‘O ataque do vírus mydoom (meu Juízo Final) revelou o vigor na internet de duas posições políticas autoritárias: o ‘bushismo’ high-tech e a tecnotirania dos desenvolvedores de pragas virtuais que atacam computadores pessoais e de empresas.
Apesar de terem se tornado comuns e daninhos com popularização do uso da internet, os vírus são frutos de investigações realizadas nos anos 60 no campo da inteligência artificial, com o objetivo de desenvolver sistemas capazes de se reproduzir a partir de instruções matemáticas.
A expressão ‘vírus de computador’ apareceu pela primeira vez em 1984 em um estudo científico de Fred Cohen, da Universidade de New Haven, que abordava programas de computador que se propagavam autonomamente, bem como modos de contê-los. Dois anos depois, já aparecia o primeiro programa virótico com finalidades destrutivas, o brain.
Só quando a internet deixou de ser exclusividade governamental e das universidades e passou a mediar nosso cotidiano foi que os vírus se tornaram um problema socioeconômico. Em 2001, o iloveyou se tornou a primeira grande epidemia. Existem hoje 22.555 espécies de praga virtual cadastradas na ‘Virus Encyclopedia’.
Os vírus de computador são basicamente de três tipos: destrutivos (apagam arquivos do computador, por exemplo), invasivos (servem para roubar senhas, número de cartão de crédito etc.) ou de combate (são elaborados para atacar uma determinada empresa, por exemplo).
O mydoom é da terceira espécie. Detectado na segunda-feira, dia 26, já havia infectado cerca de 500 mil computadores em 200 países na quinta-feira, de acordo com a empresa de segurança F-Secure. Até sexta-feira, teria provocado prejuízos de US$ 22 bilhões, ficando atrás apenas do sobig, que, no ano passado, gerou perdas de US$ 37 bilhões.
Até o fechamento desta edição, não se sabia ainda quem era a pessoa ou o grupo que desenvolveu o mydoom. Algumas pistas não confirmadas indicam que ele pode ter sido disparado da Rússia.
Mas o objetivo do ataque foi descoberto por empresas de segurança logo no primeiro dia. Seria o de inviabilizar o acesso ao site de duas empresas, a SCO, que desenvolve produtos e serviços tecnológicos, e a Microsoft. Para tanto, os vírus usariam como arma de ataque a massa de computadores particulares contaminados.
A notícia sobre a identificação do vírus na última segunda-feira veio acompanhada de manchetes bombásticas na terça-feira, especulando que o mydoom poderia ser obra do ‘mundo Linux’. O Linux é um sistema operacional distribuído gratuitamente e de código aberto (que pode ser modificado pelos seus usuários e por isso tem várias versões).
A hipótese da conspiração seria plausível pelo fato de a SCO estar movendo processos judiciais, desde maio de 2003, contra a empresa Linux, alegando que algumas das versões do sistema estariam usando linhas de programação de sua propriedade.
Ela foi amplamente calibrada por reportagens que replicaram uma declaração de Chris Belthoff, analista sênior de segurança da Sophos, uma empresa de antivírus, em que ele dizia que o autor do mydoom seria um ‘simpatizante do código aberto’.
A declaração reflete um tipo de conservadorismo que vem sendo chamado de ‘bushismo’ (de George W. Bush), prática político-econômica que se funda na confrontação e no extermínio de seus antagonistas ideológicos.
Uma carta enviada a 535 deputados e senadores americanos antes do aparecimento do vírus e assinada pelo presidente da SCO, Darl McBride, é esclarecedora sobre os fundamentos ideológicos que sustentam a hipótese da conspiração. Nela McBride argumenta que os programas de código aberto, entre os quais o mais usado é o Linux, ameaçam a segurança nacional e a competitividade dos EUA na economia globalizada.
Essas considerações, no entanto, estão longe de justificar ou minimizar os danos provocados pelo mydoom. É inconsistente a hipótese de que o vírus seja uma obra do ‘mundo Linux’ contra seus antagonistas. Menos consistente ainda é a hipótese que relativiza a violência dos criadores desse vírus, lembrando que ele atinge ‘apenas’ os computadores que utilizam Windows (a maioria no mundo todo) e que, portanto, a culpa seria da Microsoft por esta construir sistemas vulneráveis.
