Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa britânica se vinga de Tony Blair

Ao sair do cargo de primeiro-ministro em 2007, numa frase que ficou famosa, Tony Blair acusou a mídia de “caçar como um animal selvagem e despedaçar por completo pessoas e reputações”. Ele poderia ter refletido sobre essa declaração quando viu, na quinta-feira (7/07), a cobertura que a imprensa inglesa deu ao Relatório Chilcot, sobre a guerra do Iraque. Os jornais o dilaceraram e despedaçaram por completo o que ainda sobrava da reputação de Blair.

Quase todas as primeiras páginas trataram o ex-primeiro-ministro em manchetes críticas, algumas sóbrias e diretas – “Relatório Chilcot sobre Iraque lança duro veredito sobre Blair” (Financial Times) – e outras mais coloridas e interpretativas: “Uma desilusão monstruosa” (Daily Mail); “Armas de decepção em massa” (Sun); “A guerra privada de Blair” (Times); “Blair é o pior terrorista do mundo” (Daily Star) e “Virando-se em seus túmulos” (Independent).

Vários editores destacaram sua posição intransigente: “Não posso me desculpar pelo Iraque… Eu o faria de novo” (Metro); “Eu tomaria a mesma decisão” (Daily Telegraph); “Blair desafia e Chilcot lança veredito devastador sobre guerra do Iraque” (Guardian); “Blair envergonhado: Desculpem, mas eu o faria de novo” (Daily Express); “Blair desafiador: eu invadiria o Iraque de novo” (i).

Tony Blair (e) e George Bush (D) na Casa Branca em 2004 / foto Wikimedia CC

Tony Blair (e) e George Bush (D) na Casa Branca em 2004 / foto Wikimedia CC

E a única linha da mensagem que Blair enviou a George Bush oito meses antes da invasão – “Eu o acompanharei em qualquer circunstância” – aparecia, ousadamente, nas primeiras páginas do Guardian, do Telegraph e do Daily Mirror.

As preparações medíocres do Reino Unido

A partir dessa “promessa privada”, disse o Guardian, “toda a violação do processo público fluiria, assim como a sensação penetrante e venenosa de que o governo estava faltando com a verdade”. Blair “fez uma concessão fatal de sua preferência por construir uma rota de guerra abençoada pelas Nações Unidas ao precedê-la pela simples promessa de que Washington podia contar com ele”.

Ao seguir cegamente George Bush, ele foi culpado por arruinar um país, por abalar a confiança e por jogar no lixo sua própria reputação. Pense nas vítimas, dizia a matéria. Estimativas das vidas perdidas variam entre 250 mil e 600 mil pessoas. Muitas mais ficaram feridas. O número de pessoas desalojadas de suas casas situa-se “entre uma em cada dez e uma em cada seis da população”.

O Relatório Chilcot foi “um veredito impecável” sobre o comportamento de Blair antes da invasão de 2003 e sua incapacidade de criar um plano adequado para suas consequências”, disse o Times.

O relatório irá servir como um balanço definitivo de uma experiência militar desastrosamente equivocada por falta de planejamento e de avaliação dos riscos. O preço da derrubada de Saddam Hussein do poder “foi incomensurável… Centenas de milhares de civis iraquianos foram mortos num histórico ressurgimento do banho de sangue entre sunitas e xiitas que é lembrado até o dia de hoje”.

O Financial Times concordou, avaliando o relatório como um severo veredito das instituições políticas, militares e de inteligência do Reino Unido, com seus equívocos e eventuais incompetências.

Para o Daily Telegraph, o relatório foi “uma ladainha de infelicidades”. Embora “as piores decisões do pós-guerra tenham sido tomadas pelos norte-americanos, dando pouca atenção às opiniões britânicas, isso não justifica as preparações medíocres do Reino Unido… A impressão deixada pelo relatório é de que o primeiro-ministro estava tão absorvido em conseguir uma causa política para a guerra que não se preocupou muito com suas consequências”.

Ganhou uma guerra e perdeu a reputação

O Daily Mail, satisfeito por não ter sido “outra vitória esmagadora das instituições”, considerou o relatório “devastador”. “Em detalhes impiedosos”, revelou “o comportamento ambíguo, desonesto, dissimulado, superficial e incompetente de Tony Blair… E, ainda mais perturbador… ele deixa nuas as espantosas deficiências da constituição e das instituições, que não conseguiram restringir os excessos do ex-primeiro-ministro ou proteger nossas tropas de um perigo desnecessário.”

O jornal The Sun, que defendia entusiasticamente a entrada na guerra na época, acusou Blair de “uma desilusão monumental” e por ser negligente e ingênuo. Ele “aceitou as duvidosas provas” das armas de destruição em massa do Iraque “sem qualquer questionamento” e “usou-as para vender a guerra ao parlamento, à nação – e ao Sun – com sua oratória insinuante”.

Blair “merece perder a credibilidade”, disse o Express. Mas concentrou o fogo no Ministério da Defesa por sua incapacidade de fornecer às tropas o equipamento de que necessitavam.

“Blair deve aceitar sua maldição”, disse o Daily Mirror, considerando o relatório “uma acusação devastadora”. E continuou: “Desde as exageradas informações da inteligência sobre armas de destruição em massa à justificativa de entrar na guerra, às revelações das promessas de cachorrinho de Blair a George Bush e à fatal falta de planejamento para a invasão e incapacidade de equipar adequadamente nossas tropas, o Relatório Chilcot é uma maldição, uma maldição, uma maldição.” Diz-se que “a insistência de Blair de que não mentiu nem enganou o parlamento será questionada por muita gente, mas o que está para além de qualquer questionamento é que sua reputação está em frangalhos. Mas ao invés de aceitar este monumental erro de avaliação, surpreendentemente Blair mantém que voltaria a tomar a mesma decisão”.

E houve muito mais opiniões como estas por parte de colunistas e comentaristas. A tensa coletiva que Blair fez com a imprensa em nada alterou o que pensava dele a “imprensa selvagem”. Ao ganhar uma guerra, ele perdeu sua reputação.

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Roy Greenslade é professor de Jornalismo e tem um blog no Guardian