‘Deve estar dando muito mais trabalho, mas em televisão, como em qualquer atividade humana – à exceção da prefeitura de Niterói e de outros redutos municipais, estaduais e federais da preguiça, da irresponsabilidade e da ineficiência criminosa – é assim mesmo. A edição do Login desta quinta-feira, dia 8 de abril, foi uma demonstração saborosa de que a turma do ex-futuro Programa Novo sabe conceber, produzir, editar e apresentar um bom programa diário de TV aberta para os jovens.
Depois de uma providencial abertura com os destaques do dia, o Login começou com um simpático perfil do DJ Alexandre Bezzi. O risco do formato de monólogo, com o personagem falando dele mesmo, foi plenamente afastado por uma edição ágil que incluiu inserções gráficas informativas e boas amostras dos sons e ritmos preferidos de Bezzi. Além, é claro, das dicas básicas sobre a atividade e de inspiradas declarações do DJ sobre sua felicidade com o que se tornou uma profissão.
A reportagem seriada de Gabi e Zé Brites, com um olhar diferenciado para o cotidiano de duas jovens atrizes aspirantes – uma delas integrante do elenco do musical Hairspray e filmada em ótimos flagrantes durante os ensaios da peça – foi outra demonstração do quanto é importante não apenas sair do estúdio com a câmera na mão, mas, principalmente, saber e planejar bem o que vai se fazer com essa câmera fora do estúdio. Assim como a pauta, a edição e a abordagem bem-humorada de Rodolfo Rodrigues, na reportagem sobre a exposição ‘Menas’, no Museu da Língua Portuguesa.
O debate do dia, sobre ser ou não ser professor, apesar de contar com três participantes – Cláudia Tondato, ganhadora do Prêmio Victor Civita, Gustavo Ioschpe, economista e colunista de educação e Lourdes Atiê, socióloga – não comprometeu o ritmo do programa, embora nem sempre os enfoques tenham sido os que interessam mais ao público do programa.
Faltou até, quem diria, uma capacidade maior de improvisação da equipe do programa logo depois da exibição da reportagem sobre a exposição ‘Menas’, quando os participantes do debate discordaram radicalmente sobre a própria ideia de se montar uma exposição sobre maneiras erradas de falar e escrever a língua portuguesa. A discussão, interessantíssima, foi interrompida com uma promessa dos âncoras de que teria continuação no bloco seguinte. Não teve. E não houve nem a explicação obrigatória de que ela não seria retomada por causa do tempo do programa ou porque tema original do debate (ser ou não ser professor) era prioritário.
O programa ainda teve outro debate inesperado e acalorado dos três convidados sobre o sentido e os objetivos da atual greve dos professores de São Paulo. O que demonstra que a escolha dos debatedores, ainda que potencialmente problemática do ponto de vista operacional e editorial, foi acertadíssima.
O Login do dia 8 de abril ainda teve um quadro com as dicas de cinema do editor Marcelo Forlani, do site Omelete, e espaço para um tipo de conteúdo que tomava praticamente o tempo inteiro do extinto Programa Novo: a navegação bem-humorada dos âncoras por sites da Internet e uma daquelas brincadeiras sem qualquer compromisso – no caso, a mímica de filmes que precedeu os créditos de encerramento.
Desnecessário dizer, portanto, que o Login é um tremendo avanço em relação ao seu predecessor quimicamente dependente do mouse e da Internet.
***
Noites da Cultura, 8 de abril
Problema antigo
Um erro da emissora levou os telespectadores da TV Cultura a serem convidados, nesta quarta-feira, dia 7, em uma chamada do programa Metrópolis gravada pela apresentadora Andrea Couto e veiculada num dos intervalos da série ‘A volta ao mundo em 80 tesouros’, a assistir reportagens que já tinham sido apresentadas no dia anterior, terça-feira, 6 de abril. Lamentável. Tanto para os que ainda não tinham assistido (e que acabaram, claro, não vendo as matérias) quanto para os que, já tendo acompanhado o Metrópolis da véspera, se deram conta da trapalhada, tão antiga – e evitável – quanto a própria televisão.
