste da Rua 41, no centro de Manhattan, camuflado por um emblema descolorido do Grupo de Seguros Health e, mais recentemente, minimizado pela torre que é sede do New York Times, ao lado. Neste outono, quando o International Herald Tribune mudar de nome para The International New York Times, aquele pálido logotipo na ex-residência do Trib poderá tornar-se o último e mais visível legado de um dos grandes nomes do jornalismo americano.

The New York Herald Tribune nasceu em 1924, o que significa que esteve mais tempo morto – desde 1966 – do que vivo. Mas não foi por acaso que Richard Kluger deu à sua biografia do Herald Tribune o título The Paper [O Jornal] – como se fosse o único – e que tantos jornalistas imploravam por um emprego escrevendo para um jornal rabugento que proclamava, com o dedo desafiadoramente apontado para o olho do Times, que, para ser bom, um jornal não tinha que ser maçante. (Entre os que foram contratados estavam Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Dick Schaap, Red Smith e Pete Hamill.)

Ainda aprecio um talão de pagamento (deve valer uns 20 dólares) que guardei do tempo em que trabalhei no campus universitário como correspondente do Trib. No entanto, meus sonhos de trabalhar no jornal depois da universidade foram destruídos quando fui testemunha da demolição do batente do portão da ex-sede na Praça Printing House, na Baixa Manhattan, com as palavras “The Tribune”, no dia em que – ainda me lembro – os novos donos declararam o Trib morto.

“Você não tinha medo de errar”

O Herald era um desses jornais de 20 centavos, repleto de fofocas e muito consumido, fundado em 1835 por James Gordon Bennett, um excêntrico escocês, democrata e populista. The Tribune foi primeiramente publicado por Horace Greeley, republicano, ex-candidato à presidência e admirador de Abraham Lincoln. Os jornais eram tão diferentes que colocar um hífen entre o nome dos dois teria sido pretensioso. (O Tribune comprou o Herald, mas por alguma razão o jornal que resultou da fusão não se chamou Tribune Herald.)

Começando com Stanley Walker, que fora editor de Cidade nas décadas de 20 e 30, “era costume dizer-se que o Trib era um jornal de escritor e o Times era um jornal de editor”, disse Richard C. Wald, último editor administrativo do Herald Tribune. Num e-mail, Wald lembrou: “Foi o primeiro jornal a ter uma seção específica para resenha literária (iniciada por Irita Van Doren) ou fazer a crítica de livros de bolso. Walter Kerr redefiniu como escrever sobre teatro. Era um jornal de Nova York que descrevia a cidade com sagacidade e com algumas reportagens inteligentes sobre acontecimentos nacionais e internacionais.”

Ex-editor administrativo adjunto, Donald H. Forst lembrou que, na condição de desfavorecido, o Trib “tinha que lutar mais, tinha ideias mais malucas e mais brilhantes, tinha muita paixão e, portanto, era mais criativo”. “Você atraía pessoas que ainda não estavam polidas pela rejeição ou moldadas nos meios convencionais de fazer as coisas”, continuou. “Você não tinha medo de errar.” Seu maior legado, disse Frost, talvez tenha sido “socar o Times no nariz, o que tornou o Times um jornal melhor”.

“Eu devia ter comprado o bar”

Egresso do Tribune, Maurice Carroll lembra que, mesmo 12 anos depois de ter entrado para o Times, suas queixas sobre alterações em seu texto invariavelmente esbarravam no lamento de um editor: “Ah, vocês do Trib…” Quando, em 1991, morreu Homer Bigart, famoso correspondente da II Guerra Mundial e também egresso do Tribune que havia entrado para o Times, Clifton Daniel, ex-editor administrativo do Times, lembrou: “Sempre me pareceu que ele tinha um preconceito com o Times, mesmo quando trabalhou lá. O maior problema com o jornal, em sua opinião, era que não era o Trib.”

Se era bom, por que sucumbiu?

“Quando saímos da II Guerra Mundial, podia se dizer que o Trib era um jornal melhor que o Times, no sentido de ser mais bem editado, mais bem escrito, graficamente mais agradável”, diz Kluger. “Mas não tinha profundidade. Foi derrotado por sua incapacidade de investir em si próprio por mais cobertura e mais espaço. De manhã, ficava em último lugar e não tinha domínio sobre a publicidade. E era um jornal republicano, um jornal protestante e um jornal mais representativo dos subúrbios do que da mistura étnica da cidade.”

O edifício-sede sofria de negligência. “Homer, como é que podemos fazer o Times parecer mais com o Tribune?”, perguntou Arthur Gelb, um de seus novos colegas no Times. Bigart respondeu: “Desligue o ar condicionado.” Quando John Hay Whitney visitou o lugar em 1958, como novo dono do Trib, não podia deixar de notar o ambiente de desespero e deterioração. Em seguida, dirigiu-se ao restaurante Artist and Writers, na Rua 40, que era só animação e gentileza, onde fez a memorável declaração: “Eu devia ter comprado o bar.”

O mistério da hora

Meio século mais tarde, Nova York ainda tem a Praça Herald (e a Praça Greeley). A revista New York, que originalmente era um suplemento dominical do Trib, foi reencarnada como um semanário. (E ainda há Herald-Tribunes, com hífen, em Sarasota, estado da Flórida, e Batesville, Indiana.)

O International Herald Tribune é a atual encarnação daquilo que começou a ser publicado em 1887 (como edição europeia do New York Herald) e depois se tornou o Paris Herald e, posteriormente, o IHT. O jornal extravagante com base em Paris refletia as excentricidades de James Gordon Bennett (que imprimiu, em 6.718 edições consecutivas, uma falsa carta assinada “Velha Senhora de Filadélfia” que explicava como converter a escala Celsius em Fahrenheit e vice-versa. O jornal foi imortalizado por Hemingway e Fitzgerald (Jake Barnes e Dick Diver o leram) e no filme Acossado, de 1960, no qual a namorada de Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg, faz o papel de uma candidata a jornalista que vende oTribune nas ruas de Paris.

Começando em 1967, o jornal funcionou conjuntamente entre a família Whitney, o Times e o Washington Post (o Times ficou com a preferência pelo nome com base numa aposta de moeda). O Times tornou-se o único proprietário em 2002. Em poucos anos, podia ler-se na parede: sem cerimônia alguma, o International Herald Tribune retirou a bobagem escrita à mão que ficava entre o “Herald” e o “Tribune” em sua primeira página desde 1966 e que originara o New York Tribune, em 10 de abril de 1866.

Mas nem o livro de 801 páginas de Richard Kluger conseguiu resolver um mistério duradouro: por que o relógio no logotipo foi marcado para 6:12?