Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mães blogueiras trocam dicas e debatem maternidade online

O Estado de S. Paulo, 3/04

Karina Toledo

Mães blogueiras criam rede, trocam dicas e debatem maternidade na internet

No início, era um projeto pessoal. Um espaço para registrar momentos memoráveis do primeiro bebê e exibi-los orgulhosamente a amigos e parentes distantes. Aos poucos, descobriram que não falavam sozinhas. Estavam dialogando com centenas de mulheres. Trocando experiências, partilhando angústias, refletindo sobre a maternidade.

Essa é a história de muitas integrantes da chamada ‘blogosfera materna’, uma rede de mães que encontrou nos blogs, no Twitter e nas redes sociais um espaço para a boa e velha conversa de comadres. Dúvidas e dicas sobre como tirar a fralda ou a chupeta ou sobre como fazer o filho comer ou dormir melhor são recorrentes nesse universo.

‘Quando você se torna mãe, fica monotemática. Para não parecer chata, canalizei para o blog minha vontade de falar sobre o assunto’, diz a arquiteta Thais Rosa, de 33 anos, mãe de Caio, de 3, e autora do Aprendiz de Mãe. Ela se sentiu perdida quando teve de lidar com a fase de birras e chiliques do filho. Desabafou no blog e a ajuda foi imediata.

‘Tem coisa que pediatra não fala e outras mães sabem por experiência’, diz a psicóloga Camila Colla, de 30 anos, mãe de três crianças e autora do blog Mamãe Tá Ocupada, que tem em média 500 acesso diários.

A afinidade com algumas blogueiras foi tanta, diz Camila, que a amizade virtual se transformou em almoços semanais. Uma de suas ‘cyberqueridas’ é a jornalista Roberta Lippi, que criou o blog Projetinho de Vida quando ficou grávida da filha Luisa, hoje com 3 anos e 7 meses. A página conta com uma média de 800 acessos por dia e já desperta a atenção de empresas interessadas em divulgar produtos para crianças. ‘Sinto que sou monitorada. Uma vez fiz um post sobre amamentação e recebi comentário até do Ministério da Saúde.’

Rede própria. Engajada na rede virtual desde a gravidez do filho Vitor, hoje com 7 anos, Tatiana Passagem fez disso sua profissão. Além de alimentar seu blog pessoal, Entre Fraldas e Livros, ela trabalha na Rede Mulher e Mãe, uma espécie de Facebook voltado apenas para mulheres com filhos. Ali, elas trocam receitas de papinhas, articulam troca de roupas e artigos infantis. ‘Muitas ficam com vergonha de discutir assuntos como fissura nos mamilos em outras redes sociais. Vai que o chefe está seguindo’, brinca.

Tatiana se mudou com a família de Brasília para São Paulo há cerca de duas semanas. A ajuda das blogueiras da zona norte foi fundamental na hora de escolher o novo lar e a escola das crianças. ‘Já estou me sentindo em casa.’

Análise. No caso da jornalista Ceila Santos, de 36 anos, foi o conflito entre maternidade e trabalho que motivou a criação do Desabafo de Mãe, em 2006. Dois anos depois, chegou a mapear cerca de 630 blogs do gênero, com as mais diferentes vertentes. Há as ativistas da amamentação e do parto natural, há quem fale sobre comida para crianças e outras fazem humor com as dificuldades do dia a dia. ‘A maternidade torna mais forte a busca pelo autoconhecimento. Essa troca de experiência é quase uma terapia de grupo’, diz.

Para a psicóloga perinatal Vera Iaconelli, a principal virtude da rede é permitir que as mães saiam do isolamento em que vivem na atualidade. ‘Como toda a sociedade, as mães perderam os espaços públicos. Mal conhecem suas vizinhas’, analisa.

Some isso ao fato de que as famílias estão cada vez mais enxutas e o resultado é que, hoje, as mulheres só vão descobrir o que é criar um bebê quando recebem o seus nos braços. ‘Rola muita dúvida, insegurança e culpa, pois acham que deveriam saber tudo por instinto. No mundo virtual, descobrem que há muitas outras na mesma situação.’

Mais do que informação, essas mulheres estão em busca de acolhimento, diz a pediatra Thelma Oliveira, conhecida como dra. Relva. Há seis anos, ela modera uma comunidade no Orkut com mais de 15 mil membros.

Esse intercâmbio de experiências, diz, permite às mães acatar menos passivamente o que o pediatra ou outra autoridade fala, principalmente em relação aos assuntos da esfera doméstica, como onde o filho deve dormir. ‘É o fim da ditadura do jaleco.’

