É mais uma revolução que uma reforma.
Le Monde, o jornal mais respeitado da França, que se apresenta sem falsa modéstia como o ‘jornal de referência’ – que ele efetivamente é –, mudou radicalmente. E tem a ambição de ‘voltar a ser indispensável’, como diz o diretor-geral Jean-Marie Colombani, e ‘redefinir seu papel na sociedade contemporânea’. A última grande reforma do jornal fora feita por Colombani, em janeiro de 1995.
Segundo ele, a reforma do jornal respondeu a três exigências: hierarquizar a informação para que o leitor se localize diante da abundância e da complexidade das notícias, dar ao leitor uma chave para melhor compreensão do presente e do futuro, e estabelecer uma ligação maior entre os leitores e o jornal.
Para responder à segunda exigência, o jornal convidou o sociólogo Alain Touraine, que comentou a crise que incendeia a França como uma dificuldade dos franceses de ‘associar integração e diferenças, universalismos e direitos culturais de cada um, ultrapassando a oposição de um republicanismo carregado de preconceitos e de comunitarismos carregados de agressividade’.
Se ficou mais legível e mais claro, o jornal ficou também mais parecido com os anglo-saxões do que com ele mesmo. Só não mudou o formato, chamado de ‘berlinense’, uma de suas marcas mais importantes.
Prejuízo parrudo
O jornal fundado em 18 de dezembro de 1944 (com data do dia seguinte) por Hubert Beuve-Méry manteve também o título em letras góticas no alto da primeira página, mas passou a ter cinco colunas em vez das seis habituais. Para se adaptar aos novos tempos ganhou mais fotos, maiores e mais coloridas, e até mesmo grandes infográficos ocupando duas páginas. O corpo do texto aumenta e as reportagens e artigos diminuem de 12% a 15%. O desenho de Plantu da primeira página desce e a notícia principal é ilustrada por uma foto. A primeira página apresenta cinco a seis notícias, no máximo, claramente hierarquizadas.
O primeiro número do novo jornal saiu na segunda-feira (7/11). Como continua um vespertino que sai às 13 horas – o ex-chefe da redação Edwy Plenel, que deixou a direção da redação no ano passado e a empresa este ano, queria transformá-lo em matutino mas foi voto vencido – e circula sempre com a data do dia seguinte, o Le Monde repaginado chegou às bancas com data de 8 de novembro.
Mas por que mudar radicalmente o jornal? A resposta é evidente: Le Monde quer parar de perder leitores pois em qualquer latitude é verdadeira a assertiva de que não se mexe em time que está ganhando. Desde 2003, as vendas começaram a cair e o diário passou a acumular prejuízos. Antes dele, em setembro deste ano, seu principal concorrente, o direitista Le Figaro, também fez sua reforma. Segundo reportagem publicada no próprio Figaro, as perdas acumuladas pelo Le Monde no ano passado chegaram a 63 milhões de euros, com queda de 4% nas vendas no último ano.
Confiável, surpreendente
Apesar do enorme prestígio junto a intelectuais, classe política e formadores de opinião em geral, o mais importante jornal francês não parou de perder leitores. ‘Queremos estabilizar nossas vendas’, declarou o diretor-geral do grupo Le Monde, que reúne diversas publicações.
‘A imprensa diária precisa enfrentar as armadilhas e as ilusões dessa bolha da hiper-informação’, escreveu Colombani num suplemento especial sobre a reforma com o título geral ‘Um jornal reinventado’. ‘O fluxo contínuo das informações tende a fazer com que um acontecimento sempre substitua um outro e se uniformize a leitura da atualidade.’
Segundo Colombani, Le Monde se transforma mas continua fiel a seus valores e a seu savoir-faire, apoiando-se em sua experiência de mais de 60 anos para inovar e se adaptar ao novo ambiente midiático. Esse savoir-faire do jornal é garantido por uma equipe de 260 jornalistas, que dão aos leitores notícia exclusiva e análise de primeira qualidade. No início do ano, eles eram mais numerosos, mas 92 jornalistas e executivos deixaram o jornal no contexto de um plano de incentivo às demissões.
Por causa das quedas nas vendas, Le Monde foi recentemente ultrapassado na circulação pelo Figaro. Ambos perderam leitores, mas o Figaro vence por uma pequena margem. A queda nas tiragens dos diários franceses (Libération foi quem mais perdeu leitores) é atribuída à internet, aos jornais cotidianos gratuitos como Métro e 24 Heures, e também às novas tecnologias de comunicação por celular.
O projeto do novo Le Monde foi pilotado pelo jornalista e escritor Eric Fottorino, que dirigiu uma equipe de dez pessoas durante vários meses, trabalhando exclusivamente na preparação da reforma. Para ele, que projetou o novo jornal à escuta dos leitores fiéis e exigentes, o Le Monde deve ser ‘confiável e surpreendente, rigoroso e inovador’.
******
Jornalista