Mais de 200 escritores divulgaram, na quinta-feira (6/2), uma carta denunciando o “estrangulamento” causado por controversas leis russas que afetam a liberdade de expressão no país. A mensagem coletiva – parte da campanha mundial da associação de escritores PEN International – condenava abertamente a lei “antigay” (que proíbe a propaganda de “relações não-tradicionais”), a lei da “blasfêmia” (que criminaliza insultos religiosos), e a recriminalização da difamação (a difamação foi descriminalizada, mas voltou a ser considera crime na Rússia).
“Estes três itens, especificamente, colocam os escritores em risco”, dizem os 217 autores. “Não podemos nos calar enquanto vemos nossos companheiros escritores e jornalistas pressionados a permanecer em silêncio, ou correndo o risco de ser processados, ou, mais frequentemente, punidos drasticamente pelo mero ato de comunicar suas ideias”.
Dentre os escritores que assinaram a carta estão Günter Grass, Salman Rushdie, Margaret Atwood e Jonathan Franzen. A lista também inclui autores agraciados pelo Nobel de Literatura – o nigeriano Wole Soyinka, a austríaca Elfriede Jelinek e o turco Orhan Pamuk –, além de outros escritores aclamados em mais de 30 países, incluindo Ariel Dorfman, Carol Ann Duffy, Edward Albee, Julian Barnes, Ian McEwan e Neil Gaiman.
“O estrangulamento da Federação Russa sobre a liberdade de expressão é profundamente preocupante e precisa ser abordado a fim de trazer uma democracia saudável à Rússia", disse Rushdie, romancista vencedor do Prêmio Booker e autor de Os filhos da meia-noite e Versos satânicos.
Gaiman, autor de O oceano no fim do caminho, afirmou: “Acredito que a liberdade de expressão – a liberdade de discurso, a liberdade para escrever, discutir, discordar – é a liberdade mais importante que temos como seres humanos. Odeio vê-la sendo sufocada na Rússia. Espero que o senhor Putin leia a carta aberta, espero que ele modifique sua conduta”.
A romancista contemporânea mais importante da Rússia, Lyudmila Ulitskaya, também endossa a carta. Lyudmila, primeira mulher a vencer a versão russa do Booker, disse que as autoridades locais estavam tentando impor “uma ideologia cultural que, em muitos aspectos, imita o estilo de propaganda da era soviética”.
“Como muitos cidadãos russos, estou profundamente preocupada com as crescentes restrições à liberdade de expressão em meu país, com a legislação em constante expansão e com a burocracia arbitrária que afeta todos os aspectos da vida local”, declarou ela. “Por causa disso, assinei a carta aberta da PEN Internacional às autoridades russas, protestando pela abordagem cada vez mais regressiva à liberdade de expressão.”
“Deixem as crianças em paz”
A carta dos autores foi divulgada quando eram feitos os preparativos finais para a grandiosa cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, que ocorreu nesta sexta-feira (7/2) em um estádio construído especialmente para a competição.
O presidente Vladimir Putin falou dos Jogos como um projeto pessoal para mostrar a grandeza da Rússia ao mundo, bem como sua capacidade de sediar grandes eventos. No entanto, os preparativos para o evento, que reúne atletas e jornalistas de todo o mundo, acabaram estimulando um debate sobre a corrupção e os abusos dos direitos no país.
A lei “antigay”, em particular, tem causado indignação internacional. Putin afirmou, no mês passado, que ela não era discriminatória, mas que “visa proteger as crianças russas em relação a informações perigosas sobre homossexualidade e pedofilia”. Ele declarou que gays são bem-vindos para visitar Sochi, sob a condição de que “deixem as crianças em paz”.
Fim de canal de TV e de agência de notícias
A tensão não é sentida apenas no mundo literário. Na semana passada, o canal de TV Dozhd, única fonte independente de notícias na TV russa, saiu do ar depois que os principais provedores de TV a cabo derrubaram sua transmissão. (A emissora corre o risco de ser fechada. No momento da redação deste texto, o site da TV Dozhd já se encontrava fora do ar). As empresas de TV a cabo admitiram em off que agiram após receber telefonemas do governo.
Outro indício do estrangulamento da mídia russa foi o encerramento da agência estatal de notícias RIA Novosti, que era conhecida por sua cobertura relativamente imparcial dos acontecimentos no país. A agência foi "liquidada" após decreto emitido pelo Kremlin.
Protestos pelo mundo
Esta semana, o grupo de defesa à causa gay All Out organizou protestos em 19 cidades em todo o mundo, e divulgou uma listagem de atletas, incluindo 12 que vão competir nestes Jogos Olímpicos, que incentivam a Rússia a mudar a lei “antigay”.
O Google também aderiu aos protestos, marcando o dia de início dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi com a inclusão da bandeira gay no "doodle", desenho que substitui a logomarca da empresa em sua página de buscas em ocasiões especiais. O Google destacou um trecho da Carta Olímpica, que fala sobre o direito à igualdade sem qualquer tipo de discriminação.
O Comitê Olímpico Internacional solicitou aos atletas que não façam quaisquer declarações consideradas “políticas” durante os Jogos.