No dia 6 de junho foi inaugurada em Milão uma exposição de Pierluigi Praturlon (aberta até 8 de setembro) e lançado o livro Pierluigi on set. Uma homenagem ao fotógrafo que conta em imagens a história dos sets romanos de cinema dos anos 1950 e 60.
Em 15 de agosto de 1999, quando morreu sozinho no leito de um hospital, já estava totalmente esquecido. Sua história começa com a primeira tarefa em seu primeiro trabalho: fora designado pela agência Vespol para fotografar Palmiro Togliatti (1893-1964, vitalício secretário-geral do Partido Comunista Italiano) no Palazzo Montecitorio, sede do Congresso. Todavia, a meio caminho, Pierluigi vê Greta Garbo, já retirada da vida pública, viajando incógnita a Roma, consegue fotografá-la e o ‘furo’ vai para as primeiras páginas dos principais jornais do mundo. Como prêmio, recebe a missão de fazer fotografias nos estúdios de Cinecittà. O fato de falar outros cinco idiomas o aproximou dos artistas estrangeiros, felizes por poder conversar com alguém durante as pausas. Foi por isso que na Espanha ainda franquista conseguiu livrar Frank Sinatra da cadeia: por desconhecimento do idioma, o ator estava em séria discussão com um carabineiro.
Uma estrela
Logo fez fama como um bom e honesto profissional. Em sua objetiva fixou Audrey Hepburn, Claudia Cardinale, Jean-Paul Belmondo, Marcello Mastroianni, Marlene Dietrich, Anna Magnani. Charlton Heston admitiu somente ele no set de Ben-Hur. Os colegas invejosos o batizaram de Lux, como o sabonete preferido por nove entre 10 estrelas do cinema.
Ele modificou o conceito da fotografia no set: deixou de lado as fotos das cenas usadas para propaganda, dos artistas em poses glamurosas, destinadas aos jornais e aos fãs. Ele inaugurou a fotografia por trás dos bastidores, misturando atores e cenógrafos, a ilusão das cenas e do aparato cinematográfico, trazendo a realidade cotidiana do cinema-indústria. ‘Cada coisa que acontecia eu registrava: a briga do diretor com um ator, os atores famosos como simples mortais, sentados no chão comendo um sanduíche. Era algo jamais visto’, dizia ele.
Pierluigi, que preferia não usar seu sobrenome vêneto, Praturlon, pois os atores de língua anglo-saxônica tinham dificuldade em pronunciar, era uma estrela a seu modo, teimoso, excêntrico, volúvel, sempre brigando com diretores e atores, gastador – dava-se ao luxo de alugar um Rolls Royce para que o levasse do aeroporto ao estúdio que havia aberto em Londres – e, acima de tudo, mulherengo: apesar de não ser nada bonito, e sua magreza lhe rendera o apelido de Coréia (alusão à guerra no país), vivia cercado de mulheres maravilhosas.
A mãe das fontes
Seu nome não aparece na história da fotografia, ou é confundido com os paparazzi da Via Veneto, que tornou famoso seu amigo e concorrente Tazio Secchiaroli. Quando morreu, não teve referência alguma nos meios de comunicação. Contudo, o grande Pierluigi foi redescoberto pelos cinéfilos há um ano, devido ao livro Photology, que trouxe à luz 30 fotografias inéditas, selecionadas entre dezenas de milhares de seu arquivo, todas originais, algumas peças únicas, pois os negativos foram perdidos.
O grande fato da vida de Pierluigi aconteceu em 1958. Vinha de uma casa noturna, onde dançara a noite inteira com uma deslumbrante mulher, e esta a um determinado momento lhe diz: ‘Pierluigi, pare o carro que quero botar os pés de molho’ – estes estavam inchados, pois além da dança fazia muito calor naquele verão romano. Ele lhe fez ver que dali a cinco minutos estariam em casa. Mas Pierluigi, que além de seu fotógrafo era seu, digamos, acompanhante fixo, parou o carro, ela saiu correndo, entrou numa fonte com o vestido levantado até as coxas monumentais, e logo passou a andar entre os mármores que decoravam a fonte, com o testemunho somente de dois carabineiros estupefatos pelo inédito da cena e a beleza da protagonista. Pierluigi disparou algumas fotografias.
Aí começa a verdadeira história. A fonte era a mãe de todas, a Fontana di Trevi, e a mulher era a jovem deusa nórdica Anita Ekberg. Federico Fellini, ao ver a foto na revista Tempo Ilustrato, adonou-se da cena para o filme A doce vida, onde Pierlugi foi ‘substituído’ por Marcello Mastroianni. O fotógrafo que foi esquecido deixou a cena mais emblemática de um dos filmes mais importantes da filmografia mundial – com certeza mais do que ser simplesmente lembrado.
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Jornalista