Quando cerca de 100 mil libras (em torno de R$ 310 mil), confiscadas de criminosos e mantidas trancadas, foram roubadas de uma delegacia no Reino Unido, jornais britânicos exigiram saber quem era o culpado. Mesmo assim, quando um homem foi preso pelo crime, a polícia se recusou a identificá-lo. Só depois de uma revolta pela parte da imprensa e de defensores da liberdade de expressão, que se queixavam do fato de que a justiça estava trabalhando secretamente, a polícia revelou o nome do suspeito, um ex-policial.
O incidente é um indicativo das tensões entre jornalistas e autoridades britânicas após o Inquérito Leveson, sobre os excessos e abusos da imprensa no Reino Unido. O relatório examinou a relação, muitas vezes cômoda, entre jornalistas e policiais, e recomendou que eles restrinjam o que dizem aos repórteres.
É uma prática antiga no Reino Unido e na Europa manter em segredo o nome de pessoas presas pela polícia por suspeitas de crimes. Neste estágio, os suspeitos normalmente são descritos somente pelo seu sexo, idade e cidade de residência. Em outros países, são dadas as iniciais dos nomes ou somente o primeiro nome do suspeito.
Apesar das restrições, a polícia britânica costuma vazar informações sobre as identidades dos suspeitos. O relatório Leveson recomenda o fim desses vazamentos, aparentemente causando confusão entre as forças policiais. Apesar de a polícia local e a Associação de Chefes de Polícia terem voltado atrás e recomendado a divulgação dos nomes de suspeitos, jornalistas estão em revolta.
“Justiça transparente é um principio que vem deste a Carta Magna”, disse Bob Satchwall, diretor da Sociedade de Editores, referindo-se ao documento escrito pelo Rei John em 1215, garantindo certas liberdades aos sujeitos à coroa inglesa. “Existe um perigo em enfrentar direitos conquistados há séculos”.
Nos EUA, com a tradição de transparência enraizada na Primeira Emenda, prisões são assunto de registro público, disponíveis para quem souber onde procurar. Na Europa, a relutância em revelar nomes é baseada em uma preocupação maior com a privacidade, assim como no diferente ritmo da justiça. Lá, pessoas podem ser presas antes de suas acusações serem registradas, enquanto a investigação policial está em andamento. Muitos presos são soltos logo depois, sem nenhuma acusação.
Por esse motivo, advogados que defendem indivíduos contra a mídia dizem que faz sentido a polícia manter os nomes dos suspeitos até serem formalmente acusados. “Provavelmente é melhor que pessoas inocentes não sejam condenados pela imprensa”, disse Isavel Martorell, advogada especializada em casos de difamação e invasão de privacidade.
Inocentes são condenados pela mídia britânica frequentemente, de acordo como relatório Leveson. No entanto, defensores da transparência argumentam que liberar os nomes podem prover benefícios além da venda de mais jornais. Para eles, a publicidade acerca de prisões, como foi o caso de Stuart Hall, personalidade do rádio acusado de pedofilia, podem encorajar vítimas a revelarem seus casos e ajudar na investigação policial. “A polícia está comprometida nesta questão, porque devem equilibrar o direito de privacidade e o direito do interesse público”, disse David Banks, especialista em lei de mídia.
Parte do problema é que não existe nenhuma lei no Reino Unido sobre a divulgação de nomes pela polícia. Dentro do sistema legal do país, as práticas evoluem de acordo com precedentes legais, em vez de legislação. Complicando ainda mais o assunto, está o crescimento das mídias sociais, que especulam sobre as prisões e pressionam a publicação do assunto nos jornais.
De acordo com a organização dos chefes de polícia, os nomes só serão divulgados para a prevenção de outro crime ou se for de sério interesse público. A entidade responsável por definir os padrões da polícia planeja aprofundar a questão. Enquanto isso, jornalistas e militantes pela transparência defendem a divulgação dos nomes. “Existe um interesse social em ter o princípio de tornar o sistema judiciário o mais transparente possível”, disse Padraig Reidy, membro de um grupo pela liberdade de expressão. “No contrário, é fácil imaginar um sistema em que a polícia se sinta a vontade em encarcerar pessoas aleatoriamente”.
Relação de amizade deve ser comunicada
Sob novas normas draconianas publicadas na semana passada no Reino Unido, policiais britânicos devem declarar formalmente se são amigos de jornalistas. Caso não o façam e sejam julgados por terem ocultado a relação, eles podem agora ser demitidos por má conduta. Isso significa efetivamente que pessoas trabalhando em organizações de mídia estariam no mesmo nível que criminais. Muitos policiais já têm que declarar qualquer associação com criminosos, suspeitos ou detetives particulares.