 

 

 

Babá, creche e cesária estimulam brigas virtuais

Nem só de paz, amor e solidariedade vive a ‘blogosfera materna’. Como em toda comunidade, conflitos entre correntes divergentes são comuns. As polêmicas geralmente envolvem temas como amamentação prolongada, ter ou não babá, colocar ou não a criança na creche, optar pelo parto normal ou pela cesárea.

‘Babá é uma coisa que sempre dá problema. Você diz que tem uma e já vira uma mãe horrorosa’, conta Camila Colla, que chegou a postar em seu blog um texto denunciando o ‘bullying materno’ e o monte de regras que tentam ditar o jeito certo de se criar os filhos.

O anonimato e o distanciamento, diz a psicóloga Vera Iaconelli, estimulam as pessoas a falar coisas que não falariam ao vivo. ‘As vezes esquecem que quem está do outro lado é uma mulher também fragilizada. Algumas opiniões postadas em blogs tomam proporção de verdades. Mas são só opiniões.’

A rivalidade é retratada de forma bem-humorada em dois perfis falsos criados no Twitter.

Um deles é o @dorianamae, que ironiza as mulheres que se consideram mães mais que perfeitas e escreve comentários como ‘vou te dar unfollow agora, pois não aceito mulheres que fazem cesariana… É contra os meus princípios’ ou ‘se as pessoas comessem comida saudável, farinha de trigo orgânica e frutas secas, não ficariam tão doentes… Mas vão pro McDonald’s. Grunf!’.

Outro perfil falso, que brinca com aquelas mulheres não muito vocacionadas para a maternidade, é o @maedemerda. Entre as pérolas postadas está ‘vou mandar uns e-mails para umas amigas para pedir dica de babá, para cuidar da baby enquanto eu twitto e faço artesanato!’ Tem ainda: ‘mãe de merda que deixa o filho uma semana com os avós só pra poder ‘ter mais privacidade’ com o marido’.

 

Pais corujas também contam suas histórias

‘Pais de todo mundo, zumbi-vos.’ Assim, o pai blogueiro Renato Kaufmann, de 36 anos, conclama seus pares no Diário Grávido, que criou em 2008 quando soube que a filha Lucia, de 2,5 anos, estava a caminho. ‘A notícia da gravidez chegou de surpresa. Fiquei uns três dias em pânico e, como gosto de escrever, decidi pôr isso para fora’, conta.

A visão masculina sobre o processo de nascimento e criação, diz ele, é a razão da popularidade da página, visitada por cerca de 6 mil internautas todos os meses. O blog também virou livro.

Além do prazer de escrever crônicas, diz Kaufmann, o que o motiva é a possibilidade de construir a história da filha de forma bem-humorada, em trechos como ‘ela acordou às 3 horas da manhã. Chamou ‘mamãe’. Nada. Quem sabe se a gente ignorar ela dorme de novo, cedo pra burro. ‘Papaaaai’. Nada. Aí ela manda uma assim: ‘PAPAI ENATOOOOO!’ Pronto. Me ganhou, não resisti e fui lá ficar com ela.’

Ele mantém contato com outros pais blogueiros, mas o objetivo não é trocar dicas. ‘Em momentos difíceis, como o desfralde ou na hora de enfrentar uma mãe irada por causa dos hormônios, é um alívio saber que tem outros passando por isso.’

Só o melhor. Um dos ‘cyberparceiros’ de Kaufmann é o mineiro Aggeo Simões, de 43 anos, locutor publicitário e criador do blog Manual do Pai Solteiro. Ele divide os cuidados com a filha Ava, de 6 anos, com a ex-mulher. ‘Ela passa uma parte da semana com a mãe e outra comigo’, conta.

As primeiras crônicas foram escritas fora da internet, à moda antiga, para retratar a vida de um aprendiz de pai longe da mãe. ‘Depois, decidi publicar os textos. Aí muda a forma de escrever, pelo retorno que os leitores dão quase instantaneamente.’

Em um dos textos mais recentes, Simões reflete sobre os motivos pelos quais os pais não devem se separar do filhos. Na primeira infância, diz ele, quanto mais se convive com a criança, mais ela incorpora os elementos que você acha legal em você mesmo. ‘Seja seu gosto musical, seu caráter, sua seriedade no trabalho, seus valores humanitários, sua paixão por esportes, por viagens, seja o que for. Quem não quer passar o que tem de melhor para os filhos?’, pergunta o pai blogueiro.