Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal discute falhas na cobertura pré-guerra

Depois de o New York Times ter publicado um mea culpa admitindo falta de atenção para as evidências de que o principal argumento de George W. Bush e seus correligionários para a invasão do Iraque – a existência de armas de destruição em massa no país – era mal fundamentado, o Washington Post acaba de dar um passo no mesmo sentido.

Howard Kurtz, repórter que cobre a mídia para o diário há 14 anos, escreveu no dia 12/8 uma extensa reportagem sobre a cobertura feita pelo Post sobre este assunto, intitulada ‘Artigos do pré-guerra muitas vezes não iam para a primeira página’. Segundo a Editor & Publisher [12/8/04], Kurtz teria trabalhado cerca de um mês no preparo da matéria.

Fora da primeira página

Ele conclui que o jornal publicou algumas matérias questionando a versão oficial de que Saddam Hussein representava uma ameaça por seu arsenal de destruição em massa, mas que elas nunca ganharam o destaque necessário. Poucos dias antes do início da invasão do Iraque, por exemplo, saiu uma reportagem de Walter Pincus – um veterano repórter de inteligência de 71 anos, que integrou a equipe do Post por 32 dos últimos 38 anos – composta com depoimentos de diferentes funcionários do governo, colocando em dúvida a informação de que Bush teria provas de que Saddam escondia as tais armas.

A direção do jornal relutou em publicá-la, porque parecia algo vaga. No fim, o texto saiu graças ao esforço de Bob Woodward, outro veterano, notabilizado por trazer a público o caso Watergate, que também pesquisava o assunto para um livro e tinha suas suspeitas sobre a motivação da ação militar. A matéria, porém, saiu apenas na página A17.

Pouco esforço

‘Fizemos nosso trabalho, mas não fizemos o suficiente e eu me culpo fortemente por não ter pressionado mais’, admite Woodward, atualmente no cargo de editor-administrativo do jornal. Colegas de Pincus reclamam que seus textos são difíceis de entender e precisam ser muito editados, o que dificulta sua publicação. Mas o problema pode não estar no estilo do jornalista, e sim em seu material de trabalho, já que as fontes de inteligência não costumam se identificar.

‘Alguns repórteres que pleiteavam maior destaque para matérias que questionassem as evidências apresentadas pela administração reclamaram com os editores seniores que, na visão desses repórteres, não se entusiasmavam com esse tipo de reportagem’, escreve Kurtz, que ouviu mais de uma dúzia de integrantes da equipe do Post para escrever seu texto. ‘Afirmações da administração estavam na primeira página. Coisas que desafiassem a administração iam para a página A18 de domingo ou A24 de segunda-feira. Havia a seguinte atitude entre os editores: ‘Olha aqui, nós vamos para a guerra, então para que se preocupar com essas coisas em contrário?’’, sintetiza o correspondente do Pentágono, Thomas Ricks.

Mesmo o editor-executivo Leonard Downie Jr. admite que o Post não deu à oposição à guerra o devido espaço. ‘Estivemos tão concentrados em tentar descobrir o que o governo estava fazendo que não demos o mesmo peso às pessoas que diziam que não seria uma boa idéia ir à guerra e questionavam os motivos da administração. Poucas matérias desse tipo foram colocadas na primeira página. Foi um erro de minha parte’.

Alguns dos colegas com quem Kurtz conversou explicaram que havia uma pressão que os desmotivava a questionar a existência das armas de destruição em massa. A repórter de segurança nacional Dana Priest conta que as matérias céticas com relação aos argumentos de Bush e sua equipe sempre geravam muitos e-mails condenatórios, questionando o patriotismo do repórter. Woodward atribui parte da reticência dos repórteres ao medo de que o arsenal iraquiano pudesse ser encontrado, o que tiraria sua credibilidade. Vários dos jornalistas ouvidos, no entanto, frisaram que a fama do Post por ter derrubado um mandato republicano – graças ao escândalo de Watergate, que implodiu a presidência de Richard Nixon – não foi motivo para que os jornalistas tivessem receio de pegar pesado com Bush.

Porta-voz

A repórter Karen DeYoung, que cobriu assuntos diplomáticos na fase pré-guerra, diz que o jornal, independentemente de sua vontade, acaba sendo porta-voz do governo. ‘Se o presidente diz algo, nós damos o que ele disse’. Isso poderia justificar as mais de 140 matérias de capa publicadas entre agosto de 2002 e março de 2003, início da guerra, com foco na retórica anti-Iraque do governo, mas não explica os poucos elementos contrários à visão da Casa Branca que estes textos incluíam.

Downie destaca que, por falta de provas concretas, não era possível desafiar os pronunciamentos do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, por exemplo. ‘Em retrospecto, isto provavelmente deveria ter saído na página 1 em vez da A17, mesmo que não tivesse sido uma matéria definitiva e se baseasse em fontes anônimas’, comenta o editor-executivo, olhando o texto de Pincus.

Ele conclui: ‘As pessoas que se opuseram à guerra desde o início e têm criticado a cobertura da mídia no período pré-guerra têm esta crença de que a mídia deveria ter se lançado numa cruzada contra a guerra. Eles têm a impressão equivocada de que, de alguma maneira, se a cobertura da mídia tivesse sido diferente, a guerra não teria ocorrido’.