Esticada
Nas reportagens do Jornal da Cultura desta quarta, dia 7, sobre uma conferência de arqueologia realizada no Egito e sobre um leilão milionário de diamantes na Sotheby´s, ficou claro, como em muitas outras exibidas nos últimos tempos pelo telejornal e também pelo Metrópolis, que o formato original das imagens é o chamado 16/9 – característico dos documentários de cinema e das transmissões da tv em alta definição – e não o 4/3 ou SD, típico da TV analógica tradicional. Em respeito aos telespectadores, principalmente aqueles mais obsessivos com a qualidade que se surpreendem com o súbito ‘esticamento’ vertical das imagens, não custaria fazer uma inserção discreta com um aviso de ‘imagens em formato 16/9’ ou algo semelhante. O telespectador certamente se sentirá muito mais respeitado.
Aviso
Falando em respeito, o Metrópolis, através da inserção de um crédito, passou a identificar como uma escultura da artista Tatiana Blass o cachorro que compõe o cenário atual do programa. Desse modo, ficam preservadas, de um lado, a criatividade e a ousadia da proposta cenográfica e, de outro, a inteligibilidade do conteúdo do programa.
Ombudsman do ombudsman
Falando em inteligibilidade, transcrevo, sem ter ideia – e querendo muito saber – do grau de representatividade, trechos de um email enviado pelo telespectador Rafael Altenhofen, de São Leopoldo (RS). Ainda que eu discorde da maioria das colocações de Rafael, considero-as importantes como um alerta para que este ombudsman nunca deixe de se preocupar com a clareza e a objetividade em seu trabalho:
‘Caro Ernesto,
Respeito imensamente vosso trabalho, formação e experiência, mas entendo que o teu trabalho deveria focar em tecer opiniões construtivas ao invés de críticas e divagações teóricas – e restritas ao entendimento apenas daqueles de tua área de formação – acerca de alguns programas. Comentas, em teu texto sobre o documentário da revolução do biquini, sobre a acessibilidade da informação veiculada nos programas, mas, fazes exatamente o caminho inverso. Ler e compreender teus textos é muito mais difícil ao grande público do que compreender o que é veiculado na programação da TV Cultura!
***
Soluções simples, 7 de abril
Transcrevo, agradecendo, para comentar depois, a pronta – e pertinente – mensagem que recebi de Helio Goldsztejn, diretor e curador do Metrópolis, sobre a análise feita aqui do programa de 6 de abril, na coluna sob o título ‘Estranho pra cachorro’.
‘Caro Ernesto,
Você aponta em suas argutas observações que o Metrópolis transita na área de cultura e entretenimento de forma única. Isso, como você mesmo afirma, pode ser arriscado. O critério é saber se as pessoas estão recebendo algo de qualidade, atingindo vários tipos de público, como lembrou Jana Bennett, executiva da BBC.
E creio sinceramente que isso ocorre por aqui. A arte que levamos em nossas matérias ou cenários não precisa ser decorativa. Ela pode instigar, às vezes irritar, e ajudar os telespectadores a ampliar seu conhecimento e compreensão do mundo. Sem pretensão, e, se possível, divertindo. E você capta bem isso em nosso caldeirão cultural diário. Isso vale para a Coleção Metrópolis também, resultado do cenário do programa.
Tatiana Blass é considerada uma das artistas mais instigantes e promissoras da nova geração. Aos 31 anos, já participou de exposições expressivas e participa em breve de individual em Los Angeles. Seu trabalho, segundo a crítica especializada é belo e perturbador.
