O projeto multimídia “Snow Fall”, do New York Times [que ganhou um prêmio Peabody (para rádio e televisão) com uma narrativa multimídia de uma avalanche mortal no estado de Washington, por ser “um exemplo espetacular do potencial para contar histórias na era digital”], foi um imenso sucesso, atraindo grandes audiências e muitos aplausos. Mas o jornal ainda pode fazer melhor – pode construir um novo modo de negócio a partir deste tipo de projeto e mudar a definição de jornalismo no novo século.
Se alguma vez eu me encontrar com a editora-executiva do New York Times, Jill Abramson (por mais inverossímil que isso possa parecer), eu lhe direi, com certeza, que ela tinha toda a razão de estar excitada com o que seu jornal fez com o projeto “Snow Fall”, que em minha opinião foi uma das primeiras experiências de contar histórias verdadeiramente pós-tablet. Na conferência sobre Negócios a Cabo, realizada em Nova York no início desta semana [passada], Jill Abramson disse: “‘Snow Fall’ agora é um verbo. Todo mundo agora quer snow fall, todos os dias, por todo o lado”. Os repórteres estão aguardando para poder snow fall sua grande matéria. Ela disse que a ideia nasceu na editoria de esportes – e levou “meses e meses e meses” para se materializar –, mas projetos do tipo podem vir de qualquer lugar.
É hora de arriscar
Caso você não tenha assistido, Snow Fall foi um projeto multimídia do qual fazia parte uma fascinante matéria, em seis blocos, de John Branch, um dos redatores do Times que venceram o prêmio Pulitzer e que estava intrigado com o número crescente de acidentes fatais de esqui. As matérias foram apresentadas com gráficos interativos, vídeos e biografias de vários praticantes de snowboard e esqui. O trabalho é brilhante e foi recompensado com 2,9 milhões de visitas e 3,5 milhões de page views nos primeiros seis dias após sua publicação. (O Times não revela o volume de tráfego total que recebeu desde o lançamento, em dezembro de 2012.)
“Snow Fall” (e outras experiências do mesmo tipo) representa uma grande oportunidade e o futuro para organizações de mídia como o New York Times, principalmente agora, que estão perdendo uma batalha pela atenção do público com concorrentes arrivistas, que vão do BuzzFeed ao Huffington Post. Se você estivesse no lugar da administração do New York Times, seria a hora de arriscar: gastar 25 milhões de dólares na criação de uma centena de projetos do tipo “Snow Fall”.
Dinheiro e cliques gratuitos
Na realidade, é importante que nossos irmãos do Times pensem em termos ainda maiores do que esses, muito embora também possa significar uma perspectiva mais prosaica, mercantil e do tipo administrativo para aquilo que fazem. Eles não precisam pensar no “Snow Fall” como algo supérfluo – algo que torne o conteúdo tradicional mais próximo do digital, ou dos aplicativos móveis e dos tablets –, e sim, tratá-lo como um produto de mídia absolutamente novo e que é especialmente criado para o mundo das telas de múltiplos dispositivos.
Trabalhei com edição online por muito tempo – 18 anos, para ser preciso. E, durante esse tempo, vi a mídia repetir o mesmo erro inúmeras vezes. Frequentemente, tentavam adaptar o conteúdo que haviam criado para jornais e revistas ao mundo digital. E quando trabalhavam online, mesmo assim pediam aos repórteres online para fazerem as mesmas coisas que faziam para os jornais e revistas. (Vale ressaltar que o Times publicou “Snow Fall” primeiro online e só três dias depois na edição impressa, o que pressupõe que os responsáveis tinham plena consciência do potencial digital de um projeto como este.)
Sim, Dorothy, a internet é diferente
A internet é e sempre será uma plataforma envolvente, interativa e comunitária. Muitos editores continuam a tratá-la como um veículo bidimensional. Sempre que temos algum evento importante da mídia, como a recente tragédia em Boston, a internet social traz os consumidores de conteúdo para nossas redações e faz com que participem do processo. É um dos motivos pelos quais a grande mídia ainda não adotou os blogs. Claro que há pessoas como David Carr ou Paul Krugman, mas elas são exceções. Basta olhar para alguns dos blogs do Times e você vê que são apenas matérias (ou artigos) adaptados para o veículo blog.
Fazer um blog é uma maneira de editar o mundo e apresentá-lo à minha comunidade – e isso significa tudo, desde fotos, links, tweets e vídeos, além de compartilhar meus pensamentos e artigos compactados, furos e mesmo meras notícias. Todo o ato de compartilhar indica que estou interessado e tenho vontade de aprender e falar sobre o assunto.
O negócio da mídia tem dificuldade em compreender que o veículo e o conteúdo estão interligados, bastante como aqueles amantes nas paredes das grutas de Ajanta e Ellora. Esse foi um dos vários motivos pelos quais The Daily, de Rupert Murdoch, não me impressionou. Ele não inventou uma nova maneira de contar histórias para um tablet.
Agora, considere tudo isso num contexto e compreenda por que continuo insistindo no ponto de que produtos do tipo de “Snow Fall” são absolutamente novos, um novo estilo de contar histórias e um novo modelo para o jornalismo do século 21 – não sacrificamos o que há de melhor em nossa profissão, mas a tomamos pela nuca, arrastamos, inchado, seu corpo envelhecido para o novo mundo e o reanimamos com uma injeção de adrenalina.
