Após a deflagração da Operação Carne Fraca no último dia 17, a imprensa mundial conheceu um lado do agrobusiness brasileiro até então pouco conhecido fora de nossas fronteiras: as falhas na fiscalização das exportações de carne e derivados, bem como o possível envolvimento de políticos no escândalo deflagrado pela investigação da Polícia Federal.
No dia 21, o jornal francês Le Figaro classificou a operação Carne Fraca como o pior escândalo de corrupção desde a Operação Lava Jato. “O Brasil está novamente imerso em um caso de corrupção com um escândalo de carne estragada”, classificou a publicação. Nas publicações seguintes, o jornal reportou as consequências da Operação Carne Fraca em países como Chile, China e Hong Kong, que juntos representam 40% de toda a carne brasileira exportada. Além de destacar um reforço do governo francês na fiscalização de carnes originárias do Brasil, a publicação preocupou-se ainda em apresentar aos leitores os possíveis impactos na economia do Brasil, mostrando que as exportações de carne renderam ao país US$ 13 bi. Desse total, o Le Figaro informa que mais de US$ 650 mi tiveram como origem a União Europeia, sendo US$ 486 mi referentes à importação de carne bovina e US$ 165 mi em importações de aves.
Diferentemente do Le Figaro, cuja cobertura da operação Carne Fraca e suas consequências para o Brasil e para o mercado exterior foi extensa, com mais de 10 reportagens desde o dia 21, o cotidiano francês Le Monde consagrou no mesmo período apenas três matérias sobre o mesmo tema. Segundo a publicação, a Operação Carne Fraca e suas consequências agrava ainda mais o cenário interno brasileiro. “Três dias após o desmantelamento de uma rede de comercialização de alimentos impróprios ao consumo, o país, em plena recessão e já abalado por uma grande crise política, tenta limitar as consequências deste novo caso”, informou o jornal no último dia 20. Assim como o Le Fígaro, as consequências imediatas da Operação Carne Fraca foram apresentadas aos leitores do Le Monde, destacando a desvalorização das ações de dois grandes frigoríficos brasileiros exportadores de carne. “Na sexta-feira, a BRF já tinha perdido 10,59%, enquanto a JBS teve uma queda de 7,25%”, afirmou o Le Monde na mesma data.
No dia seguinte, o Le Monde destacou o esforço do governo brasileiro para tentar recuperar a credibilidade da carne brasileira ao convidar cerca de 20 autoridades estrangeiras para jantar em uma churrascaria em Brasília. Segundo a publicação, o esforço do Palácio do Planalto parece, no entanto, ter sido em vão. “Apesar do jantar estimado em R$ 14 mil (4240 euros) e organizado em caráter de urgência no último domingo, 19 de março, o chefe de Estado não soube conter um princípio de pânico ligado aos desdobramentos do escândalo “carne fraca”, a carne estragada brasileira.
Na mesma linha do Le Figaro, o cotidiano Le Monde também destacou o fato de a Operação Carne Fraca aprofundar ainda mais a crise interna no Brasil, ressaltando que este novo escândalo coloca novamente em discussão as relações entre as empresas e o Estado brasileiro. “O caso “carne fraca” reforça a perigosa relação mantida entre os poderes públicos e o setor privado no Brasil, já revelada pela operação “Lava Jato” em 2014”, informou o jornal. Sobre os impactos econômicos do novo escândalo, o Le Monde foi ainda mais enfático. “Em um país devastado por dois anos de profunda recessão, este novo escândalo assume ares de tragédia. Importante ator dentro do mercado de carne e primeiro exportador mundial de carne bovina, o Brasil pode ver suas exportações despencarem”.
Contraditório
Em relação ao espaço concedido ao contraditório, o Le Monde, ainda que com uma cobertura consideravelmente mais resumida, destinou um espaço maior para defensores da carne brasileira, em especial para Francisco Sergio Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A partir de uma entrevista concedida por Turra ao jornal Folha de S. Paulo, o Le Monde reproduziu um trecho da fala do líder da entidade. “Não dá para a gente generalizar (…) 99,5% do setor está em dia, oferecendo produtos saudáveis (…) É um absurdo nivelar tudo, generalizar, vender a ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é podridão (…) Quando é justamente ao contrário: somos o país que tem a melhor biosseguridade”.
Complementando a declaração de Francisco Sergio Turra concedida à Folha de S. Paulo e reproduzida pelo Le Monde, o jornal francês entrevistou Marise Aparecida Rodrigues Pollônio, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Sobre as irregularidades mencionadas, nenhuma representa risco para a saúde”, afirmou a docente ao Le Monde.
Ainda que o Le Figaro tenha destinado um espaço maior à Operação Carne Fraca e seus desdobramentos em relação à cobertura feita pelo Le Monde, os dois veículos apresentaram a seus leitores os principais fatos do mais novo escândalo de proporções internacionais envolvendo o poder público brasileiro e a iniciativa privada, aspecto que ambas publicações fizeram questão de ressaltar, seja ao afirmar que o país está “[…] novamente imerso em um caso de corrupção”, como o Le Figaro, comparando-o à Operação Lava Jato, seja para destacar o cerne da questão – “[…] a perigosa relação mantida entre os poderes públicos e o setor privado no Brasil” – como relatado pelo Le Monde.
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Saulo de Assis é jornalista e Mestrando em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade Bordeaux Montaigne