Em um evento da campanha de Hillary Clinton em Dakota do Sul, na semana passada, uma mulher de 61 anos se espremeu na multidão para apertar a mão do ex-presidente Bill Clinton e trocar algumas palavras com ele sobre um artigo publicado na revista Vanity Fair. Poucas horas depois, o conteúdo desta conversa – em um arquivo de áudio com duração de três minutos – estava disponível no sítio Huffington Post. Nele, é possível ouvir o ex-presidente chamar de desonesto (e outras palavras nada simpáticas) Todd Purdum, autor da matéria na Vanity Fair e ex-repórter do New York Times. No artigo, Purdum chamava Clinton de mulherengo.
O ex-presidente provavelmente ficou surpreso ao ver suas afirmações no sítio, pois Mayhill Fowler, a senhora com quem ele conversou brevemente, não tinha credencial que a identificasse como repórter e não chegou a revelar sua intenção de entrevistá-lo. Um gravador digital estava visível em sua mão, porém Mayhill – que se descreve como ‘jornalista-cidadã’ – não acredita que Clinton tenha reparado nisto. ‘Ele certamente pensou que eu era alguém da platéia presente no evento’, contou.
Debate ético
O episódio, reproduzido nas TVs a cabo americanas como uma evidência do temperamento explosivo de Clinton no final da campanha de sua mulher, gerou uma discussão entre jornalistas, professores e blogueiros sobre a conduta ética na ‘Era YouTube’ – onde qualquer pessoa pode, munida de gravador ou celular com câmera, atuar como repórter.
‘Isto dificulta o nosso trabalho. Se você não tiver confiança [dos entrevistados], não há boas matérias. Se alguém usa meios desonestos para se obter a verdade, fica ferida a causa do fluxo livre de informação para a qual ela [Mayhill] alega contribuir’, opina o colunista e repórter político da Newsweek Jonathan Alter. ‘Você tem que se identificar quando estiver entrevistando alguém’.
Não é o que pensa Jane Hamsher, ex-produtora de Hollywood que fundou o Firedoglake, sítio de tendência esquerdista. ‘Se Clinton não se preocupou em saber quem ela [Mayhill] era, a falha é dele’, defende.
Reincidente
Esta não é a primeira vez que Mayhill omite fatos para conseguir cumprir sua tarefa jornalística. Em abril, ela alegou ser colaboradora da campanha do senador Barack Obama para conseguir acesso a um evento de arrecadação de fundos do candidato, em São Francisco – evento para o qual a mídia não havia sido convidada. Na ocasião, o gravador digital da ‘jornalista-cidadã’ registrou o senador dizendo algo que não agradou aos moradores de Pensilvânia: ‘Não é surpresa que, por não crescerem economicamente, eles se agarrem a armas ou à religião’.
Mayhill era professora e não tinha experiência como repórter até começar a atuar como jornalista-cidadã, há cerca de um ano. Eventualmente, ela publica algo interessante no Off the Bus, projeto da blogueira Arianna Huffington e de Jay Rosen, crítico de mídia e professor de jornalismo da New York University, no qual blogueiros escrevem sobre os principais candidatos à presidência dos EUA. Informações de Jacques Steinberg [New York Times, 8/6/08].