A Folha de S.Paulo parece estar iniciando um necessário movimento de reflexão sobre o jornalismo a partir das questões envolvendo a grande imprensa. Os tempos atuais têm imposto a necessidade de se repensar o jornalismo a partir da pergunta básica sobre a função da informação no mundo contemporâneo. O fenômeno é global, mas no Brasil tem as suas particularidades.
Uma das heranças das manifestações de junho de 2013 é a crise de representação em relação à mídia de massa. O processo de cobertura do impeachment de Dilma Rousseff e seus desdobramentos fez circular, no discurso de setores à esquerda, a ideia da grande mídia como golpista. As novas formas de funcionamento das redes interconectadas ampliaram o leque de opções para outros tipo de jornalismo, além de fomentar o debate e questionamento sobre o trabalho da mídia. O sujeito conectado opina, compartilha, nem sempre de forma equilibrada.
A primeira surpresa produzida recentemente pela Folha de S.Paulo foi o anúncio de não publicar seus conteúdos no Facebook. O segundo passo foi o lançamento de um novo manual de redação, em evento para discutir o futuro do jornalismo. E, finalmente, na edição do último domingo, o publisher, Octávio Frias Filho, escreveu um artigo que procura respostas para uma inquietação que tem mobilizado as conversas sobre jornalismo — da academia aos botequins. Afinal, para que serve o jornalismo? Qual o seu sentido na sociedade contemporânea?
Frias define o jornalismo com um mal necessário. O jornalismo é atividade sujeita a erros e imprecisões, tanto porque lida com a brevidade de apuração de temas que não são do conhecimento do profissional quanto por estar submetido aos deslizamentos da linguagem, sempre passível de equívoco. No mundo midiatizado contemporâneo esse aspecto parece ter ficado mais perceptível para um número maior de pessoas. É difícil sustentar, hoje, a ideia de isenção nas narrativas jornalísticas.
Diante dessa dificuldade, Frias relembra os velhos procedimentos deontológicos do jornalismo: as normas para reduzir a incidência dos erros e a criação de mecanismos de autocorreção, através, por exemplo, da figura do ombudsman. Mas o excesso de regras acabou se transformando em obstáculo, sobretudo num mundo onde a agilidade da informação se tornou cada vez mais relevante.
A importância do jornalismo estaria, de acordo com Frias, na possibilidade de fornecer ao leitor um menu variado de informações e análises que o ajudem a lidar com o real, tornando os veículos comprometidos com critérios de verificação e pluralidade do debate. Esse tipo de jornalismo, de matriz cidadã, seria hoje, na opinião de Frias, um nicho. A grande maioria das pessoas tem as energias voltadas para seus problemas cotidianos. Quem se identifica com o jornalismo que apura, investiga e debate é uma “aristocracia de espírito”, diz o autor.
A pergunta que fica é se o desafio contemporâneo do jornalismo não é se aproximar dessas pessoas alheias a ele? E se isso não se relaciona a certo tipo de prática elitista da grande imprensa que os tempos atuais demandam reverter? Num país como o Brasil, cabe ao jornalismo buscar essa via de acesso com o cotidiano dos mais desfavorecidos, tentando uma expressão próxima da linguagem desses segmentos e tratando de assuntos que são do seu interesse.
Entre as transformações possibilitadas pela internet, a cultura participativa é a mais instigante. Não se faz jornalismo sem uma proximidade maior com o receptor. Há iniciativas no meio digital hoje que contemplam essas vozes da periferia historicamente silenciadas. A velha tradição impressa é uma marca cuja sobrevivência também está condicionada ao entendimento dessa mudança. E sair da zona de desconforto é um bom caminho.
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Pedro Varoni é jornalista e editor do Observatório da Imprensa.