O sr. Excel encontra a sra. Editora
No entanto, isto é apenas uma parte da história. Trata-se de não ficar simplesmente aparvalhado com os uhs! e ahs! de “Snow Fall”, e sim, de pensar nisso como uma oportunidade de negócios, bastante na esteira em que os estúdios de Hollywood se beneficiam de seus blockbusters. Minha pergunta é por que as empresas de jornais e revistas não podem adotar a mesma abordagem e construir um modelo de negócios que possa faturar nas várias oportunidades que “Snow Fall” possa oferecer?
Portanto, ao invés de começar com uma matéria de jornal e adaptá-la a diferentes formatos, o Times deveria começar com “Snow Fall”. Se você olhar “Snow Fall” de perto, vê uma abordagem coerente para conteúdo, que se adapta e transforma não apenas ao veículo de acesso, mas aos diversos modelos de negócios – bastante como no cinema.
A partir de minha própria experiência com revistas, posso dizer que produzir um artigo não é barato e pode facilmente custar dezenas de milhares de dólares, dependendo da publicação. Quanto mais tempo gasto na apuração e mais importante seja a matéria, mais alto será o custo. Portanto, a partir dessa perspectiva, gastar algum dinheiro numa versão pós-tablet do artigo não significaria levar o banco à falência.
O atual esforço editorial é criar alguma coisa no jornal pela atenção de um ou dois dias e, esperemos, dezenas de milhares de visitas à página. Por que não começar com os apps e os e-readers (ambos pagos), depois prosseguir com a versão para a web e finalmente chegar ao jornal impresso? Embora o conteúdo orientado pelos apps e pelo e-reader implique um novo tipo de aprendizado para o Times, a empresa não tem muito a mudar em relação aos dois canais seguintes.
Hollywood, baby
Deixem-me explicar por que o Times tem condições de fazê-lo. E, para isso, volto a apontar para Hollywood. Um dos motivos pelos quais os estúdios de Hollywood têm êxito com a abordagem em múltiplos níveis a seu “produto” é porque fazem o possível para garantir que criarão uma experiência excelente. E podem fazê-lo com o roteiro certo, com os atores certos, com os valores certos e, o que é mais importante, têm a distribuição. E montes de dinheiro.
O Times e outras grandes empresas de mídia têm muitas dessas mesmas capacidades. Têm grandes atores (pessoas reais, pelo amor de Deus, são atores melhores do que qualquer coisa que Hollywood possa produzir), têm grandes contadores de histórias (editores e repórteres cujos prêmios Pulitzer são prova evidente) e têm a capacidade de criar os valores de produção certos (fotógrafos, artistas visuais e designers). O Times também tem uma grande audiência – 35 milhões de pessoas visitam seu website apenas nos Estados Unidos, segundo a empresa comScore –, o que significa que conta com muita atenção e pode ser canalizado de um modo eficiente para promover novas ideias.
Questões de distribuição
Assim como os filmes blockbuster contam com muita atenção por parte da mídia, “Snow Fall” contou com muita atenção por parte do resto da comunidade da mídia. Aqueles milhões de visitantes mensais e a quantidade de espaço publicitário nas edições impressas significam que a distribuição não é um problema. E apesar da situação financeira desfavorável, muitos desses veículos – inclusive o Times – ainda têm bastante dinheiro para tentar e financiar algumas dúzias de “Snow Falls”.
Não ficou claro quanto dinheiro o Times gastou com “Snow Fall”, mas vamos partir do princípio de que foi uma pequena fortuna. (Sim, eu fiz essa pergunta e eles me responderam o seguinte: “Não podemos divulgar detalhes sobre custos. Na verdade, é um esforço da redação. O lado dos negócios trabalha junto com a redação, claro, para proporcionar a infraestrutura e tecnologia necessárias para contar histórias de maneiras inovadoras.”)
E em troca o jornal recebeu uns poucos milhões de visitas à página, mas acredito que também construíram uma bela infraestrutura para criar mais projetos do mesmo tipo. Consequentemente, o próximo “Snow Fall” vai custar menos e a maior parte dos futuros gastos será para o lado criativo: textos, fotos e outros elementos e design de multimídia.
Então, de que precisa o Times (ou alguém como eles) para fazê-lo? Em linguagem direta, um ponto de partida com os responsáveis pela elaboração, adotando a realidade atual e re-imaginando o fluxo de trabalho do jornal de uma grande cidade. Em outras palavras: re-imaginar o modelo de negócios para prestar serviços na realidade do mundo de hoje e esquecer o legado do jornal impresso.
Crie uma nova raça de “produtor”, que possa mudar de Excel para conteúdo.
Crie uma raça absolutamente nova de jornalista, que tenha valores da velha escola mas seja capaz de contar uma história em muitos dos veículos que existem hoje.
Construa uma máquina editorial criativa, que funcione de uma maneira diferente daquela de um grupo editorial voltado para o impresso.
Se eles realmente conseguirem superar sua angústia – e custa-me dizer isso –, podem mudar a conversa na indústria da mídia, levando-a para longe de um conteúdo cada vez mais superficial e trazendo o foco para um jornalismo de qualidade e profundidade, que é o que eles sabem fazer. Se a administração do New York Times se sentisse ousada, aplicaria 25 milhões de dólares criando outros 100 “Snow Falls” e mudando basicamente as expectativas dos leitores sobre o que são o conteúdo digital e o jornalismo neste século.
Portanto, se você quiser enfrentar e lutar contra o BuzzFeed e o Huffington Post, vá em frente, Jill Abramson!
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Efeito ‘snowfall’ abre oportunidades para o jornalismo multimídia – Carlos Castilho
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Om Malik é fundador do site GigaOM