A primeira vez em que Adela Navarro viu seu mentor chorar foi quando um editor em seu jornal foi morto quando saía de uma clínica de saúde com seus dois filhos. “Quantas mortes mais eu preciso para entender que não podemos fazer isto?”, perguntou na ocasião Jesus Blancornelas, que escapou, por pouco, de uma tentativa de assassinato depois que o semanário fundado por ele – o Zeta – deu início a uma cobertura agressiva sobre traficantes mexicanos e funcionários do governo cúmplices do narcotráfico. Adela, que ainda era estudante universitária mas já havia sido contratada por Blancornelas, implorou para que o jornal não fosse fechado. “Não podemos permitir que os maus vençam”, disse.
Sete anos depois, o Zeta, na península de Baja California, no México, luta para levar ao público matérias sobre narcotráfico que raramente são encontradas em outros veículos de mídia mexicanos. Adela, de 42 anos, e o filho mais novo do fundador do jornal, Rene Blanco, 39, tornaram-se co-editores logo após a morte de Blancornelas, em 2006. O jornalista morreu aos 70 anos, vítima de um câncer.
O conflito entre cartéis de drogas no México já tirou mais de 34 mil vidas, incluindo a de 22 jornalistas, desde que o governo lançou uma ofensiva contra o narcotráfico no final de 2006. Alguns jornais em áreas atingidas pela violência decidiram que o melhor a fazer é manter o silêncio. Outros limitam a cobertura a declarações governamentais e a coletivas de imprensa. Tiroteios em plena luz do dia raramente são divulgados. Poucos cobrem o tema de maneira agressiva, como o Zeta.
O jornal registrou o apogeu e o declínio da família Arellano Felix, um dos carteis mais antigos do México. Sua cobertura, com base em documentos legais, detalhou como traficantes supostamente se infiltram no governo. Uma matéria de 2007 fazia a relação de um procurador do estado ao cartel de Sinaloa. No mês passado, o Zeta divulgou que um funcionário daquele cartel estava recrutando atiradores em San Diego, que autoridades libertaram supostos policiais ligados ao tráfico e que traficantes em pequenas cidades perto de Tijuana pagaram a policiais para permitir a venda de drogas nas ruas.
Os editores do jornal dizem que, com seu trabalho, tentam honrar Blancornelas e seus colegas que foram assassinados ao longo dos anos: o co-fundador do Zeta Hector Felix, em 1998; o motorista de Blancornelas, Luis Valero, em 1997; e o editor Francisco Ortiz, em 2004. “Não é fácil comprometer-se a fazer estas investigações, mas é o que fazemos”, diz Adela.
Críticos do diário o acusam de pegar leve com o Exército, em meio a acusações de que militares já torturaram suspeitos ou trabalham para a máfia. O jornal entregou seu prêmio de Personalidade do Ano a dois generais, em 2008 e 2009. Editores defendem-se e afirmam que o general Sergio Aponte e seu sucessor, Alfonso Duarte, fizeram um bom trabalho e, por isso, foram premiados.
Ameaças
Quando Francisco Ortiz foi morto, depois de escrever sobre o fato de traficantes terem obtido carteiras de identidade falsas do escritório do procurador geral do estado, Blancornelas insistiu que apenas seu nome aparecesse nas matérias, mesmo se fosse escrita por outro jornalista. Ele achava que, de toda a equipe, apenas ele estaria salvo: o governo havia lhe fornecido segurança 24 horas depois que a bala de uma tentativa de assassinato em 1997 ficou alojada na sua espinha. No ataque, morreu seu motorista. Desde sua aposentadoria, as matérias sobre narcotráfico passaram a ser creditadas a “Investigações Zeta”.
Ainda assim, as ameaças permanecem. Adela diz que, em janeiro do ano passado, recebeu um alerta de um funcionário americano, que interceptou um telefonema indicando que o cartel de Arellano Felix planejava matar editores dos principais jornais mexicanos. O Exército confirmou a ameaça e escalou sete soldados para fazer a segurança de três editores por mais de dois meses, até que os suspeitos fossem presos.
As fontes do Zeta são em geral de dentro do governo, mas algumas informações são fornecidas por leitores e repórteres de jornais que não publicam matérias sobre o narcotráfico. Com tiragem impressa de 30 mil exemplares, o Zeta é uma anormalidade na era da internet. As matérias só vão para a versão online com três dias de intervalo e o site não é atualizado durante a semana. “A ideia é usar a internet para atrair leitores para a edição impressa, e não substitui-la”, diz a editora Rossario Mosso. Informações de Elliot Spagat [AP, 4/4/11].