Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ernesto Rodrigues

‘É pura coincidência, mas, um dia após publicar aqui o texto sob o título ‘Milhões de certezas solitárias’, sobre a capacidade de a Internet incentivar e produzir uma proliferação de intolerâncias ideológicas e culturais, leio a matéria Leonardo Lichote, ‘Você está matando a cultura?’, capa do caderno Verso & Prosa do jornal O Globo de 4 de abril sobre o lançamento, no Brasil, do livro ‘O culto do amador – Como blogs, MySpace, YouTube, e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores’, de Andrew Keen.

Além de recomendar a leitura integral da matéria – que inclui uma resenha do livro, uma entrevista por telefone com o autor e depoimentos de críticos brasileiros de sua obra – transcrevo alguns trechos desse material por entender que a discussão que o autor e o Prosa & Verso propõem tem importância crucial no debate sobre os caminhos da TV Cultura, no momento em que o modelo tradicional da TV aberta, seja ela pública ou privada, esteja ela no Brasil ou em qualquer outro país do mundo, se vê diante do irreversível desafio de conviver com a Internet e de se adaptar aos múltiplos fenômenos culturais e comportamentais que ela tem provocado na sociedade.

Dois trechos da matéria de Leonardo Lichote:

‘Você – o herói da revolução digital, a personalidade do ano da ‘Time’ em 2006, o sujeito que alimento youtubes, orkuts, myspaces, blogs wikipédias e twitters – está matando a civilização. Como? Os motivos são vários para Andrew Keen e vão da pirataria ao acesso virtual às mesas de jogo e à pornografia. Basicamente, porém, a questão gira em torno do fato de que, em vez do bajulado Você, o usuário produtor de conteúdo é tratado por Amador. E a forma como sua valorização se impõe implica a decadência do especialista, que, nas palavras do autor, é uma das maiores conquistas da Humanidade’.

‘Especialistas, advoga Keen, são os músicos, jornalistas, escritores, cientistas e cineastas. Mas também os editores, os executivos de gravadoras, estúdios de cinema, lojistas do ramo cultural. Todos caindo perante a força do Amador que, ao produzir cultura de graça e distribuí-la mundialmente pela rede, tira o valor econômico do seu produto. Além de minar a noção – sagrada para Keen – de que algumas pessoas são mais autorizadas que outras a produzir arte e informação. Num verbete da Wikipédia, um de seus exemplos favoritos, as palavras de um aluno do ensino fundamental têm o mesmo peso que as de um PhD’.

Na entrevista a Lichote, Andrew Keen reconhece que já não é tão radical como na época em que lançou o livro nos Estados Unidos (2007), mas continua achando que a Internet nem sempre é democrática. A rede cria o que ele chama de oligarquias, que supostamente representam as massas, ‘mas na realidade são controladas pelos poucos que participam ativamente’. Ainda segundo Keen, ‘o problema real da Wikipédia não é a precisão, mas a ausência de julgamento editorial!’. Ele explica:

‘Ela reflete as massas. Nós achamos verbetes enormes sobre Star Trek, mas grandes figuras históricas, filósofos e escritores são extremamente subvalorizados, com verbetes ruins e pequenos’.

O Verso & Prosa repercutiu as idéias de Andrew Keen com pessoas como o compositor Ronaldo Bastos – para quem o livro é oportuno por dar voz ‘à maioria silenciosa que opõe sua humanidade a esse tsunami bem orquestrado que alardeia bobagens do tipo: a cultura do remix substirui a luta de classes e a Internet é a revolução’ – o escritor Milton Hatoum – para quem ‘o filtro está na cabeça do leitor, na sensibilidade e no repertório de cada pessoa’ – Marcelino Freire ( ‘um idiota será sempre um idiota, estando ou não em frente a um computador’) e o editor digital Nelson Vasconcelos, para quem Andrew Keen ‘é um chorão’ que não vê que ‘a seleção natural, versão digital, acabará determinando quem fica e quem cai fora’.

Concordemos ou não com Andrew Keen, o debate que ele propõe e provoca não deveria sair da pauta tanto dos que produzem quanto dos que consomem o conteúdo da televisão em geral e da nossa TV Cultura em particular. Até porque, mais cedo ou mais tarde, estaremos todos juntos, pelos menos do ponto de vista tecnológico, na mesma tela.

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Milhões de certezas solitárias, 2 de abril

O artigo ‘O meu jornal diário’, do jornalista Nicholas D. Kristof, do New York Times , publicado domingo passado pela Folha de S. Paulo, merece ter alguns trechos transcritos aqui neste espaço por ser, no meu entender, uma preciosa reflexão sobre a maneira como usamos – ou deveríamos usar – a Internet, principalmente no que diz respeito aos conteúdos jornalísticos e, eu acrescento, telejornalísticos.

Nicholas adverte que ‘ao contrário do jornal, a Internet nos leva a buscar idéias afins às nossas e vai nos isolar ainda mais em nossas câmaras políticas hermeticamente fechadas’. E acrescenta: ‘Quando navegamos on-line, cada um de nós é o seu próprio editor, o guardião de sua própria entrada. Selecionamos o tipo de notícias e opiniões de que mais gostamos’.

O autor cita estudos do MIT (Massachusetts Institute of Technology) para afirmar que ‘existem provas bastante convincentes de que, em geral, não desejamos realmente informações confiáveis, e sim as que confirmem nossas ideias preconcebidas’. Segundo Kristof, ‘podemos acreditar intelectualmente no valor do choque de opiniões, mas na prática gostamos de nos encerrar no útero tranqüilizador de uma câmara de ecos’. Kristof cita ainda, como exemplo, uma experiência feita com democratas e republicanos americanos que, em vez de pesquisas de fontes ostensivamente neutras, ‘preferiram receber argumentos inteligentes que corroborassem suas idéias preexistentes’.

