Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

VENEZUELA
Fabiano Maisonnave

Governo faz acusação a humorista

‘Um artigo do humorista Laureano Márquez em que ele especula sobre como seria a Venezuela sem o presidente Hugo Chávez desatou a ira do governo nacional, que o acusou de ‘fascista’ e o denunciou ao Ministério Público.

No texto, publicado anteontem pelo diário ‘Tal Cual’, Márquez imagina que, no primeiro dia sem ‘Esteban’ (usado na Venezuela como ‘fulano’ ou como uma abreviação de ‘este bandido’), ‘as pessoas realmente não podem acreditar e começam a viver um estado de confusão. Grupos armados pró-governo (anterior) destroem o que havia sobrado do país (o que felizmente era muito pouco)’.

Nos dez anos sem ‘Esteban’, escreve Márquez, ‘se consegue açúcar novamente nos supermercados’ venezuelanos. Vinte anos depois, ‘morre oficialmente [o líder cubano] Fidel Castro, e Raúl [Castro] pede a Esteban que abandone Cuba’.

O texto termina com cem anos sem ‘Esteban’: ‘As pessoas veem com assombro os vídeos de como ele governava o país, de como tratava os cidadãos e seus próprios ministros. Muitos acham que se trata de uma piada do programa de humor mais antigo da televisão venezuelana’.

Em nota divulgada anteontem, o Ministério da Comunicação venezuelano acusa o artigo de Márquez de usar ‘o clássico libreto fascista para derrocar o governo revolucionário’ e de ser ‘um convite a um plano golpista, genocida e terrorista, disfarçado por meio do humor’.

Não é a primeira vez que Márquez é alvo de investida do governo Chávez.

Em 2007, ele e o ‘Tal Cual’ foram condenados pela Justiça venezuelana a pagar uma multa de US$ 18,6 mil. O processo teve início depois de o presidente venezuelano ter reclamado, em comentário na televisão, de um artigo em que o humorista mencionara a sua filha menor de idade.’

 

Luis Pardo Saínz

O orgulho ferido de Chávez

‘QUANDO O presidente Hugo Chávez fechou de forma arbitrária a Rádio Caracas Televisão (RCTV), em maio de 2007, estava enviando uma mensagem inequívoca a todos os meios de comunicação venezuelanos: não há lei nem direitos constitucionais que valham para aqueles que não se subordinam ao discurso oficial.

A lei venezuelana estabelece claramente que, não havendo sentença judicial executada contra um concessionário, este tem direito à renovação automática de sua concessão.

A RCTV, mais antiga televisão venezuelana e líder em audiência, não tinha sentença ou processo aberto contra si. Apenas acusações de ‘golpismo’ proferidas por Chávez, sem fundamento nem prova, que serviram de pretexto para não renovar a concessão da emissora.

Simultaneamente, em uma ação igualmente arbitrária, o governo ocupou militarmente suas unidades transmissoras e se apropriou ilegalmente de suas instalações e equipamentos, o que acontece até hoje.

Minutos depois daquele fatídico 27 de maio de 2007, pelo Canal 2 -que até então e por meio século levava a milhões de venezuelanos a programação da RCTV-, começou a transmitir-se o sinal oficial do governo chavista, anunciado com fanfarra. Porém, para vergonha de seu principal promotor e incentivador, sua audiência nunca superou 2%.

De sua parte, a Rádio Caracas TV, privada de seu direito de seguir transmitindo como televisão aberta, iniciou transmissões por cabo, como canal internacional, gerando um aumento exponencial, sem antecedentes, das conexões domiciliares no país. Com isso, a emissora voltou a ocupar os primeiros lugares da audiência venezuelana.

Toda a verborragia, todos os mitos e os slogans bolivarianos depararam-se contra uma realidade inabalável: os venezuelanos desprezaram o canal oficial e até as populações mais humildes buscaram acesso a conexões a cabo para ver seu canal preferido. (O livre arbítrio de cada indivíduo, chave na construção das sociedades mais desenvolvidas.)

Por isso, era previsível que o orgulho ‘revolucionário’ ferido buscasse uma forma de matar, pela segunda vez e de forma simultânea, um incômodo canal de expressão para seu projeto totalitário e, pela mesma razão, a teimosa capacidade do cidadão de fazer escolhas por si mesmo.

