Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

FCC pressiona ainda mais por moralidade

Uma série de decisões da Comissão Federal de Comunicações (FCC, sigla em inglês) sinaliza que a TV e o rádio americanos terão de adotar novos padrões de controle da decência de seus programas. Na semana passada, a comissão multou uma rádio integrante da rede Infinity por transmitir o programa do polêmico apresentador Howard Stern. A decisão que mais chamou a atenção, no entanto, foi a de reverter a absolvição da rede NBC pela transmissão da premiação do Globo de Ouro do ano passado, em que o cantor Bono Vox usou uma expressão vulgar. A emissora só não terá de pagar multa porque não havia sido avisada de que a transmissão daquele conteúdo seria passível de punição.

Executivos de televisão ouvidos pelo New York Times [19/3/04] concordam que está claro que, a partir de agora, as regras de decência terão de ser cumpridas com mais rigor. Mesmo porque, as multas para os infratores devem aumentar. Os deputados americanos aprovaram novo teto de US$ 500 mil por infração, até um máximo de US$ 3 milhões. Atualmente, a multa máxima é de US$ 27.500.

A recente discussão em torno dos padrões morais do rádio e da TV foi deflagrada nos EUA pela transmissão da final de futebol americano, o Super Bowl, em que a cantora Janet Jackson mostrou um de seus seios durante um show de intervalo, em rede nacional. Desde então, as emissoras abertas têm estudado a possibilidade de atrasar em algum tempo as transmissões ao vivo, de modo que alguma atitude considerada indevida possa ser cortada. A Clear Channel, maior companhia de rádio dos EUA, prometeu investir mais de US$ 500 mil em equipamentos que permitem gerar atraso.

Mas esse tipo de recurso de censura não é bem visto por parte do público. O Times noticiou no dia 15/3 que a CBS planejava transmitir as fases finais da liga de basquete NCAA com 10 segundos de atraso. Já no dia seguinte à publicação da matéria, a companhia desmentiu essa possibilidade, no mesmo jornal. Em programas gravados, o rigor também aumentou. A Fox contratou novos funcionários para fiscalizar seus reality shows. A CBS chegou a reeditar um episódio da série Without a Trace em que um personagem saía correndo de uma banheira, para evitar complicações com as cenas de nudez.

Alguns críticos não acreditam que esse tipo de controle vá muito longe. Séries de sucesso, como Friends, abusam de expressões de duplo sentido e isso não deve mudar. A TV aberta americana foi se tornando mais ‘indecente’ à medida que era pressionada pela TV a cabo, que não é regulamentada pela FCC.

O fator Howard Stern

A decisão da Clear Channel de suspender o programa de Howard Stern de seis de suas estações pode afetar negativamente a campanha de reeleição de George W. Bush, segundo análise de Ray Richmond [The Hollywood Reporter, 16/3/04]. Ele agora usa esse fato para promover uma campanha contra o governo, que o estaria perseguindo por meio de multas da FCC. Seu público nada desprezível de 8,5 milhões de pessoas seria formado por ouvintes que se mobilizam e seguem o que o apresentador prega.

O curioso é que, há uma década, Stern teria ajudado a eleger alguns candidatos republicanos, como o governador do estado de Nova York, George Pataki, em 1994, e a governadora de Nova Jersey, Christine Todd Whitman, em 1993. Ultimamente, vinha apoiando Bush em muitas de suas decisões, inclusive na de invadir o Iraque. Contudo, depois que a Clear Channel o tirou de suas emissoras por causa das multas da FCC, o apresentador passou a tratar o presidente com expressões como ‘maníaco’ e ‘bastardo arrogante’.

Michael Harrison, editor da revista de rádio Talkers, acredita que Stern pode influenciar os números de uma eventual eleição apertada. ‘Uma geração de americanos cresceu ouvindo-o e agora estão na faixa dos 30 a 40 anos. O que eles têm em comum é que amam Howard Stern. E confiam nele. Quando lhes diz que sejam críticos com relação a Bush, eles ouvem e respondem’.