Hermano Alves já foi Rubem Azevedo Lima. Quando o regime militar baixou o AI-5, em 1968, Alves, jornalista e então deputado federal, teve seu mandato cassado e, sob risco de ser preso, precisou fugir do Brasil. Escapou das barreiras policiais nas estradas com a ajuda da carteira de identidade de Lima, amigo e também jornalista. Alves foi uma das referências do jornalismo no país, tendo trabalhado no início da Tribuna da Imprensa.
Hermano de Deus Nobre Alves nasceu em Niterói, em 13 de dezembro de 1927. Cursou Direito até o quarto ano e enveredou pelo jornalismo. Chamado por Carlos Lacerda, foi trabalhar na Tribuna.
Ele atuou em alguns dos principais jornais do país, tendo passado ainda pelo Correio da Manhã, Jornal do Brasil, pela Folha de S.Paulo e pelo Estado de S.Paulo.
— Ele foi uma das minhas primeiras referências como jornalista. Era muito contundente e tinha uma grande cultura. Era um dos nomes que o Carlos Lacerda mais ouvia — lembra o jornalista e amigo Zuenir Ventura.
Na época do golpe de 64, Alves estava na Folha. Em 1966, afastou-se do jornalismo e foi eleito deputado federal pelo então MDB, cargo que exerceu até 1968, quando foi cassado. Nesse período, participava da Frente Ampla, grupo que reunia opositores do regime.
O exílio viria em 68, com a ajuda de Rubem Azevedo Lima, que passou sua identidade a ele por meio de um motorista do Correio da Manhã:
— Emprestei minha carteira para ele, mas sem trocar a foto, deixei a minha mesmo. Só que, na hora em que o pararam na estrada, o policial só viu se o nome na identidade estava ou não na lista de procurados. Nem olhou para a foto ou para a cara dele. E ele conseguiu passar — conta Lima sobre a ida de Alves de Brasília para São Paulo, de onde ele seguiu para o México.
Do México, Alves seguiu para a Argélia. Sua primeira mulher, Maria do Carmo, foi então para lá com os quatro filhos do casal. Durante a vida de exilado, Alves e a família passariam ainda pela França e pela Inglaterra.
O ex-deputado voltou para o Brasil nos anos 80. Mais tarde, casou-se pela segunda vez, com a portuguesa Maria Helena e, na década de 90, mudou-se para Lisboa com ela.
Em 2005, o jornalista e ex-deputado recebeu uma indenização de R$ 2,1 milhões, além de salário de R$ 14.700 por mês, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Hermano Alves estava internado devido a complicações de um câncer na coluna. Ele morreu aos 82 anos, em Lisboa. Deixa viúva, os quatro filhos do primeiro casamento e cinco netos.
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Aos 82 anos, morre um provocador de generais
Reproduzido de O Estado de S.Paulo, 3/7/2010
‘Para mim, o ano de 1968, pontilhado de incidentes, transformou-se na longa e ansiosa espera do inevitável. Eu previra um golpe entre setembro e dezembro daquele ano.’ Assim o ex-deputado do antigo MDB e jornalista Hermano de Deus Nobre Alves se lembrava, em relato ao Estado – onde trabalhou, como correspondente em Londres, entre 1977 e 1978 – do grande episódio que dividiu sua vida em duas partes: o golpe que levou ao Ato 5 e ao fechamento do Congresso, em dezembro de 1968. Hermano, que morreu ontem [sexta, 2/7] vítima de câncer, em Lisboa, atuava em conjunto com Márcio Moreira Alves, como ele jornalista e depois deputado, cuja cassação se transformou em estopim daquela crise.
Antes, Hermano foi um jornalista talentoso, provocador, de ótima memória, sempre às turras com o mandonismo dos militares. Como repórter e articulista, na Tribuna de Imprensa, na Folha de S. Paulo e no Correio da Manhã, acompanhou o governo João Goulart e desafiou a ditadura até ser cassado e exilado.
Depois, circulou por mais de dez anos por México, Argélia, Paris, Londres e Lisboa, voltando ao Brasil em 1984. Desistiu da política, fez assessorias e conseguiu indenização pela Lei da Anistia, instalando-se em Lisboa nos anos 90. Em nota, o ministro-chefe da Comunicação Social, Franklin Martins, o definiu como ‘uma das maiores referências’ do jornalismo do País.
Casado duas vezes, deixou quatro filhos. Seu corpo foi cremado, ontem à tarde, no cemitério dos Olivais, em Lisboa.