Assim, o governo criou uma nova classificação para os sinais internacionais e locais, à margem da lei vigente, impondo novas regras aos canais de cabo nacionais, como a transmissão das criticadas cadeias obrigatórias às quais diariamente são submetidos os meios de comunicação e os cidadãos venezuelanos.

De nada serviu à RCTV ter adequado imediatamente sua programação para continuar a ser considerada um canal internacional. Sem processo judicial, ordenou-se a retirada do sinal de todas as operadoras de cabo venezuelanas que deixaram de transmitir mensagem em cadeia presidencial.

A nova normativa tem nome e sobrenome evidentes. Esse novo atentado contra a liberdade de expressão se verifica no momento em que se mantêm ameaçadas de cancelamento de concessão centenas de emissoras de rádio por suspeita de irregularidades administrativas, depois de ter fechado 30 delas, e em meio à feroz perseguição contra o canal independente Globovisión e seus executivos.

Tudo isso faz parte do cenário ‘institucional’ no qual Hugo Chávez se prepara para as eleições legislativas de setembro, com sua popularidade despencando pelos estragos de uma administração desastrosa, apesar de sua permanente tentativa de controlar a opinião pública.

A resistência do governo bolivariano em autorizar a visita ao país da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para conhecer in loco as gravíssimas violações à liberdade de expressão e aos direitos fundamentais, amplamente denunciadas na Venezuela, evidencia a falta de vontade para fazer do sistema interamericano um instrumento efetivo de promoção e fortalecimento da democracia.

Esperamos que esse novo golpe à liberdade de expressão, com suas ilegalidades e inconstitucionalidades implícitas, consiga comover os líderes e governos democráticos da região.

LUIS PARDO SAÍNZ, 48, administrador de empresas, é presidente da Associação de Radiodifusores do Chile e da Associação Internacional de Radiodifusão, entidade que representa 17 mil emissoras de rádio e televisão nas Américas, na Ásia e na Europa.’

 

CHINA
Editorial

Censura chinesa

‘UM ENORME mercado consumidor, cujo poder aquisitivo aumenta a taxas inigualáveis no mundo, associado a um Estado centralizador e autoritário. A singularidade de tal combinação, na China, criou um modelo de relação do governo local com investidores estrangeiros também único.

Para ter acesso à demanda chinesa, empresas se curvam ao poder de barganha do Partido Comunista, ainda que isso signifique aceitar regras que em outros países seriam consideradas desvantajosas ou abusivas.

O caso mais notório é o da ferramenta de buscas Google, que ao se instalar no país, em 2006, submeteu-se à determinação de censurar pesquisas sobre temas considerados ‘sensíveis’, como o massacre na praça da Paz Celestial, ocorrido há mais de 20 anos. Também o Yahoo!, um de seus principais concorrentes, já havia sido acusado, anos antes, de permitir o acesso, por parte do governo, a contas de e-mail de dissidentes políticos.

É justamente por fugir à regra que se torna digna de nota a reação do Google à tentativa de ‘hackers’ chineses, há 20 dias, de violar a correspondência de ativistas de direitos humanos do país. A empresa anunciou que poria fim à ‘filtragem’ de temas e se afirma disposta a interromper as atividades no país caso o governo não aceite a decisão.

O embate provocou reação da Casa Branca, que criticou a ‘cibercensura’ do gigante asiático. Em resposta, os chineses argumentam que os EUA também vigiam e controlam informações da rede. Ademais, dizem ter o direito de se defender do ‘imperialismo de informação’ praticado pelos americanos.

Na economia e na política, em resposta a críticas sobre manipulação desleal do câmbio ou à violação de direitos individuais, os chineses usam o mesmo recurso retórico relativista. Afirmam-se iguais ao Ocidente -’também os EUA agem assim’- ou diferentes, negando a existência de valores universais, a depender do interesse e da ocasião.’

 

TELEVISÃO
Cantora de ópera da novela canta mesmo e fará musical de Falabella

‘Quando Ditta, cantora de ópera célebre na ficção em ‘Tempos Modernos’ (Globo), surge interpretando trechos de óperas como ‘Tosca’, de Puccini, a voz que o telespectador ouve é, na verdade, a da própria atriz, Alessandra Maestrini, 32. Ela, que começou a estudar canto lírico aos 15 anos, retomou as aulas em outubro para cantar de verdade na trama.

