Richard Plepler, da HBO, e Leslie Moonves, da CBS, anunciaram que seus respectivos canais oferecerão serviços de streaming, indo além do tradicional sistema de distribuição de programação via TV a cabo. Isso significa que serão concorrentes diretos de serviços de programação online sob demanda, como o Netflix.
O movimento da HBO é, em parte, motivado por considerações globais, pois o canal possui acordos de licenciamento no mundo todo e um conjunto complicado de acordos com uma série de sistemas de cabo. Um produto de internet vai acabar saindo mais barato, e ao mesmo tempo vai permitir que a HBO desenvolva um relacionamento direto com seus consumidores (inclusive coletando dados mais precisos a respeito destes).
Reed Hastings, presidente-executivo do Netflix, reagiu de maneira respeitosa ao anúncio da HBO e da CBS, e declarou que a concorrência é benéfica, pois leva todos os envolvidos a melhorar, e que tal passo era “inevitável e sensato”.
Salvação da TV
Em artigo para o New York Times, o colunista de mídia David Carr discorreu sobre a possibilidade de os serviços de transmissão de programas online estarem salvando o nicho da TV a cabo, em vez de dizimá-lo, como costumava-se acreditar que ocorreria.
“O Netflix apontou um caminho a seguir, não apenas estabelecendo que a programação pode ser entregue de forma confiável através da internet, mas mostrando que os consumidores estão mais do que prontos para dar um salto”, escreveu.
Carr diz que, na posição de jornalista, viu jornais, livros e o ramo da música serem massacrados depois de se recusarem a reconhecer a nova concorrência e os novos hábitos de consumo. Todos optaram por reforçar suas defesas em vez de se adaptar. A TV parece estar fazendo o caminho inverso.
Ele alerta, no entanto, que a estratégia não está livre de riscos e citou alguns percalços. Em 2012, por exemplo, a HBO anunciou que iria oferecer um serviço de streaming nos países nórdicos (basicamente, para complicar a entrada do Netflix no mercado). A ação acabou sendo adiada, o que reduziu sua credibilidade perante os clientes em potencial. E, quando a HBO exibiu online o episódio final da primeira temporada do seriado True Detective – sucesso de público e de crítica –, enfrentou um erro de transmissão, deixando mais clientes frustrados. Deve-se lembrar também que ainda é complicado oferecer vídeos online em alta definição (HD), pois nem sempre os servidores toleram a demanda.
Mesmo assim, em geral, Carr enxerga toda a questão de modo muito positivo. Ele reiterou que os jovens consumidores terão acesso aos seus programas favoritos quando e como desejarem e que os programadores vão ganhar vantagem nas negociações com os distribuidores. Além disso, tanto a HBO quanto a CBS ficarão menos expostas às oscilações das operadoras de TV a cabo, podendo redirecionar seu público para a internet (este, por sua vez, poderá consumir os mesmos produtos por um valor mais em conta).
Ele crê ainda que muitas emissoras seguirão o exemplo. E que, a cada dia que passa, torna-se claro que o conteúdo não é apenas uma mercadoria, mas um bem valioso, e é preciso saber distribuí-lo.
A evolução da TV se deve à evolução da própria TV
Já o jornalista cultural Scott Timberg apresentou uma visão menos otimista em artigo para o site Salon. Ele observou que as ações do Netflix caíram 20% assim que a HBO e a CBS fizeram o anúncio – constatação que talvez enfraqueça a teoria de que toda esta concorrência é saudável.
Timberg vê os fãs da TV a cabo como os grandes beneficiados desta evolução, mas diz que nada disso é de fato um sinal do poder libertador da Internet. “A televisão tem prosperado por razões que são, em grande parte, anômalas à era da internet”, observou.
Ele credita a evolução da TV à evolução da própria TV, e diz que o nicho aumentou seus lucros devido à simples melhoria da qualidade dos programas transmitidos e ao crescimento da oferta de canais. No caso das TVs a cabo, por exemplo, quanto mais canais você desejar consumir, mais terá de pagar. E o público consumidor aceita bem este formato. Esta estrutura, por exemplo, permitiu um destino diferente daquele encarado pelos jornais impressos, que se viram dependentes das receitas publicitárias e ignoraram os investimentos internos em qualidade e em adaptação tecnológica – e com isso viram seu público se esvair no momento em que a internet começou a oferecer o mesmo tipo de conteúdo, só que gratuitamente. O ramo da música foi igualmente míope e perdeu espaço para a pirataria.
“Na TV, estamos em uma corrida armamentista, onde todo mundo precisa ter conteúdo novo e exclusivo”, comentou Robert Levine, ex-editor-executivo da revista Billboard e autor do livro Free Ride, que trata exatamente da sobrevivência da indústria cultural no meio digital. “A HBO e o Netflix não estão tentando encontrar um grande número de espectadores: estão procurando provar que já é suficiente se apenas um grupo de pessoas pagar pelo conteúdo. [As séries] Mad Men e Breaking Bad nunca foram superpopulares, mas têm uma boa base de fãs disposta a pagar para assisti-las”.
Ele ressalta, no entanto, que esta nova Era de Ouro da TV não vai durar para sempre. Levine acredita que em algum momento as empresas irão começar a se digladiar entre si, pois as pessoas vão começar a escolher quais serviços de streaming desejam contratar, já que dificilmente alguém irá querer pagar por todos ao mesmo tempo.
Mas Timberg prefere não se concentrar na previsão de Levine e recomenda apenas que o telespectador aproveite enquanto pode.