Um outro estudo citado por Kristof mostra que os americanos são os que demonstram menos tendência a discutir política com pessoas de visões diferentes, e ‘isso se aplica especialmente aos mais bem instruídos’. Segundo Kristof, enquanto ‘pessoas que não concluíram o ensino médio tinham o grupo mais diversificado de pessoas com quem discutiam idéias (…) as que tinham concluído a faculdade conseguiam colocar-se ao abrigo de ideias que lhe eram incômodas’. O resultado, segundo o autor, é a polarização e a intolerância. O que o leva a fazer o seguinte alerta:

‘O declínio da mídia noticiosa tradicional vai acelerar a ascensão do ‘Meu Jornal’; vamos nos irritar menos com o que lemos e veremos nossas idéias preconcebidas confirmadas com mais freqüência. O perigo é que esse ‘noticiário’ auto-selecionado aja como entorpecente, mergulhando-nos num estupor autoconfiante por meio do qual enxergaremos as coisas em preto e branco, sendo que os fatos normalmente se desenrolam em tons de cinza’. Kristof, finalmente, sugere:

‘A única maneira de avançar é que cada um se esforce por conta própria para fazer uma malhação intelectual, enfrentando parceiros de discussão cujas opiniões deploramos. Pense nisso como uma sessão diária de exercícios mentais análoga a uma ida à academia: se você não se exercitou até transpirar, não valeu. Agora, com licença. Vou ler a página de editoriais do Wall Street Journal’.

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Pra dentro ou pra fora?, 1º de abril

Vez por outra este ombudsman recebe emails, alguns deles alarmantes, abordando a antiga polêmica entre o peso e a proporção do material estrangeiro na programação da emissora. Transcrevo um desses emails – no caso, enviado através do ‘Fale conosco’ por uma telespectadora que prefiro não identificar – e a resposta dada pelo editor-chefe do Metrópolis, Anderson Lima, porque ambos os textos são muito úteis. Eles refletem, ao mesmo tempo, os fatos e também as angústias vividas tanto por quem faz quanto por quem assiste ao programa.

Primeiro, a mensagem da telespectadora:

‘Olá, sou ouvinte e fã da rádio Cultura FM e assisto muito a TV Cultura. No programa Metrópolis, sempre e ultimamente, tenho percebido que a pauta tem dado muita ênfase e informação sobre a cultura estrangeira, música, cinema, etc. Adoraria ver mais de nossa cultura neste programa. De nossos artistas, músicos e sobre o cinema nacional, teatro etc. Fico um pouco cansada de tanto interesse pela cultura dos outros. Até parece que o programa tem algum vínculo com as produtoras estrangeiras. Espero que vocês possam mudar um pouco o foco deste programa que já foi bem melhor!’

Agora, a resposta de Anderson Lima:

‘Entendo as suas considerações, mas encaminho a relação de assuntos abordados no Metrópolis desta segunda-feira, 30 de março, para uma reflexão:

1) Reportagem sobre o senhor Ronoel Simões, brasileiro que tem a maior coleção de discos de violonistas da América Latina.

2) Destaques do festival de documentários É tudo verdade, com filmes como Garapa, de José Padilha, e ‘Cildo’, sobre o artista plástico Cildo Meirelles.

3) ‘Só’, monólogo com o ator João Miguel, o mesmo de ‘Cinema, aspirinas e urubus’, com comentários do crítico teatral Jefferson Del Rios.

4) Nota de serviço sobre o concurso para pianistas da fundação Magda Tagliaferro.

5) Reportagem sobre o artista plástico José Bezerra.

6) Nota sobre a morte do ator Ankito.

Do noticiário internacional, demos:

1) Audiência da cantora Madonna na justiça do Malaui para adoção de mais uma criança.

2) Liberação por dois dias para download da nova música de Bob Dylan no site oficial do cantor.

3) Reportagem sobre a exposição do pintor francês Pierre Bonnard, no Metropolitan, em Nova York.

4) Reportagem sobre a morte de Maurice Jarre, compositor de trilhas de filmes como ‘Doutor Jivago’, ‘Passagem para a Índia’ e ‘Lawrence da Arábia’.

Enfim, me pareceu uma ‘divisão’ equilibrada, não sei se você concorda. Claro que tem dias que não é assim. Agora, é preciso entender que o Metrópolis é um ‘jornal’ de cultura. Então a pauta também depende do que é ‘notícia’ naquele dia. Por exemplo: quando temos Radiohead e Kraftwerk tocando num domingo em Sampa, com certeza isso vai ter um peso no Metrópolis de segunda-feira. Outro detalhe importantíssimo é que temos apenas duas equipes de externa a cada dia.

Ou seja, produzimos apenas ‘duas’ reportagens por dia. Todo o resto do programa é produzido com imagens de agências internacionais, material de divulgação, vídeos de internet, o que ainda tem predominância de material estrangeiro. É a realidade, não inventamos isso. Enfim, aqui não é lugar de ‘choradeira’. Mas queria dividir contigo de forma franca a nossa realidade diária.

Agora, sua mensagem ajuda a gente a refletir sobre o que estamos fazendo e por isso, eu te agradeço. Fique à vontade para colaborar com o nosso programa.

Um abraço!

Anderson Lima – Editor-chefe

Metrópolis’’