Mas, antes de isso acontecer, foi nos bastidores de ‘Toma Lá, Dá Cá’, programa de Miguel Falabella em que fazia a diarista Bozena, que Alessandra emplacou outro projeto operístico: no começo de 2011, estrelará, com Mirna Rubim, ‘Ária’, um musical de Falabella.

‘Um dia, após a gravação, fomos à casa do Miguel, que nos mostrou a [soprano coreana vencedora do Grammy] Sumi Jo no YouTube. Quando disse que cantava também, ele achou que era piada, mas, depois de me ouvir, disse que escreveria um musical para mim.’

O projeto está em fase inicial, mas ela adianta que será um musical popular reunindo trechos de grandes óperas, que aparecerão em um contexto diferenciado. ‘Carmen’, de Georges Bizet, ‘La Bohème’, de Giacomo Puccini, e ‘O Morcego’, de Johann Strauss, são algumas das peças que podem participar do espetáculo.

O novo trabalho ficará para depois do final de ‘Tempos Modernos’. ‘É preciso muito cuidado coma saúde e um regime vocal especial para cantar todos os dias, o que eu não conseguiria conciliar com o ritmo das gravações’, conta.

Até lá, Alessandra, que é soprano coloratura, segue com as aulas quando tem tempo e faz regime vocal para se preparar para as cenas. ‘Na novela, posso fazer os papéis que adoro, mas que não são específicos para o meu tipo de voz. Posso forçar um pouco porque, como é só uma vez e não todas as noites, não é tão estressante.’

Musa real X usa virtual

A musa virtual do canal pornô Sexy Hot está de cara nova: Bárbara, que não revela a idade e é formada em jornalismo e administração, agora terá uma nova versão tridimensional (antes, só aparecia em 2D). Outra conhecida da audiência do canal, Carolyne Ferreira, 27, apresentadora do ‘Zona Quente’ por seis anos, está deixando a emissora, que será reformulada, e lançando um livro sobre os bastidores do programa. Mais notícia para quem curte o gênero: a Playboy do Brasil (detentora do Sexy Hot e demais cinco canais pornôs), da qual a Globo é sócia, investirá em DVDs nacionais. ‘Traição’ e ‘Ninfetas X Mulheres Maduras’ foram lançados em janeiro. Este ano, serão 20 títulos.’

 

Rodrigo Russo, Silas Martí e Laura Mattos

Tudo a venda

‘Entre um e outro momento dramático, enquanto a mocinha se recupera de um grave acidente, sobra espaço para dar dicas de maquiagem, indicar cores de batom ou descrever os muitos atributos de um rádio de carro com controle remoto.

Além dos dramas de Alinne Moraes, estão na novela das oito, ‘Viver a Vida’, cosméticos da Natura, telefones Nextel e todos os 11 modelos de carros da Kia, com direito a passeios pela concessionária entre uma cena de choro e outra de briga.

‘Está indo bem demais’, comemora o autor da trama, Manoel Carlos. ‘O merchandising em ‘Viver a Vida’ é um recorde.’

Desde a estreia, há 120 capítulos, a história já teve pelo menos 41 ações publicitárias, entre cenas que descrevem produtos, as que os mostram de relance e outras em que personagens aparecem dirigindo, acionando teclas e se maquiando.

Nos últimos cinco anos, esse tipo de ação em novelas vem turbinando o faturamento da Globo, da Record e do SBT.

Só na Record, o número de profissionais trabalhando com essa tática quintuplicou, e o setor já responde por mais de 16% do faturamento anual da rede. ‘É o produto mais caro que temos na grade’, diz Marcus Vinicius Chisco, diretor de merchandising. ‘Antes eram dois clientes, no máximo cinco ações na temporada, agora temos uma a cada dez capítulos.’

Na Avon, gigante de cosméticos, as ações triplicaram em cinco anos: foram das dez inserções que fizeram na novela das sete ‘A Lua Me Disse’, em 2005, às 30 de ‘Negócio da China’ e ‘Caras & Bocas’, na Globo, e ‘Bela, a Feia’, na Record.

‘Quando tem um lançamento, a gente sempre opta por fazer isso’, diz Mônica Nakamura, diretora de marketing. ‘É uma forma de acessar as mulheres de maneira mais suave, fazer parte do dia a dia delas.’