Essa atitude, além de comprometer os que apoiam o uso e o desenvolvimento de programas livres, é inconseqüente porque encobre a mais desconcertante faceta da produção de vírus de computador: a violência social de seu autoritarismo. A estratégia do ataque do mydoom leva todos aqueles computadores que foram por ele contaminados, ao se conectarem à internet, a acessarem automaticamente sites dos seus alvos (SCO e Microsoft). Isso sobrecarregaria de tal maneira os computadores dessas empresas, que eles ficariam ‘travados’, impossibilitados de atender à enorme quantidade de solicitações.
Em termos técnicos, esse tipo de ataque que ‘derruba’ um site se chama de tipo DoS (negação de serviço, em inglês). Em termos políticos, denota a emergência de uma tecnotirania que se impõe pela transformação dos internautas em soldados involuntários de um exército global que ataca sem saber a quem, quando e por quê. (Giselle Beiguelman é professora do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP e autora de ‘O Livro Depois do Livro’.)’
Nelson Vasconcelos
‘Novo vírus ataca serviço de correio eletrônico’, copyright O Globo, 28/01/01
‘Mais uma praga ataca a internet. Chama-se MyDoom e já mostrou rápida velocidade de disseminação pela rede, via mensagens eletrônicas. Segundo empresas especializadas em segurança digital, o MyDoom atacou pelo menos um em cada nove e-mails enviados desde a noite de segunda-feira, quando a primeira vítima foi identificada. Até ontem, empresas de 168 países já tinham relatado casos de infecção.
Em agosto passado, o SoBig infectou um em cada 17 mensagens durante as primeiras 24 horas de ação, e apenas via correio eletrônico. Até agora, era o vírus com mais alta taxa de infecção. Já o MyDoom, além da velocidade, preocupa os técnicos porque pode se disseminar também por sistemas de troca de arquivos como o Kazaa, extremamente populares por permitirem o download de músicas gratuitamente.
O MyDoom chega ao correio eletrônico da vítima em um arquivo anexado que, ao ser aberto pelo usuário, permite a invasão à distância do sistema. Como se prolifera rapidamente, provoca um grande congestionamento no tráfego da rede.
Empresa-alvo processou IBM por causa do Linux
De acordo com especialistas, o novo vírus pretende aproveitar-se dos computadores infectados para realizar um ataque conjunto aos computadores do SCO Group, entre os dias 1 e 12 de fevereiro.
O SCO Group é uma empresa americana que detém direitos autorais sobre o Unix, a base para o Linux, sistema operacional aberto com crescente popularidade no mundo corporativo.
Em março passado, o SCO Group abriu um processo contra a IBM, acusando-a de ter usado em seus sistemas com Linux 800 mil linhas de programação que seriam de sua propriedade. A SCO pediu nada menos que US$ 3 bilhões de indenização à gigante.
O caso já foi o suficiente para chamar a atenção dos usuários de Linux no mundo todo. Mas o número um da SCO, Darl McBride, não se deu por satisfeito. Em dezembro passado, acusou milhares de usuários do Linux de desrespeitarem direitos autorais, ameaçando-os com processos.
Não por acaso, o SCO Group tornou-se a empresa mais odiada pela comunidade mundial de tecnologia, como diz a revista ‘BusinessWeek’ desta semana.
SCO oferece recompensa para localizar autor do vírus
Ontem, tão logo a onda de ataques do MyDoom tomou corpo, o SCO Group ofereceu US$ 250 mil de recompensa para quem fornecer alguma informação que possibilite a prisão dos responsáveis pelo novo vírus.
Por trás dessa briga está o mercado mundial de servidores, ou seja, computadores de grande porte, geralmente usados para fins corporativos. Citando a consultoria IDC, a ‘BusinessWeek’ lembra que as vendas de computadores com Linux cresceram 49,8% somente no terceiro trimestre do ano passado, em relação ao mesmo período de 2002, chegando a US$ 743 milhões. No mesmo período, todo o mercado cresceu somente 2%.
– O mercado está passando por um processo em que a solução de tecnologia tem que se adaptar ao usuário, e não o contrário. Por isso o Linux conquista mais espaço – explica Jaques Rosenzaig, principal executivo da Conectiva, empresa brasileira de Linux. (*) Com agências internacionais’