O último levantamento sobre as condições de trabalho dos jornalistas nas Américas, feito pela Associação de Imprensa Interamericana (IAPA), mostrou resultados que pendem para o lado positivo da balança. Segundo as estimativas reportadas por Mark Fitzgerald [Editor & Publisher, 1/11/04], ainda existem problemas, mas há esperança para o jornalismo na América Latina.
Um dos fatos mais importantes da última Assembléia Geral Anual da IAPA, ocorrida na Guatemala em 25/10, foi o presidente deste país, Oscar Berger, ter enviado delegados à assembléia e ter cumprimentado os jornalistas José Rubén Zamora e Gonzalo F. Marroquín – que no passado sofreram com a repressão à imprensa guatemalteca – com calorosos abraços. Para Fitzgerald, a cena é uma prova de democratização da região.
Uma declaração feita pela IAPA ao fim da assembléia concluiu que ‘o esforço para a liberdade de imprensa sofreu retrocessos em alguns países do hemisfério durante os seis meses passados, largamente nas mãos de criminosos operando com impunidade, regimes repressivos em Cuba e Venezuela e governos oficiais em busca de legislação restritiva’.
No entanto, a Associação destacou casos como o da Bolívia, onde foi estabelecida por decreto a liberdade de informação e uma lei de transparência do governo que funcionou bem – apesar de algumas restrições, como a mordaça em promotores para não fornecerem informações a respeito de investigações criminais.
Problemas e soluções
O resultado da assembléia e do levantamento da IAPA assegurou conclusões para outros países da América Latina. No caso da Argentina, a Associação vai enviar uma delegação para se encontrar com legisladores e tratar sobre um projeto de lei de liberdade de informação. O futuro encontro, solicitado pelo Senado argentino, servirá também de base para o debate de outros assuntos ligados à liberdade de imprensa, como o processo sofrido pelo jornal Rio Negro por não revelar fontes em suas reportagens investigativas sobre uma fraude bancária.
Quanto ao Brasil, foi ressaltado o assassinato de dois radialistas. Um deles foi José Carlos Araújo, que cobria pesadamente notícias policiais, morto em 27/4 por um assassino que confessou para a policia não gostar de ouvir seu nome no programa. O outro foi Jorge Lourenço dos Santos, assassinado em 11/7; a policia acredita que sua morte pode ter sido encomendada por políticos criticados em seu programa.
Também foi feita uma resolução que pede ao governo para retirar a proposta de lei para formar um Conselho Federal de Jornalismo que visa permitir que apenas os licenciados por ele pudessem exercer a profissão. Segundo a IAPA, ‘a proposta de lei corta pela raiz a liberdade de expressão e, por isso, atinge a democracia’.
No Chile, o editor do jornal El Periodista, que foi invadido e teve computadores com dados financeiros roubados, foi ameaçado de morte. Tais tipos de ameaça também foram muito comuns na Colômbia nos últimos seis meses, onde pelo menos um jornalista foi forçado a deixar o país. Porém, a única pessoa ligada à imprensa que foi assassinada não foi um jornalista, mas um jornaleiro, Jaime Alberto Madero Muñiz, morto a tiros enquanto vendia nas ruas exemplares do jornal local El Informador. Ele havia sido avisado por um integrante paramilitar de direita para não gritar as manchetes do jornal sobre a prisão de seis outras tropas paramilitares.
Em maio, o congresso equatoriano aprovou uma Lei de Transparência e Acesso à Informação que foi aclamada por jornalistas, mas que ainda não foi posta em vigor por causa da hostilidade do presidente Lucio Guitiérrez com relação à imprensa. Em um discurso em 16/7, ele acusou os jornais El Universo e El Comercio, e duas estações de televisão, de mentir e de reportar ‘meias-verdades’. Seu secretário de imprensa ameaçou forçar repórteres a testemunhar sob juramento sobre suas ‘meias-verdades’.
Cuba é o país que causa mais preocupação à IAPA quanto ao impedimento à liberdade de imprensa. O presidente da Associação, Jack Fuller, disse que ‘Cuba é o único país da América onde não existe nenhuma liberdade de imprensa’. Autoridades do país continuam mantendo 32 jornalistas independentes presos sob condições de desnutrição e falta de higiene, e são submetidos a abusos físicos e psicológicos, além de ataques de hostilidade e intimidação, dirigidos também a suas famílias. Entre os prisioneiros está Raúl Rivero, de 27 anos, que foi reeleito para a direção da IAPA na reunião da Guatemala. Ele cumpre sentença de 20 anos de prisão.
Contudo, o país com maior número de jornalista mortos foi o México, que teve três profissionais assassinados só nos últimos seis meses, na fronteira com os EUA. Além disso, jornais mexicanos sofrem intimidações oficiais em alguns estados, como é o caso do Tuxtla Guitiérrez, em Chiapas, que ‘foi perseguido injustamente’, segundo a IAPA, com uma campanha de hostilizações que inclui a prisão de familiares do editor Conrado de la Cruz.
No Paraguai, funcionários do governo estão interferindo na prática livre do jornalismo, tanto abertamente, através do uso da força, quanto indiretamente, por cortes e legislações.Também houve um caso de assassinato de jornalista no país. Samuel Román, um radialista que trabalhava na fronteira com o Brasil, foi morto a tiros por dois homens em uma motocicleta quando estava indo para casa em 21/4.
O assassinato de outro jornalista de rádio, Antonio de la Torre Echeandéa – morto na cidade de Yungay, no Peru, em 14/2 –, foi abafado pela prisão de um suspeito em outubro e por uma ordem de prisão contra o prefeito de Yungay e sua filha. No país, os jornais Correo, La Republica e El Comercio estão, separadamente, sofrendo pesados processos por calúnia e difamação.
A preocupação da IAPA quanto aos EUA diz respeito à forma como o caso Valerie Plame está sendo conduzido pelo juiz Thomas Penfield Jackson e pelo promotor especial Patrick J. Fitzgerald. A IAPA pediu que ‘as autoridades americanas não utilizem a mídia como uma ferramenta para por em vigor suas leis’
Recentes decisões da corte do Uruguai que sustentam a constitucionalidade do chamado ‘direito de resposta’ e sugerem uma maior auto-censura das organizações de mídia tem dificultado a liberdade de imprensa no país. A Suprema Corte ‘fez uma sugestão velada’, segundo a IAPA, ‘avisando que os jornalistas `devem ter cuidado antes de publicar uma notícia ou matéria, para não se exporem à possibilidade de o direito de resposta ser exercido por aqueles indivíduos que se sentirem injuriados´’.
Por fim, a IAPA faz uma resolução direta quanto à Venezuela, afirmando que no país ‘tem prevalecido uma sistemática e ampla política de governo voltada para restringir a liberdade de imprensa e expressão, e penalizar opiniões dissidentes de jornalistas e cidadãos’. Para a Associação, o governo e a Suprema Corte ‘mantêm uma postura desafiadora e insolente’ contra acordos internacionais que proclamam a liberdade de imprensa. O presidente Hugo Chávez costuma usar seus programas de rádio e TV para atacar jornalistas, chamando-os de ‘anti-patriotas’. O ministro da defesa acusa a mídia de ser inimiga do governo e de apoiar paramilitares armados.