Mas essa suavidade tem um preço. Enquanto um anúncio de 30 segundos num intervalo da novela das oito, na Globo, custa em média R$ 380 mil, a publicidade dentro do programa chega a sair por R$ 1 milhão. Um conjunto de ações, negociado entre o cliente e a emissora, pode passar de R$ 3 milhões.

E vários desses pacotes podem ser vendidos ao longo da trama, que costuma se estender por 200 capítulos. Considerando um custo de produção de R$ 200 mil por episódio, 40 ações desse tipo são suficientes para bancar toda uma novela.

Segundo publicitários ouvidos pela Folha, o anúncio disfarçado vale a pena. Lica Bueno, diretora de mídia da agência F/ Nazca, aponta três vantagens da estratégia para o anunciante: maior impacto, já que a novela dá mais audiência que o intervalo, a possibilidade de demonstrar o uso do produto e o endosso de celebridades.

Em geral, anunciantes não querem seu creme hidratante associado a um mafioso ou traficante. Preferem mocinhas e mocinhos, nunca vilões. No caso de uma vilã, só uma ‘glamourosa’, como frisa a diretora de marketing da Avon.

Um redator publicitário, que não quis ser identificado, conta que se a vilã for apenas fútil, não há problemas. Grave é quando falhas de caráter a levam a ações mais violentas, como explodir alguns shoppings.

Drible na regra

Esses informes publicitários, velados em forma de diálogos em grande parte insossos, são uma forma de as redes driblarem o limite máximo de 25% do tempo de programação que podem destinar à publicidade, já que o Ministério das Comunicações não conta merchandising como intervalo comercial.

A diferença entre publicidade convencional e a inserida na trama também demanda a atenção dos anunciantes. Ao contrário do spot de 30 segundos, em que controlam de tudo, do roteiro, cenário e escolha de atores à maquiagem e à iluminação, o set da novela é um terreno não tão certo. ‘Merchandising é mais desgastante’, diz a publicitária Lica Bueno. ‘Não tem padrão, o roteiro é feito na emissora, e o resultado requer um ajuste de expectativas.’

Uma cena em que Jorge, personagem de Mateus Solano em ‘Viver a Vida’, descreve em detalhes o rádio de seu carro da Kia não agradou nem ao presidente da marca. ‘Foi um pouco ‘over’, diz José Luiz Gandini. ‘Isso não é bom, pode gerar a rejeição do público.’ A empresa faz ações comerciais em todas as novelas das oito desde ‘A Favorita’ (2008), e inclusive já fechou contrato para a próxima, ‘Passione’, que deve estrear em abril deste ano.

Em tese, anunciantes não podem interferir nas gravações, nem exigir mudanças no roteiro. ‘Em programas de auditório, o anunciante pode ir, mas em novela, depende do quanto está pagando’, diz um redator de merchandising. ‘Se o cara der um caminhão de dinheiro, tudo pode ser negociado.’’

 

Audrey Furlaneto

Relações ‘descartáveis’ são maioria em novelas

‘‘Ela foi casada cinco vezes. Primeiro com um italiano, depois com um português, mais tarde com um judeu, logo após com o mesmo italiano e, em seguida, com um japonês.’

A julgar pela quantidade de casórios da sinopse, Safira, papel de Cláudia Raia em ‘Belíssima’ (2005), está inserida na ‘modernidade líquida’ -ela e boa parte dos personagens de 13 novelas que a Globo exibiu de 2000 a 2008 no horário nobre. É uma das primeiras conclusões do trabalho de doutorado do mestre em educação Marcus Tavares, 35.

Para o estudo, em andamento na PUC-Rio, ele categorizou os relacionamentos dos folhetins seguindo os perfis, como o de Safira, descritos no site Memória Globo (núcleo que pesquisa a história da emissora).

Segundo o ranking, são 32 casos de ‘mais de um casamento ou relação estável’, seguidos por 29 ‘relacionamentos curtos e descartáveis, com filhos fora do casamento’ e 20 histórias de ‘homens ‘conquistadores’ e mulheres ‘fáceis’.

‘Autores [de novelas] estampam a realidade, e o que dizem sociólogos, como [o polonês Zygmunt] Bauman e sua ‘modernidade líquida’, diz o pesquisador. O amor no horário nobre, enfim, é tão fluido quanto fora dele.