Claro que o desconforto que o cachorro proporciona não se compara ao do urinol de Marcel Duchamp, exibido em exposição em 1917. Ele tirou um objeto comum do seu lugar habitual e provocou a fúria da mídia na época. Tatiana tira o animal doméstico que adoramos de seu lugar habitual também. Ele está lá na pintura do cenário, assim como o avião-uso recorrente da artista.
No vt de segunda- feira, tratamos de explicar um pouco a arte dela. Faltou talvez uma contextualização mais apurada. Concordo também que cachorro não precisa ficar em primeiro plano, ao lado dos apresentadores. Isso será corrigido. E, espero , a arte dela será melhor apreciada.
Abraços fraternos
Helio Goldsztejn’
Além de concordar inteiramente com Helio Goldsztejn, acrescento apenas uma sugestão, em nome dos telespectadores menos avisados que sintonizarem o Metrópolis e não entenderem muito a composição inusitada do cenário. A simples inserção de um crédito com os nomes da obra e da autora, na primeira aparição da escultura, dispensaria qualquer outra explicação por parte dos apresentadores do programa.
Estranho pra cachorro
O Metrópolis desta terça, 6 de abril, continha características emblemáticas tanto das qualidades quanto dos riscos da proposta do programa. No que diz respeito às qualidades, vale destacar, em primeiro lugar, a participação de Cunha Jr e sua formidável capacidade de aproximar os telespectadores de temas, assuntos e estéticas mais raras na TV aberta, sem sustos, afetação ou arrogância. No caso, tratava-se de um reencontro do Metrópolis com o artista plástico americano Bob Nugent, providencialmente dublado por Felipe Aaukay, e sua obra atual inspirada na selva amazônica.
Vale destacar, ainda no campo das qualidades rotineiras do Metrópolis, a preocupação da equipe do programa em estar sintonizada com os acontecimentos do dia e, no caso do programa do dia 6, dar conta do impacto da trágica enchente do Rio de Janeiro nos espaços e eventos culturais da cidade – o que incluiu a notícia do adiamento do Viradão Cultural previsto para o próximo fim de semana. E a saborosa antecipação, na forma de rápidos clipes, do eclético e saboroso cardápio de filmes que serão exibidos no Festival Cine-Sesc, incluindo amostras tentadoras de Tarantino, Almodóvar, Sean Peen, Clint Eastwood e Ana Muylaerte, com seu ‘É proibido fumar’.
Na conta dos riscos do programa, é impossível não registrar o colossal ruído de comunicação provocado pela presença, no centro do cenário, sem qualquer explicação – como ocorreu no Metrópolis da véspera, ccom um belo vt sobre a mudança do cenário – da escultura de um cachorro que parece estar derretido ou derretendo. Um ruído que certamente comprometeu o interesse e a atenção de muitos telespectadores pelo conteúdo do programa, o que, afinal, é o que interessa.
Surpreender e intrigar o telespectador de forma criativa, como o próprio Metrópolis já fez em inúmeros momentos, é mais do que legítimo e desejável em uma revista eletrônica diária de arte e entretenimento. Às vezes, porém, o resultado é um tiro pela culatra. Por isso, fica a pergunta: custava dar uma pequena explicação para a presença daquela escultura no cenário?
***
Viva a diferença (6/4/10)
Os problemas eram os de quase sempre, nos documentários estrangeiros exibidos no espaço Especial Cultura: as entrevistas dadas em inglês não estavam dubladas, a narração em português às vezes naufragava no tom burocrático e insosso de um vídeo de treinamento e não havia, infelizmente, nenhuma ancoragem que chamasse a atenção do telespectador de TV aberta brasileira – ou paulista, se queiram – para os múltiplos e atraentes enfoques oferecidos pelo programa.
Ainda assim, o Especial Cultura ‘Bikini Revolution’, transmitido pela emissora na semana passada, tinha um saudável e precioso diferencial: um tema diferente e instigante que, embora não exatamente enquadrado no figurino politicamente correto da emissora, foi tratado de forma inteligente e bem-humorada, servindo tanto ao telespectador que buscava informação cultural de qualidade quanto ao que só queria entretenimento.
