Os sete repórteres que viajaram com Dick Cheney no vôo do Afeganistão para Omã na quarta-feira (28/2) já estavam irritados com o pouco acesso ao vice-presidente americano – apenas 20 minutos em nove dias – quando viram que poderiam finalmente entrevistá-lo. Mas os jornalistas foram rapidamente surpreendidos pelas regras impostas por Cheney: ele falaria sobre os encontros com os presidentes do Paquistão e Afeganistão, mas teria que ser identificado como ‘funcionário sênior do governo’. Diante de uma platéia de atentos profissionais de imprensa, entretanto, qualquer deslize seria um problema, e assim foi. A identidade do entrevistado secreto, obviamente, não ficou em segredo por muito tempo.
Ao fazer considerações sobre suas conversas com o líder paquistanês Pervez Musharraf, Cheney deu alguns pitacos no trabalho dos jornalistas. ‘Já vi muitos artigos que dizem que Cheney viajou para ameaçar alguém, ou algo do tipo. Não é o modo como eu trabalho. Eu não sei quem escreve isto, ou talvez seja alguém que tenha uma fonte que não saiba o que eu faço. Mas a idéia de que eu viajo e ameaço alguém é uma interpretação inválida da maneira como eu negocio‘, atrapalhou-se, fazendo citações em primeira pessoa. ‘Eu também fui muito cuidadoso em escolher as palavras para criticar a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a respeito da estratégia no Iraque’, completou.
Jogo consentido
Os jornalistas não revelaram o nome do misterioso funcionário governamental, mas transcreveram as afirmações dadas por ele. O absurdo da situação levou críticos de mídia e do governo a questionar a razão para o vice-presidente sentir necessidade de falar sem ser identificado e o motivo que levou os jornalistas presentes a concordar com a ‘armação’. Segundo a correspondente da Newsweek Holly Bailey, uma das repórteres no avião, ‘o funcionário do governo’ falou muito rapidamente as regras da entrevista, não dando aos jornalistas a chance de questioná-lo sobre elas. Alguns repórteres ainda teriam pressionado o vice-presidente para que ele desse uma entrevista on-the-record, identificando-se como tal. Mas Cheney só concordou em ser identificado na parte em que discutiu o atentado suicida na base aérea de Bagram, no Afeganistão, que aconteceu enquanto ele visitava o país.
Lee Anne McBride, secretária de comunicação de Cheney, não pôde confirmar o óbvio, mas afirmou que esta foi a maneira encontrada para fornecer ao público e à imprensa informações mais claras sobre os encontros do vice-presidente durante sua viagem. Por razões diplomáticas, Cheney não poderia discutir publicamente conversas particulares com Musharraf, do Paquistão, e Hamid Karzai, do Afeganistão.
Fontes confidenciais
As relações do governo americano com a imprensa podem ser classificadas como, no mínimo, confusas. A estranha entrevista de Cheney ocorre no mesmo período em que um júri federal analisa as acusações contra I. Lewis ‘Scooter’ Libby, ex-chefe de gabinete do vice-presidente, no caso Valerie Plame. A polêmica investigação – que já levou até jornalista à cadeia – tenta descobrir que personagem governamental vazou a identidade da agente da CIA à imprensa.
Libby, em julgamento sob acusações de perjúrio e obstrução à justiça, declarou que o vice-presidente o havia instruído a conduzir conversas de background – nas quais são feitas citações diretas e as informações devem ser atribuídas a ‘fontes oficiais’ – com Judith Miller, a então repórter do New York Times que passou 85 dias presa em 2005 por se recusar a identificar sua fonte confidencial. Informações de Howard Kurtz [Washington Post, 1/3/07].