A moral dos ídolos

Tavares se refere à formação de um ‘novo indivíduo, dono da sexualidade, destituída da função reprodutiva’. No ranking, há ainda 13 casos de ‘prostituição por prazer ou necessidade’ e, empatados com 11 registros, ‘relações entre membros da família’ e ‘extraconjugais ou estáveis com traição masculina’.

Os números, apresentados no 1º Seminário Internacional de Classificação Indicativa, realizado em Brasília no final de 2009, serão a base para discutir a influência das tramas em crianças. ‘O que se sabe em educação é que os modelos influenciam. Os ídolos são muito importantes’, diz Tavares.

‘Não estou sendo conservador ou defendendo a família tradicional. Mas precisamos saber de que forma a escola trabalha questões amorosas atuais que são reforçadas pela mídia’.

Para Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP, ‘é importante não ter uma atitude moralista ou algum juízo de valor’ nas categorias do estudo. ‘Não sei se cabe o termo ‘descartável’ para uma relação, apenas pelo fato de ela durar pouco’, diz.

O fato de retratar a relação entre tradição e modernidade, segundo Lopes, liga as telenovelas à história do país:

‘Desde que o gênero se abrasileirou, com ‘Beto Rockfeller’, [de 1968, na TV Tupi] que era um malandro brasileiro, a novela passa a fazer parte da modernização do Brasil’. E, atualmente, diz, ‘o fluido é a própria condição da modernidade’.

Com 23 novelas no currículo (17 delas na Globo), o autor Lauro César Muniz defende que, além de atuar na modernidade, a dramaturgia ajuda a ‘organizar as relações’.

‘Os relacionamentos passaram a ser mais rápidos, e a TV tem a função positiva de organizar isso. Como a dramaturgia é orgânica e precisa se comunicar, tenta organizar isso de forma clara’.

Para Muniz, ‘as crianças não sofrem tanto [os efeitos das novelas] quanto dizem os moralistas’. ‘Elas estão inseridas na realidade. É como receber lições sem palavras de ordem.’’

 

Economista vê aumento de divórcios

‘As novelas brasileiras refletem um segmento específico da sociedade: setores urbanos, de classe média ou alta, independentes e emancipados. É a conclusão do economista peruano Alberto Chong, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Coordenador de dois estudos sobre as novelas brasileiras -um focado em taxas de fertilidade e outro, em índices de divórcio-, Chong e equipe analisaram 115 novelas exibidas pela Globo às 19h e às 20h, entre 1965 e 1999.

As taxas de fertilidade (número de nascidos vivos por mulher em idade reprodutiva) caíram 60% no período, enquanto os divórcios aumentaram mais de cinco vezes desde a década de 80. Nos mesmos anos, a presença dos aparelhos de TV nos domicílios aumentou em mais de dez vezes.

‘Nossos resultados indicam que, mesmo levando-se em conta outros fatores ligados a desenvolvimento [do país] e similares, ainda notamos um impacto significativo das novelas em longo prazo’, diz Chong.

Áreas com e sem sinal da Globo, por exemplo, têm diferenças consideradas significativas pelo economista. Caiu 0,6 ponto percentual a taxa de fertilidade em regiões que recebiam as novelas da emissora.

O contrário ocorre com o divórcio: é maior (de 0,1 a 0,2 ponto percentual) a porcentagem de mulheres separadas ou divorciadas de 15 a 49 anos em áreas de alcance do sinal.

Nas novelas, segundo o estudo, 26% das personagens principais eram infiéis.’

 

Laura Mattos, Rodrigo Russo e Silas Martí

‘Novela é uma coisa que é para vender mesmo’

‘Quem assiste em casa pode não gostar, mas nem os autores das novelas reclamam das inserções publicitárias em suas tramas. Longe de qualquer purismo, roteiristas do primeiro escalão no país defendem o merchandising -que engorda salários e financia uma série de extravagâncias em cena.

Em ‘Terra Nostra’, de 1999, Benedito Ruy Barbosa conseguiu um transatlântico navegando em alto mar com 400 figurantes a bordo. Sílvio de Abreu fez explodir um shopping. Lauro César Muniz se orgulha até hoje de ter feito a única novela da dramaturgia brasileira inteira fora de estúdios.

