O inquérito sobre a morte da produtora britânica Kate Peyton concluiu que ela sofria pressão da BBC quando aceitou cobrir uma pauta na Somália, em fevereiro de 2005. O veredicto do crime foi de ‘unlawful killing’, termo do código penal britânico que abrange mortes causadas sem intenção – que pode ser comparado ao homicídio culposo, mas sem um responsável direto. Kate foi morta a tiros por um homem não identificado, pelas costas, quando chegava ao hotel em Mogadício. Ela havia viajado com o repórter Peter Greste para cobrir o desenvolvimento do país devastado pela guerra e havia chegado à Somália poucas horas antes do crime. A jornalista não usava colete à prova de balas porque tinha medo de chamar a atenção. Ela chegou a ser levada ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Segundo o juiz Peter Dean, o caso serve de lição para que diretores da BBC – e de outras organizações de mídia – reconheçam que a equipe tem todo o direito de recusar pautas perigosas. Apesar de dizer que pretende escrever à rede britânica sobre a questão, o juiz ressaltou que sua afirmação não implica que a BBC seja responsável pela morte de Kate.
Mudanças
Dean classificou os procedimentos para tarefas de risco da BBC como ‘bons’ e ‘cuidadosos’, mas alegou que mudanças feitas com base na investigação poderiam ajudar a evitar futuras tragédias. ‘Kate achou que não poderia recusar este trabalho. Se ela o tivesse feito, não estaria naquela situação e não teria morrido’, afirmou. Segundo a irmã de Kate, a jornalista tinha medo de perder o emprego se não fosse à Somália. O juiz alertou que discussões sobre renovação de contrato e sobre pautas em locais de risco devem ser separadas. Ele deixou claro que não encontrou falhas no processo de pautas de risco, mas que achava a oportunidade válida para aconselhar as organizações de mídia sobre o tema.
Após o encerramento do inquérito, a família de Kate disse estar satisfeita com as declarações do juiz. ‘Estamos felizes que, após quase quatro anos, ele pôde oferecer conselhos sobre como a BBC pode melhorar o tratamento dado a jornalistas em trabalhos de risco’, afirmou. Segundo parentes, Kate temia que seu contrato não fosse renovado porque seus chefes haviam sugerido que, se ela recusasse a viagem, haveria dúvidas quanto a seu compromisso com a empresa. Sua irmã contou ainda que ela trabalhava para sustentar seu noivo e sua filha, Chloe. Para a mãe, Kate havia revelado que estava sob pressão no trabalho.
Valor
Já o repórter que a acompanhava não sabia das pressões ou como ela se sentia a respeito da viagem. Ele estava na África para uma matéria quando teve a idéia da pauta, que foi aceita pelos editores. Logo depois, recebeu um e-mail de Kate dizendo que estaria feliz em acompanhá-lo.
Anthony Hudson, advogado da BBC, disse que a rede ‘ouviu atentamente’ as observações do juiz. O secretário-geral da Associação Nacional de Jornalistas, Jeremy Dear, considerou que o veredicto reconhece as pressões sofridas por Kate – e que são muito comuns a profissionais que sentem instabilidade no trabalho e àqueles que atuam como freelancers. ‘Eles sentem que devem fazer de tudo para provar seu valor. Alguns riscos são inaceitáveis’, opina. Informações de Ben Dowell e Rachel Williams [The Guardian, 25 e 26/11/08].