‘Seu voto é pessoal e precioso. Não deixe que ninguém influencie sua decisão.’ O conselho é de Al Neuharth, fundador do USA Today, jornal de maior circulação nos EUA. Em artigo publicado pelo jornal em 29/10, ele questiona a decisão de grande parte da imprensa americana de apoiar um dos candidatos à presidência. ‘Editores e proprietários de jornais devem entender que, ao endossar um candidato político, sua cobertura noticiosa torna-se suspeita aos olhos dos leitores, mesmo que a maioria de seus repórteres seja imparcial e precisa.’
A crítica de Neuharth a poucos dias da eleição baseia-se na enxurrada de editoriais de apoio aos candidatos publicada nas últimas semanas. Alguns dos maiores jornais diários do país declararam-se pró-Kerry, entre eles New York Times, Washington Post, Miami Herald, Atlanta Journal-Constitution e San Francisco Chronicle. Já Bush ganhou a aprovação de alguns veículos de grande circulação nos EUA, como New York Post, Chicago Tribune, Omaha World-Herald, Denver Post e San Diego Union-Tribune.
Na Europa também
Até a mídia européia entrou na dança. O debate sobre a guerra do Iraque, explorado mundialmente, parece ter inspirado alguns dos principais veículos europeus a apoiarem publicamente um dos candidatos presidenciais dos EUA, afirma Jeffrey Goldfarb [Reuters, 29/10/04]. De Roma a Moscou, a cobertura da campanha americana tomou conta dos jornais – com direito a detalhes, análises e freqüentes fotos de primeira página.
O britânico The Guardian organizou, no começo do mês, uma campanha para que seus leitores escrevessem cartas a eleitores indecisos de um condado do estado de Ohio [veja remissão abaixo]. A revista The Economist, que tem 40% de suas vendas nos EUA, anunciou que apóia o democrata John Kerry. Já o Bild, jornal mais vendido da Alemanha, com 12 milhões de leitores, declarou seu apoio a George W. Bush.
Na Itália, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi – dono da maior parte do sistema de mídia do país – também aposta no presidente republicano. O Il Giornale, jornal de circulação nacional dirigido pelo irmão de Berlusconi, é o mais ferrenho defensor de Bush. O restante da mídia italiana que não pertence à família do primeiro-ministro faz campanha por Kerry. O La Repubblica, por exemplo, é tão crítico a Bush quanto a Berlusconi.
Cobertura parcial?
Mas será que o apoio público da mídia desequilibra a cobertura dos fatos? O editor-executivo do Washington Post, Leonard Downie Jr, garante que, pelo menos em seu jornal, não. No artigo intitulado ‘Separação total’ [27/10/04], Downie afirma que o editorial de apoio a Kerry publicado pelo Post não tem nenhuma ligação com seu conteúdo noticioso.
‘Alguns leitores podem vir a pensar que o candidato apoiado pelo jornal receberia uma cobertura favorável. Mas isso não acontece’, diz ele, para depois enfatizar que a cobertura jornalística e as opiniões expostas na página de opinião do Post são mantidas completamente separadas.
Downie explica que os editoriais do jornal são determinados em reuniões e escritos por uma equipe específica, que trabalha sob a coordenação do editor de Opinião, Fred Hiatt. ‘Nem eu ou quaisquer editores e repórteres que cobrem as notícias têm acesso a essas reuniões. Nós não temos nada a ver com as opiniões ou apoios expressados na página de editoriais. E nem Hiatt ou outro redator de editoriais se envolve na cobertura das notícias’ afirma. ‘Esta separação pode ser difícil de ser entendida. Mas nós a levamos muito a sério e estamos sempre determinados a manter nossa cobertura justa, imparcial e apartidária, principalmente em campanhas eleitorais.’
Não é essa a opinião de centenas de internautas que, por meio de seus blogs, acusam diariamente a grande imprensa americana de parcialidade e de jogar sujo em época de eleição presidencial. ‘A imprensa perdeu o controle exclusivo que costumava ter’, afirma o diretor do departamento de jornalismo na New York University, Jay Rosen, que mantém seu próprio blog.
As críticas têm origem em cidadãos comuns, grupos partidários, ou até mesmo em blogs patrocinados pela grande mídia – como o The Note, sítio político da rede de rede de TV ABC. Muitos dos escritores da internet dizem que atuam como observadores em tempo real da atuação da imprensa e de jornalistas específicos – que, segundo eles, usam o poder que têm de maneira irresponsável e partidária.
Melhor para Kerry
Um estudo conduzido pelo Project for Excellence in Journalism, da Universidade de Colúmbia, indica que nas duas primeiras semanas de outubro, período em que ocorreram os debates presidenciais, a cobertura da mídia foi mais desfavorável a Bush do que a Kerry.
A amostra utilizada pelo estudo foi bastante reduzida: quatro jornais (New York Times, Washington Post, Miami Herald e Columbus Dispatch, de Ohio), dois programas de TV a cabo (os apresentados por Aaron Brown, na CNN, e Brit Hume, na Fox News) e sete programas de TV aberta (NewsHour, da PBS, e três programas matinais e três noticiários noturnos da CBS, ABC e NBC).
No total, foram identificadas 817 matérias sobre os candidatos. Cinqüenta e nove por cento das matérias sobre Bush eram negativas ao republicano; com Kerry, este número baixou para 25%. Uma em cada três matérias sobre Kerry era positiva, enquanto no caso de Bush a proporção era de uma em cada sete matérias. Com informações da Editor & Publisher [26/10/04] e de Jim Rutenberg [The New York Times, 28/10/04].