‘Vamos ser francos, a gente faz uma coisa que se chama ‘soap opera’, é para vender mesmo’, diz Duca Rachid, coautora de ‘Cama de Gato’, atual novela das seis da Globo. ‘Não pode ser grosseiro, mas é um produto, é interessante que dê lucro para todo mundo.’

Tão interessante que ela conseguiu encaixar ações publicitárias mesmo em novelas de época. No remake de ‘O Profeta’, de 2006, novela de Ivani Ribeiro que reescreveu, transpondo a ação para os anos 50, Rachid encaixou anúncios disfarçados do sabão em pó Omo.

‘Um dos personagens tinha um programa de TV, e o Omo era patrocinador desse programa’, lembra a autora. ‘A gente colocou num dos capítulos um comercial de época da marca.’

‘Soap opera’

Não por acaso, o termo inglês ‘soap opera’, usado para designar telenovelas, vem do fato de os primeiros folhetins serem patrocinados quase na íntegra por produtos domésticos.

Longe da esfera do lar, Benedito Ruy Barbosa vendeu carros em ‘Renascer’, de 1993, e até vacina para febre aftosa, tratores e agrotóxicos em seu épico ‘Pantanal’, há 20 anos.

‘Aquilo causou um frisson danado’, lembra Barbosa. ‘Na novela, o personagem comprava um aparelho de TV e precisava de uma parabólica. Foi um caso fantástico, porque mostramos a instalação da antena.’

Tinha jabá até no barco que subia e descia o rio em que Juma e Juventino tomavam banho pelados. ‘Teve muita propaganda naquela chalana, que trazia mercadorias para o povo ribeirinho’, conta Barbosa. ‘Isso não agride, não acho bom quando o merchandising entra muito forte, violentando toda a história, o autor, o elenco.’

‘Augusto Merchan’

Lauro César Muniz fez uma novela inteira, ‘Rosa Baiana’, de 1981, bancada pela Petrobras. ‘Foi uma experiência fantástica e épica’, lembra. ‘Visitei áreas de exploração na Amazônia e passei dias hospedado numa plataforma marítima.’

Na Record, Muniz voltou à carga criando um personagem só para ações do tipo em ‘Cidadão Brasileiro’, de 2006. Na trama, um ator sozinho protagonizou 21 ações integradas de marketing em prol da Fundação Bradesco. ‘Eles me chamavam de ‘Merchan’, lembra Juliano Righetto, que encarnou o homem da propaganda. ‘O nome do personagem era Augusto Varela, mas virou Augusto ‘Merchan’.’’

 

Sandro Macedo

Mundial impulsiona futebol em 3D na TV

‘Se a consagração do filme ‘Avatar’, de James Cameron, como maior bilheteria mundial da história já comprovou que o público adotou o 3D como um novo jeito de ver cinema, agora começa a chegar a vez da nova tecnologia alterar a maneira de assistir a eventos esportivos.

Hoje à tarde, em pubs de Londres, Manchester, Cardiff, Edimburgo e Dublin, algumas centenas de torcedores afortunados poderão acompanhar os lances do clássico entre Arsenal e Manchester United em três dimensões. Será a primeira transmissão mundial ao vivo de uma partida em 3D. E foi justamente o diretor James Cameron quem deu suporte aos técnicos britânicos na realização.

‘A passagem da transmissão em preto e branco para colorida foi um dos grandes momentos da televisão. Com o 3D, traremos uma profundidade que não se obtém com os meios tradicionais. É preciso ver para crer’, diz Darren Long, diretor de operações da Sky Sports.

A emissora inglesa, responsável pela exibição do clássico, pretende ampliar as transmissões com a tecnologia até abril. Além da Premier League, rúgbi e golfe são os alvos.

Nos EUA, a ESPN planeja a inauguração de um canal inteiramente em 3D. E a data para a estreia não poderia ser mais auspiciosa: 11 de junho, dia da abertura da Copa da África do Sul, quando será exibida, em três dimensões, a partida entre África do Sul e México.

Durante a Copa, a emissora fará a captação e transmissão de outros 24 jogos em três dimensões. Para preencher a programação, seu canal 3D terá partidas da NBA (liga profissional de basquete) e eventos do X-Games (esportes radicais), além de jogos de basquete e futebol americano universitários.

