Um fotógrafo freelancer a serviço do New York Post estava, por acaso, na estação de metrô da rua 49 de Nova York, na segunda-feira (3/12), quando Ki Suk Han, morador do Queens, de 58 anos, foi subitamente empurrado para os trilhos. O fotógrafo R. Umar Abbasi tirou pelo menos duas fotos de Han antes de ele ser atropelado pelo trem. O suspeito de ter empurrado Han foi detido dois dias depois para ser interrogado pela polícia.
Uma das assustadoras fotos que Abbasi tirou ocupou a primeira página do Post da manhã de terça-feira (4/12), com a manchete escabrosa “Este homem está prestes a morrer”, provocando a indignação de leitores que se perguntam por que o fotógrafo não ajudou Han ao invés de capturar o momento para a posteridade. Abbasi alega que usou o flash da câmera para alertar o condutor do trem, sugerindo, possivelmente, que as fotos não eram previstas. “Foi tudo tão rápido”, disse ele. O New York Post defende o fotógrafo dizendo que ele não teria força para retirar Han dos trilhos.
Entretanto, o que permanece em discussão para muitos é se foi adequado o jornal estampar em sua primeira página a foto angustiante de um homem prestes a morrer. No Twitter, pipocaram insultos e acusações. “A primeira página do New York Post é revoltante”, escreveu pelo Twitter o editor de esportes do The Guardian, Ian Prior. “Imaginem como se sente a família deste homem.” “O @nypost e o funcionário que decidiu colocar na primeira página o homem prestes a ser morto por um trem são ambos lixos”, disse o produtor Lee Gerowitz, do locutor Howard Stern. “Ignóbil.”
Eventualmente, uma questão de ética jornalística mobiliza o público e foi o que aconteceu com a morte, brutalmente documentada, de Han. Eis aqui algumas pistas do porquê, na avaliação de David Carr [New York Times, 5/12/12].
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O tratamento que o New York Post deu, por inteiro, à sua primeira página, incorpora tudo aquilo que as pessoas odeiam e de que suspeitam sobre o jornalismo: os jornalistas não só são transeuntes – eunucos morais e éticos que não intervêm numa situação de perigo ou de desgraça – como talvez apoiem secretamente sua consumação.
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A foto implica-nos todos, e não apenas o homem que a tirou. A cobertura subsequente falava de como a imagem era “realista”, mas não há nada de realista sobre ela. Fotografias de mortos são realistas, mas são de pessoas do outro lado, para além de qualquer esperança. Na foto em questão, não há sangue, não há matança, apenas uma pessoa que está condenada, mas que ainda está entre nós. (Por esse mesmo motivo, as fotografias das pessoas que pularam durante o ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 são consideradas de mau gosto.) O cenário de um homem sozinho numa plataforma numa das cidades mais populosas do mundo é um lembrete de que quando acontecem fatos ruins, frequentemente estamos muito sós. O fotógrafo não baixou a câmera nem tentou intervir, mas também ninguém na plataforma pôs seus medos de lado e resolveu agir. E essa indiferença em relação à desgraça e ao perigo dos outros não é restrita àquela plataforma, ou a esta cidade, ou a este país. É abrangente e endêmica, algo ruim sobre boa parte do mundo.
A vítima foi atropelada duas vezes
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O medo evocado pela foto é original, aquela coisa dos contos de fadas revoltantes. Os nova-iorquinos o veem de maneira pessoal. Os trens do metrô são aspectos da vida quotidiana, mas com o fechamento das portas e a velocidade dos trens, as plataformas também são caixas de morte em potencial. “Aquele sem-teto assustador quer que eu lhe dê um trocado ou quer me empurrar da plataforma?” De uma maneira geral, no mundo lá fora, os espaços públicos tornaram-se tensos. Salas de cinema, escritórios e campi universitários são áreas comuns que podem tornar-se, e tornam-se, cenários de crimes por atacado.
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A imagem é uma espécie meio para autoanálise. Esqueça o que o fotógrafo fez. O que faríamos nós? Naquele súbito momento, nossos impulsos básicos emergem. Fotógrafos tiram fotos, heróis fazem declarações e, entre nós, a maioria tem medo. Não somos soldados, de quem se espera que se envolvam em atos desinteressados que superam os instintos de sobrevivência. Somos civis e, se formos chamados ao dever, quais de nós aceitarão? No caso do massacre em Aurora, no Colorado, algumas pessoas morreram protegendo outras. E é bastante provável que outras tenham aberto caminho por cima de outras mais baixas e mais lentas para fugir. O outro motivo é que as pessoas não resistem a olhar (e quando veem, preferem não ter visto). De uma maneira ou de outra, aquele trem vem para nós todos.
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Os valores dos tabloides que se destacam na existência da mídia moderna quando uma celebridade, ou um ricaço, é flagrado com a boca na botija funcionam, mas não tanto quando a morte é iminente. Carr acredita que havia muitas outras imagens que poderiam ser escolhidas. Em vez disso, o New York Post espremeu a morte de uma pessoa para conseguir o máximo efeito comercial, com uma foto de página inteira da impotência congelada, repleta de setinhas que ajudam a perceber a trajetória do trem e, na internet, um vídeo sobre a experiência do fotógrafo que era uma espécie de desconstrução em câmera lenta. A boa orientação cívica servida pela matéria – tenha cuidado na plataforma do metrô – poderia ter sido despenhada de maneiras bastante mais éticas. Ele acabou sendo atropelado duas vezes.
Novos limites
Nem sempre é simples. Quando um colega do Times pulou do antigo edifício em 2002, o New York Post publicou a foto do edifício com uma linha, pontilhada, mostrando a trajetória da descida do corpo. As pessoas no jornal ficaram horrorizadas e Carr ficou em minoria. O suicídio fora um ato público e aparentemente ele queria mandar um recado e o New York Post servia como simples canal. Quando o New York Times foi duramente criticado, em agosto, por ter publicado em seu website uma foto extremamente realista do tiroteio no edifício Empire State, na hora, Carr achou que era o certo. A vítima não era identificável e o sangue que escorria dele lembrava que, ao contrário do que se vê na televisão, um crime com uma arma de fogo é extremamente violento. Mas sua família ficou transtornada e ele ficou pensando como se sentiria se o conhecesse.
Em pouco tempo, novos limites serão testados. Numa época em que a maioria das pessoas tem uma câmera na mão ou no bolso, chacinas serão imortalizadas em vídeos de celulares e as câmeras de segurança onipresentes irão fornecer novos horrores. “Gostaria de pensar que o direito das pessoas à informação será estimulado pelo direito das pessoas a viverem num mundo onde a destruição não seja uma commodity”, concluiu Carr. Com informações de Neetzan Zimmerman [Gawker, 4/12/12].