Quando autoridades russas invadiram escritórios da ONG Human Rights Watch em Moscou, elas convidaram uma equipe de uma das maiores redes de TV do país, a NTV (controlada pelo estado), para filmar a invasão. Não foi a primeira vez: câmeras da emissora estatal já haviam registrado invasões a outras ONGs, incluindo a Anistia Internacional e o grupo de direitos humanos Memorial.
O presidente Vladimir Putin descreveu essas invasões como “medidas rotineiras” tomadas pelas agências do governo para garantir que as atividades das organizações estivessem “de acordo com a lei”. No entanto, por que é preciso filmar e exibir em horário nobre essas atividades, se são apenas operações de “rotina”? A resposta tem a ver com o papel crucial do governo em moldar a percepção do público sobre o mundo. O uso seletivo de auditores fiscais e inspeções de segurança, assim como leis e regulações arbitrárias, são onerosas e disruptivas às atividades de ONGs. O lugar da mídia estatal no arsenal autoritário é de uma ordem diferente porque seus ataques estão destinados a desacreditar – e deslegitimar – a sociedade civil.
Bloquear e atacar
Ao contrário da mídia independente de propriedade pública em países democráticos, as funções da mídia em estados autoritários são bloquear e atacar. Bloquear as informações garante que a crítica consistente da liderança não afete o público que consome as notícias principalmente por rádio ou TV. Atacar, pelo uso de desinformação de mídia de massa, destina-se a sujar a imagem de alguém que é visto como uma ameaça ao poder estabelecido. Para a sociedade civil, a função de ataque é a mais destrutiva.
Essa fórmula para repressão da sociedade civil não é restrita apenas à Rússia, sendo um padrão visível em muitos países autoritários. Outros países da ex-União Soviética estão bem representados na lista. A mídia estatal do Azerbaijão, por exemplo, ataca rotineiramente ONGs e ativistas individuais. Durante uma entrevista recente à TV estatal, Ramiz Mehdiev, chefe de estado do presidente Ilham Aliev, alegou que “falsas ONGs” independentes, apoiadas pelo Ocidente, constituíam uma ameaça à segurança nacional e deveriam ser fechadas para evitar maior influência nas relações internas do país.
Os governos da Bielorrússia, Cazaquistão e Uzbequistão agem de maneira semelhante. No Zimbábue, na África, a mídia estatal é usada como instrumento de demonização, chegando a chamar as ONGs financiadas por países estrangeiros de “mercenárias da sociedade civil”. A Arábia Saudita e outros países do Oriente Médio também usam a mídia estatal como uma verdadeira arma contra a sociedade civil.
A TV estatal russa, especialmente a NTV, investe em programas sensacionalistas que sugerem que ativistas de direitos humanos e outros reformistas trabalham em nome de interesses internacionais ou buscando prejudicar o governo russo. Esses grupos, na realidade, fazem o trabalho essencial de proteger os direitos dos cidadãos russos, encorajando a transparência nas políticas públicas e promovendo a liberdade de expressão. Os ataques da mídia estatal contestam seus motivos e suas ações, dificultando que esses grupos ganhem a confiança de cidadãos comuns.
Sociedade civil como ameaça
Ao marginalizar a oposição política e eliminar vozes alternativas, Putin agora vê a sociedade civil como a principal ameaça a seu governo. Com o rápido aumento da internet e das tecnologias de comunicação, é tentador supor que a mídia estatal já é relíquia de uma era passada. Mas com seu alcance vasto e geralmente incontestado e influência sobre populações fora dos centros urbanos que, geralmente, têm menos acesso a fontes independentes de informação, a TV estatal é o meio que modela as visões de audiências que tipicamente representam a base de apoio autoritária. Na Rússia, a TV estatal ainda é a fonte dominante de informação.
Organizações comunitárias, grupos de defesa de direitos civis e outras associações que formam a sociedade civil são fundamentais para trazer práticas inovadoras ao espaço público. Tais ONGs trabalham para melhorar políticas públicas e encorajar o desenvolvimento econômico e social, entre outros benefícios. Os ataques à sociedade civil estão, portanto, prejudicando o desenvolvimento desses países de um modo crucial. Nesse sentido, a mídia estatal prejudica o próprio governo a quem supostamente serve.