Não é de hoje que a emissora capta eventos esportivos com a nova tecnologia. ‘Estamos testando o 3D há mais de dois anos’, conta André Quadra, diretor de marketing da ESPN no Brasil. Em setembro do ano passado, a emissora captou um jogo de futebol americano entre as universidades de Califórnia e Ohio. O resultado foi exibido com sucesso no campus da universidade californiana e em cinemas de três Estados.

No Brasil, eventos esportivos nunca foram filmados em 3D.

Mais do que captação, falta ainda no Brasil a TV propriamente dita, que, como nos cinemas, necessita de um óculos especial para dar o efeito de profundidade característico do 3D.

Após demonstrações neste mês na feira mundial de eletrônicos em Las Vegas, grandes fabricantes começarão a vender os aparelhos em abril, mas só nos EUA, na Europa e no Japão. A Panasonic deve ser a primeira a comercializar TVs 3D -ainda não há preço definido.

‘Temos esperanças de começar a vender aqui neste ano’, estima Lúcio Pereira, gerente de comunicação e propaganda da Sony. A Samsung também planeja introduzir modelos no mercado brasileiro em 2010.

Se as emissoras precisam dos aparelhos nas lojas para investir na captação, fabricantes reclamam justamente da falta de conteúdo no Brasil para lançar as TVs no mercado.

‘Não é interessante oferecer um equipamento sem que o consumidor possa desfrutar deste diferencial. O conteúdo será preponderante para o lançamento das TVs no Brasil’, argumenta Daniel Kawano, analista de produto da Panasonic.’

 

Lúcia Valentim Rodrigues

Atriz deixa de ser ‘boazinha sofredora’

‘A atriz Fernanda Vasconcellos, 25, tem de correr. Correr para malhar. Correr para gravar todas as cenas do dia. Correr para acertar o ritmo de ‘Tempos Modernos’, novela das sete da Globo que patina nos 24 pontos na Grande SP.

Após viver duas ‘boazinhas sofredoras’, em ‘Páginas da Vida’ (2006) e ‘Desejo Proibido’ (2007), ela vai deixar a tristeza de lado e ser feliz. ‘A vida deu mais oportunidades para Nelinha. Ela tem angústias e reflexões, mas joga tudo para cima, é bem-humorada e descolada’, conta, por telefone, do Rio.

Fernanda explica que cada horário de dramaturgia tem suas peculiaridades. ‘O tempo muda. A novela das sete tem um ritmo mais ágil. Explora também a leveza da comédia.’

Por isso ela teve de se adaptar e deixar de lado o modo de sentar e a delicadeza da novela de época. Seu papel anterior, em ‘Desejo Proibido’, era a protagonista da novela das seis.

‘Além disso, tive de fazer aula de rapel, e morro de medo de altura. Também fiz aula de expressão corporal, para dar uma agilidade maior ao corpo.’

Para ela, o lado aventureiro da filha de Antonio Fagundes foi o mais difícil de construir. ‘Mas, se está fácil, tem algo errado. É igual a aprender a dirigir. Quando você acha que está sabendo muito, bate o carro ou rala a lateral na parede. A insatisfação faz a gente encontrar o caminho da personagem.’

Ela diz que fez a escalada para entender por que Nelinha gostava tanto daquilo. ‘A liberdade tem tudo a ver com ela. Ela é solta. Essa experiência me deu algo valioso para descobrir quem era ela. E não arrancou nenhum pedaço meu’, ri.

Pela terceira vez, ela faz par romântico com Thiago Rodrigues. Aqui, ele vive Zeca, com quem ela troca farpas e amores. ‘É a parte poética da novela.’

Para ela, a intimidade é positiva. ‘Podemos dizer que não estamos bem e não encher o saco. É tranquilo’, diz. O difícil é se reinventar. ‘Quando vem alguém novo, muda a energia. Mas fazia tempo que a gente não se encontrava e cada um veio de uma experiência diferente. O Thiago está casado, com filho. Estamos mudados. A menor preocupação é que esteja igual a algo que já fizemos.’

O diretor José Luiz Villamarim diz que o histórico dos dois só ajudou: ‘Eles já tinham provado que têm muita química’.

Entre os fãs, a resposta tem sido boa. ‘As duas últimas personagens que fiz eram dramáticas, de cortar os pulsos. Os fãs falavam que choravam muito comigo. Agora dão risada e me dizem que a Nelinha é danada’, conta, definindo a personagem como ‘autêntica e mais antenada com a mulher de hoje’.

