Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Estrela Serrano

‘Após três anos de funções, a provedora escreve hoje a sua última coluna. Foi um trabalho, feito com muito gosto e empenho, a pensar nos leitores, cujo interesse pelo jornal constituiu um estímulo permanente. Espero não os ter desiludido e gostaria de ter contribuído para que conheçam, hoje, um pouco melhor, o jornal. Está, todavia, consciente de que a análise do jornalismo, em particular do DN, não se esgota no olhar de uma só pessoa, por mais atenta e conhecedora que ela seja.

A exigência quanto ao seu trabalho era, à partida, grande, não apenas pela qualidade dos seus antecessores mas, também, pelo prestígio do jornal e pela circunstância de o debate sobre os media e o jornalismo ter entrado decisivamente no espaço público, estendendo-se a novos espaços e a novos actores.

Os leitores que acompanharam, com regularidade, o jornal recordar-se-ão que se viveram ao longo destes três anos, no País e no mundo, situações de grande tensão que se reflectiram no jornalismo em geral e, portanto, também no DN, entre os quais o 11 de Setembro, a guerra do Iraque e o processo Casa Pia foram os que mais polémica desencadearam.

Por outro lado, no último ano, o DN foi marcado por uma ‘revolução gráfica’ que procurou dar nova vida às suas páginas e lhe mereceu prémios internacionais. Mas nem sempre foi possível fazer a síntese entre as exigências requeridas pela valorização da imagem, da cor e do ‘movimento’ e o aprofundamento de temas que necessitavam de mais espaço e, algumas vezes, de maior sobriedade na apresentação. Em alguns momentos, o DN mostrou, contudo, que um grafismo atractivo não é incompatível com um conteúdo de qualidade. O caminho para essa síntese não é, todavia, fácil, não estando, ainda, totalmente conseguido. Parece, contudo, ultrapassada a tendência ‘tabloidizante’ que marcou o jornal durante parte destes três anos, a qual provocou enorme perplexidade em muitos leitores.

Ao longo deste período, o DN não deixou, contudo, de seguir algumas das tendências que marcam, negativamente, o jornalismo dos nossos dias. Uma das mais constantes é a utilização de fontes não identificadas na cobertura da actividade política, que não é mais do que uma forma de camuflar a dependência de fontes oficiais. Essa prática, que não é exclusiva do DN, reduz a política à intriga e à luta entre actores sem rosto, descredibilizando a democracia. Viria a estender-se ao campo da justiça, atingindo a sua expressão mais promíscua na cobertura do processo Casa Pia, levando o jornalismo a um grau de instrumentalização sem precedentes. Contudo, esse jornalismo menor conviveu, lado a lado, no DN, com excelentes trabalhos realizados em áreas menos ‘visíveis’ mas não menos importantes. Foi, sobretudo, nos temas da Sociedade, da Cultura e da Ciência que o DN afirmou melhor a capacidade de levar a cabo um jornalismo voltado para os cidadãos, não obstante esses temas nem sempre terem merecido o tempo (de investigação) e o espaço que o seu interesse justificava.

Os jornalistas do DN foram também, a par dos leitores, protagonistas desta coluna. Mantiveram, face às análises, críticas e sugestões da provedora, um distanciamento cordato, com raríssimas excepções. A provedora nem sempre dispôs da sua colaboração na explicação dos casos que eram objecto de análise e crítica. Ultimamente, as respostas foram escasseando até quase desaparecerem. Mas, quando a voz dos jornalistas se fez ouvir foi sempre esclarecedora, não obstante algumas vezes menos convincente, displicente ou arrogante. Raramente os jornalistas do DN e as suas chefias reconheceram que as suas decisões podiam não ser as mais adequadas e, ainda menos, assumiram que tivessem errado. Mas a provedora dispôs sempre de toda a liberdade e autonomia para exercer a sua função crítica.

