Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornais se unem contra a ameaça Le Pen

Habituada a concentrar sua atenção nos candidatos de centro-esquerda do Partido Socialista ou nos concorrentes de centro-direita dos Republicanos (nova fundação do antigo União por um Movimento Popular, o UMP), a imprensa francesa foi forçada a ampliar seu foco para outras forças políticas que ganharam expressividade na eleição presidencial de 2017. Algumas não tão novas, como a candidata de extrema-direita Marine Le Pen, da Frente Nacional, e o candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon, líder do movimento França Insubmissa, aliança política sucessora da Frente de Esquerda.

O destaque, no entanto, foi o crescimento de Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia na França e fundador do partido político de centro Em Marcha!. Formado politicamente no Partido Socialista, do qual foi membro por três anos, o hoje centrista Macron aparece ao final do primeiro turno da eleição presidencial francesa na liderança, apontado como favorito para a disputa no segundo turno, no qual o candidato, que nunca concorreu a nenhum cargo eletivo, enfrentará a filha de Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional e ferrenho crítico da imigração na França.

A eleição deste ano traz uma novidade para os franceses: pela primeira vez desde a inauguração da 5ª República Francesa, que reestruturou o atual modelo político-eleitoral francês, não figuram no segundo turno da disputa ao Palácio do Eliseu nem o Partido Socialista, nem os Republicanos, forças políticas que normalmente ditam o tom das disputas eleitorais na França. Diante desse cenário inédito, a imprensa francesa mudou o tom de sua cobertura, não somente em relação à diversificação dos temas, natural diante da expressividade de muitos dos candidatos no cenário político, mas também em relação ao posicionamento diante dos concorrentes.

Após a definição do cenário para o segundo turno das eleições, que garantiu uma vaga para uma candidata da Frente Nacional – o que não ocorria desde 2002 – os principais jornais franceses adotaram um discurso de rejeição à Marine Le Pen, apoiando, ainda que com ressalvas, o centrista Emmanuel Macron. A análise dos principais editoriais publicados na segunda-feira (24) demonstra, no entanto, que o endosso à Macron não se deve a seu projeto político, mas visa sobretudo rechaçar uma possível eleição de Marine Le Pen. Mesmo nos jornais mais conservadores, a preferência pelo fundador do Em Marcha! é evidente.

No editorial do Le Figaro, o destaque fica por conta da derrota da direita, que “perdeu o imperdível”, segundo a publicação. Sobre Emmanuel Macron, o jornal dá como muito certa a vitória do candidato centrista: “Em duas semanas, será para seu ex-conselheiro e ex-ministro que François Hollande entregará as chaves do Eliseu”. Para o Le Figaro, escolher entre Macron e Le Pen significa decidir entre “a gripe e a cólera”, esta última representada pelo projeto econômico “suficientemente insano” da candidata ultradireitista, que “não tem quase nenhuma chance de ser eleita”, afirmou a publicação.

A “madrasta vilã”

Rejeitando o projeto político de Le Pen, o jornal cristão e conservador La Croix aponta que a saída da França da União Europeia, o “Frexit”, trará um custo mais caro aos franceses do que as supostas vantagens apontadas pela candidata. No jornal de esquerda Libération, Marine Le Pen é classificada como a “madrasta vilã” do cenário político atual, que deve ser encarado com vigilância diante do avanço da Frente Nacional. Assim como o Le Figaro, a publicação destaca ainda que “a direita perdeu uma eleição imperdível”, ressaltando também o “avanço” do candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon, que com expressivos 19,58% dos votos ficou a dois pontos percentuais de passar a candidata da Frente Nacional, terminando, porém, em quatro lugar na disputa, com uma diferença de menos de meio ponto percentual em relação ao terceiro colocado, François Fillon, dos Republicanos. O expressivo desempenho do candidato da França Insubmissa, no entanto, não foi destaque de outros editoriais, com exceção do Le Monde.

Entre os jornais de maior circulação na França, o diário Le Monde foi o mais enfático no apoio ao ex-ministro de François Hollande: “A Frente Nacional é incompatível com cada um de nossos valores, com nossa história e nossa identidade. Logicamente, desejamos, portanto, a derrota de Marine Le Pen e pedimos o voto em favor de Emmanuel Macron”, declarou a publicação. Em seu editorial, o jornal classifica o atual momento francês como uma “modificação no cenário político”, destacando o “ótimo resultado do líder dos Insubmissos, Jean-Luc Mélenchon”. Sobre Marine Le Pen, o jornal faz uma menção explícita ao grupo político do qual a candidata é líder, classificando-o de “um partido nacionalista e xenófobo, manipulado por um clã familiar cínico e de empresários sem escrúpulos”.

A união inédita da imprensa na França em torno do candidato Emmanuel Macron e contra a ultradireitista Marine Le Pen indica, para além da preocupação da mídia francesa quanto uma possível eleição da representante da Frente Nacional, que os veículos de comunicação do país continuam apresentando claras diferenças, seja no enfoque dado a determinados assuntos ou na omissão diante de outros (como a ausência de qualquer citação ao desempenho de Jean-Luc Mélenchon no Le Figaro e no La Croix), mas também indica uma capacidade de alinhamento antes improvável no cenário midiático francês.

Se as mídias do país estão assim preocupadas com a possível eleição de Marine Le Pen e o avanço da Frente Nacional, é um forte indício de que a cobertura da campanha no segundo turno deverá ser marcada pela intensificação das críticas à candidata ultradireitista e por um acompanhamento ainda mais atento às ações e ao discurso de Le Pen. Ainda que necessária, o estado de vigilância conclamado pelo Libération pode trazer como risco uma superexposição da candidata nas mídias francesas. E a história recentíssima nos mostra o que uma superexposição midiática pode representar para um candidato.

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Saulo de Assis é jornalista e Mestrando em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade Bordeaux Montaigne.