O ibope não tem acompanhado os índices da antecessora, ‘Caras & Bocas’. Fernanda tem uma explicação: ‘É normal que o público tenha um tempo de luto pela novela que acabou. São muitos fatores envolvidos no ibope. Independente da audiência, ralo pelo melhor’.

Na trama, a mãe de Zeca inventa que o adotou, mas é mentira. O autor, Bosco Brasil, não revela como vai desenrolar essa união. Nem para Fernanda. Mas ela tem um novo problema a resolver: Priscila Fantin, a noiva de Zeca, que chega de viagem. ‘Vai ter muito ciúme. As brigas são engraçadíssimas, cheias de bate-boca. Elas se xingam de gorda, de cara redonda. A novela é muito vista por crianças, então não há rancor.’ Priscila e Fernanda gordas? Só em novela mesmo.’

 

Autor elogia ‘garra da juventude’

‘Fernanda Vasconcellos fez o teste para Cornélia Cordeiro, filha de Leal (Antonio Fagundes), e surpreendeu José Luiz Villamarim, diretor-geral de ‘Tempos Modernos’. ‘Logo vi que ela tinha a mesma temperatura da personagem. Fernanda é sanguínea como Nelinha.’

O autor, Bosco Brasil, diz que ‘não imagina Nelinha sem Fernanda’: ‘Acho que a atriz não se deixa subjugar por seu carisma e por sua beleza. Tem a garra da juventude aliada ao poder de entrega e concentração’.

Ele não adianta nada sobre o enredo. Conta apenas que o casal formado por Zeca e Nelinha ‘terá muitos altos e baixos’. ‘De bom coração, Nelinha é impaciente com o preconceito e a preguiça de pensar de certas pessoas. É um de seus poucos defeitos, mas que pode ser fatal. O problema é que não recua jamais, mesmo tendo consciência disso.’’

 

Luciana Coelho

‘Damages’ se destaca pelo toque de realidade

‘Se a advogada Patty Hewes subisse em um ringue com a marquesa de Merteuil de ‘Ligações Perigosas’ (1987) e a Alex Forrest de ‘Atração Fatal’ (1988), ela provavelmente daria uma sova nas duas. Ou pagaria alguém para dar. Bem dada.

Calculista como a primeira e determinada como a segunda, a personagem que Glenn Close criou para a série ‘Damages’ (cuja terceira temporada estreou nos EUA) é tão boa (e tão má) quanto seus alter-egos cinematográficos mais famosos.

É sobre os seus ombros impecavelmente vestidos que se ampara metade da graça desta série que, só por dissolver o maniqueísmo corrente em um gênero tão puído, já mereceria ser tirada da vala comum.

A outra metade poderia vir do elenco muito acima da média, do roteiro sofisticado ou da direção de fotografia e edição afiadas. Mas isso outras séries também têm. O que ‘Damages’ tem de diferente é o verniz de verossimilhança roubado do noticiário (além dos flashbacks/forwards compulsivos que remetem a uma Patty recém-saída de um acidente prestando contas à polícia).

Na terceira temporada, que estreou nos EUA na última segunda, o serviço sujo cabe a um personagem inspirado em Bernie Madoff, o trambiqueiro VIP que foi parar na cadeia em 2009 após fazer pessoas perderem bilhões em seu falso fundo de investimentos.

Poucos vilões fictícios fariam melhor, e o fato de o estelionatário ser da vida real faz acreditar que os demais personagens também poderiam ser.

Em ‘Damages’, Madoff se chama Louis Tobin (Len Cariou) e já está preso. Cabe a Patty saber até que ponto a família do milionário tinha conhecimento do esquema.

Lily Tomlin, como a mulher de Tobin, mostrou, no primeiro episódio, ‘punch’ e ‘timing’ para encarar a protagonista. Campbell Scott, como o filho à primeira vista contido que é obrigado a lidar com a raiva do público, também deu a entender que tem camadas a revelar. Martin Short, como o advogado da família, arremata com a dose de humor negro.

O único problema dos personagens da temporada é que eles podem obscurecer o elenco regular da série. A Ellen Parsons de Rose Byrne terá de endurecer muito mais se quiser entrar na briga. O AXN, que exibe a série no Brasil, não tem previsão de estreia da temporada.’

 

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