Matéria publicada na segunda-feira [31/8] no New York Times trata dos líderes que vêem a imprensa como inimiga e agem para restringir a cobertura crítica a seus governos – e que o jornal diz ser uma ‘tendência’ na América Latina. Na Bolívia, o presidente Evo Morales descreve, sem pudor, a imprensa nacional como a principal inimiga do governo. O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, classifica a mídia privada do país como ‘filhos de Goebbels financiados pela CIA’.
A tendência, afirma o diário americano, é especialmente forte na Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez já deixou claro seu propósito de limitar a independência da mídia local. Há dois anos, foi a vez do canal RCTV– crítico ao governo – perder sua licença de funcionamento. Há alguns meses, Chávez deu início a uma batalha contra a emissora Globovisión. Recentemente, apoiou um projeto para revogar as concessões de dezenas de estações de rádio e aprovou uma lei de educação que restringe ainda mais a atuação da imprensa.
O Ministério da Informação venezuelano afirma que pessoas responsáveis por ‘mentiras na mídia’ devem enfrentar acusações criminais. Um rascunho de lei sobre ‘crimes de mídia’ apresentado no fim de julho torna ofensa punível com prisão ‘divulgar informações falsas com o objetivo de prejudicar os interesses do Estado ou que representem ameaça à segurança nacional’.
No início de agosto, mais de 30 militantes pró-governo invadiram os escritórios da Globovisión com gás lacrimogêneo. Também em agosto, jornalistas que faziam uma manifestação pacífica para protestar contra a nova lei de educação do país foram interceptados e agredidos com bastões por partidários do presidente. O governo, inicialmente, condenou o ataque, mas depois afirmou que os jornalistas haviam provocado os agressores. A lei de educação proíbe a ‘disseminação de idéias e doutrinas contrárias à soberania nacional e aos princípios e valores da Constituição’.
‘O que acontece na Venezuela pode ser visto em outras partes da América Latina’, diz Carlos Lauría, coordenador do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, com sede em Nova York. Em países como Colômbia, Equador, Nicarágua, Bolívia e Argentina, cita ele, líderes políticos ‘têm reagido com muita intolerância às críticas da mídia’.
Abuso de poder
Logo no início do artigo do Times, de autoria do correspondente Alexei Barrionuevo, o Brasil é citado. O caso do filho do senador José Sarney contra o jornal O Estado de S.Paulo serve de exemplo para a tendência latino-americana de abuso de poder e desrespeito à liberdade de imprensa. O Times relata que ‘os ataques diários dos jornais com notícias sobre nepotismo e acusações de corrupção contra [Sarney] foram demais [para a família do presidente do Senado]’ e que, por isso, ‘Fernando, filho de Sarney, que cuida da maior parte dos negócios privados da família, buscou a ajuda de um juiz em Brasília, conseguindo uma ordem formal para impedir que um dos principais jornais do país, O Estado de S.Paulo, publicasse mais reportagens sobre as alegações’.
O caso teve início depois que o Estadão publicou artigos com transcrições detalhadas de telefonemas gravados pela polícia em que Fernando Sarney ligava seus negócios à influência de seu pai no Senado. Advogados da família Sarney acusaram o diário de calúnia e difamação e refutaram as acusações contra pai e filho. E tudo isso ocorreu enquanto o Conselho de Ética do Senado analisava 11 alegações que poderiam derrubar Sarney do cargo.
Barrionuevo ressalta que a ação foi vista imediatamente como censura. O repórter lembra que a medida contra o Estadão é apenas mais um exemplo de como o poder é usado para restringir o trabalho da imprensa em casos de suspeita de corrupção. Informações de Alexei Barrionuevo e María Eugenia Díaz [The New York Times, 31/8/09].