Um dos aspectos mais negativos da relação entre o jornal e os seus leitores, repetidas vezes anotado nesta coluna, parece ter-se atenuado, se não mesmo desaparecido. Trata-se das Notas de Redacção, que, algumas vezes, acompanharam queixas de leitores publicadas na secção de cartas. Algumas dessas notas revestiram-se de uma arrogância inaceitável, deixando os leitores sem possibilidade de defesa. Ora, pelo menos no tom, isso foi corrigido. Outras cartas que não foram publicadas motivaram queixas frequentes. Os leitores dificilmente aceitaram ser excluídos de um espaço que lhes é destinado sem conhecerem as razões da exclusão. Alguns terão, mesmo, abandonado a leitura do jornal.

Há, hoje, leitores que afirmam encontrar no DN ‘sinais’ de alguma complacência com o actual poder político. Gostariam de ver maior capacidade crítica e menos opinião oficial. Receiam que o jornal se torne cativo de interesses que não sejam a defesa do interesse público.

Sobre isso, a provedora reafirma o que escreveu ao longo destes três anos: a atenção e a crítica permanentes são a maior garantia de que o DN se manterá ao serviço dos leitores, praticando o pluralismo de opiniões e o rigor no tratamento da informação.

Bloco-Notas

EFICÁCIA DO PROVEDOR – A questão da eficácia de cargo de provedor(a) foi, frequentemente, colocada por leitores que, semana a semana, foram verificando que a análise e a crítica feitas nesta coluna não tinham tradução visível no conteúdo do jornal. Embora para muitos desses leitores isso tenha causado alguma frustração, esse aparente alheamento não surpreendeu a provedora. De facto, quando assumiu o cargo estava perfeitamente consciente, pelo conhecimento do meio jornalístico e pelo acompanhamento do trabalho dos seus antecessores, que a autocrítica não é uma característica dos jornalistas. Sabia, igualmente, que apesar do empenho do anterior director, Mário Resendes, na criação e manutenção do cargo, a existência do provedor não recolhia a unanimidade das opiniões no seio da Redacção.

ELEMENTO PERTURBADOR – Visto por alguns como parte da estratégia de credibilização de um jornal, ideia consagrada na célebre expressão de Victoria Camps – ‘A ética vende’ -, o provedor é sentido, muitas vezes, como um elemento de ‘perturbação’. Talvez por isso, o anterior director do DN preferiu assumir, quase sempre, ele próprio, a explicação dos casos analisados pela provedora. Também por isso, ele foi a pessoa mais explicitamente criticada, embora qualquer crítica do conteúdo de um jornal responsabilize sempre, em primeiro lugar, a direcção.

EXPOR E EXPOR-SE – Não é fácil para um jornalista, qualquer que seja a sua posição hierárquica, ver questionadas as suas decisões, quer se trate de uma 1.ª pág. – lugar por excelência da afirmação do ‘poder’ editorial -, quer de um título, imagem ou enquadramento de peças publicadas no interior do jornal. É certo que os jornalistas possuem órgãos internos, entre os quais os conselhos de redacção – primeira instância da auto-regulação -, onde a análise e a crítica do jornal é, ou deve ser, feita. Existem também outras, como as reuniões diárias de editores e outros responsáveis, onde o jornal é analisado e discutido. Trata-se, porém, de instâncias diferentes, na sua natureza e alcance, da função do provedor. De facto, enquanto as primeiras, presididas pelo director do jornal, só muito raramente dão a conhecer publicamente os resultados das suas análises, o provedor expõe (e expõe-se) semanalmente ante o leitor, tornando públicas as apreciações.

OS LEITORES – Mas a sensação que mais permanentemente acompanhou a provedora ao longo destes três anos foi a de que, apesar das sofisticadas técnicas de conhecimento das audiências, os jornalistas ou não conhecem os seus públicos (que não se confundem com as audiências) ou os ignoram. A ideia de que os jornalistas escrevem, sobretudo, para as suas fontes, para os seus pares e para as suas hierarquias continua a revelar-se pertinente.’