A favor de sua exibição, o documentário – um vasto mergulho na história, no simbolismo cultural e no retrospecto dos impactos morais e comportamentais do biquini – tinha uma importante vertente brasileira que incluía uma farta e rica pesquisa de imagens, belos ensaios da Praia de Ipanema e suas desconcertantes freqüentadoras, depoimentos do jornalista João Luiz Albuquerque, da cirurgiã plástica Bárbara Machado e da ex-modelo Luiza Brunet, além de dois momentos marcantes: o depoimento e as imagens da alemã Miriam Etz, a surpreendente pioneira do uso do biquíni nas praias do Brasil e um making of da transformação de um clássico maiô americano em uma típica tanga brasileira, no corpo de uma mesma modelo, sob comando da estilista carioca Lenny Niemeyer.
Na opinião deste ombudsman, seria quase uma grosseria classificar este documentário – ou seu ‘núcleo’ brasileiro – de obra sexista e, portanto, inadequada para exibição em uma emissora pública, ainda que seus momentos de celebração da beleza feminina possam ter incomodado uma parte dos telespectadores tradicionais da TV Cultura. Muito além – ou muito distante – da traumática associação do biquíni e de suas usuárias ao turismo sexual, o documentário faz um denso resgate do contexto histórico e geopolítico que inspirou o nome dessa peça do vestuário feminino, incluindo os registros jornalísticos do momento em que oficiais americanos ‘solicitaram’ aos nativos do Atol de Bikini que deixassem aquele paraíso do Pacífico para que eles detonassem ali 24 bombas atômicas ‘para o bem da humanidade’.
‘Bikini Revolution’ também registra a ironia de as nativas do atol até hoje não poderem usar o biquini, em obediência ao tabu que as proíbe de mostrar a própria pele aos pais, irmãos e tios; resgata a história de Louis Reard, o francês que, muito antes do marketing e seus magos badalados serem conhecidos como tais, batizou a nova peça; lembra a reação bisonha do Vaticano sob Paulo VI e da imprensa conservadora italiana, comparando o biquini ao retorno dos sete cavaleiros do Apocalipse; recorda o banimento da peça nas praias francesas e espanholas, e documenta o histórico ridículo dos guardas do chamado Departamento de Moral Pública da Califórnia, com fitas métricas e carimbos de pele em mãos para medir os limites da ousadia das jovens americanas, antes de autorizar a ida delas para a praia.
Ilustrado com cenas de filmes de várias épocas, o documentário tem ainda ótimas intervenções do ‘biquinólogo’ Judson Rosenbush, dos historiadores de moda Florence Muller e Olivier Saillard, e da diretora do Instituto de Tecnologia da Moda, Valerie Steele. E conta, usando depoimento do compositor Paul Vance, como ‘Biquíni de bolinha amarelinha’ (‘Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polka Dot Bikini’), uma canção ingênua sobre a filha que ficou com vergonha dos amiguinhos ao experimentar um biquini, se tornou, à sua revelia, ‘a história de uma mulher peituda e bunduda’.
A pesquisa audiovisual incluiu ainda Ursula Andrews saindo do mar com um biquíni, no filme de James Bond ‘O satânico Dr. No’ – cena que se tornou uma marco da história da moda – sinais da existência da peça no Século IV e depoimento da militante Evangelina Carrozo, ativista do Greenpeace que invadiu, de biquini, a reunião de chefes de estado em Davos.
Por todas essas qualidades jornalísticas e documentais e, principalmente, pela dupla vocação de conteúdo cultural e de entretenimento, o Especial Cultura que exibiu ‘Bikini Revolution’ bem que poderia servir de inspiração para vôos temáticos menos vetustos e previsíveis dos responsáveis pela programação da emissora.’