‘As relações entre o jornal e os seus leitores são necessariamente desiguais. Mas os leitores têm mais poder do que imaginam e é também por desconhecerem as ‘armas’ de que dispõem que, com alguma frequência, vêem do que não gostam e deixam seguir, descrentes da eficácia de uma tomada de posição.
Essas ‘armas’ são as que decorrem dos direitos dos leitores enquanto pessoas, enquanto cidadãos e enquanto consumidores.
Podemos dizer que há diferentes motivos para se reagir face ao conteúdo e apresentação da informação, num jornal diário. A primeira decorre de se considerar ter sido pessoalmente atingido por referências que concorram para afectar o bom nome (próprio ou o daqueles que legalmente se representa) ou, então, por referências que, não afectando o bom nome, não sejam, contudo, verdadeiras. Temos aqui o que a Lei de Imprensa configura como o direito de resposta (no primeiro caso) e de rectificação (no segundo).Recorrendo a uma comparação simples, dir-se-ia que se alguém ‘pisa os calos’ a alguém, este alguém tem o direito de reagir e esta reacção tem que se obrigatoriamente considerada. O jornal é obrigado a publicar a resposta, sem embargo de o atingido poder ainda processar criminalmente o jornal.
Estes casos não são tão frequentes como se julga. A maior parte das vezes, o que se passa é que as pessoas não são directamente atingidas, mas ‘doem-se’ do que lêem. Ou seja: discordam das opções do jornalista ou do jornal, contestam determinadas práticas ou omissões, insurgem-se contra olhares enviesados, lamentam erros mais ou menos grosseiros. E aí podem encontrar maior ou menor abertura da parte dos profissionais que trabalham na Redacção, incluindo os editores e a Direcção. É aqui que a existência de um provedor, como acontece no JN, pode servir para esclarecer e ouvir, chamar a atenção, fazer propostas. (Um parêntesis, a propósito: a existência do provedor não se justificaria do mesmo modo, ou mais ainda, nos semanários, e, por maioria de razão, nas grandes rádios e nos canais de televisão, em particular naqueles que são assumidamente de serviço público?).
Há ainda um terceiro tipo de iniciativas dos leitores, que têm que ver com a apresentação de sugestões para tratamento jornalístico, com comentários às noticias publicadas, com opiniões sobre assuntos de actualidade ou sobre as opiniões publicadas, inclusive por outros leitores. Este tipo de contributos constituem tipicamente as cartas ao director que abordam frequentemente matérias que não cabem na alçada deste, como são os problemas de distribuição do jornal ou as dificuldades de acesso às promoções e iniciativas de marketing, por exemplo. Se até o provedor é bombardeado com tais matérias!… A verdade é que, do ponto de vista do leitor, o jornal e a empresa que lhe dá suporte são uma única e mesma realidade: e ele bate à porta que estiver mais à mão. Não há grande mal nisso. Mas também podemos aprender a direccionar melhor os motivos que nos levam a contactar o jornal.
Recapitulando: uma coisa é a carta ao director a comentar, sugerir e criticar o conteúdo para o jornal; outra é o contacto com o provedor motivado por problemas de natureza ética e deontológica; outra ainda o exercício do direito de resposta e de rectificação. Se nos ficarmos pela lei, podemos procurar assegurar os nossos direitos e garantias individuais, mas não asseguramos necessariamente um bom jornal e um jornalismo melhor. Isso depende de uma atitude e de uma perspectiva mais largas, que vão para além da lei: exigem que não nos fiquemos pelo medíocre, quando podemos (e devemos) ter o bom ou o muito bom.
Ainda sobre o direito de resposta e de rectificação, gostava de comentar sobre algo a que inevitavelmente terei de voltar, um dia destes: há anos que me causa estranheza o facto de a generalidade dos alunos do Ensino Superior com quem trabalho, na sua maioria candidatos ao exercício do jornalismo, afirmarem invariavelmente nunca terem tido, na sua anterior formação de base, qualquer tipo de iniciação aos direitos dos cidadãos face aos media e, em particular, às condições e modos necessários ao exercício do direito de resposta e de rectificação. Sugiro um pequeno exercício para o comprovar que esse desconhecimento é, aliás, generalizado entre os cidadãos. Bastará perguntar, no nosso círculo de conhecimentos, quem é que sabe em que condições é possível exercer o direito de resposta e como se deve agir para exercer tal direito. E o que se diz deste direito em particular é, em boa medida, válido para outros direitos e responsabilidades individuais e sociais face aos media. A ponto de se poder, com acerto, perguntar se, face à centralidade destes media na vida individual e colectiva, não deveria haver, na educação básica e secundária, uma espécie de alfabetização mediática, que habilitasse os cidadãos a assumirem-se de corpo inteiro nos seus direitos e deveres – se possível de forma organizada – face ao poder dos media.
Em décadas passadas, um dos motivo de orgulho da Redacção do JN residia no facto de alguns leitores terem uma tal relação com o seu jornal que, perante um acidente ou mesmo um incêndio, telefonarem primeiro a dar a notícia e só depois a pedir o socorro. Há certamente um lado de mitificação nestes ditos que corriam de boca em boca. Eles enunciam, porém, um facto do maior significado: é que o jornal é mesmo importante para muitos dos seus leitores.
Mas a iniciativa e a participação que hoje se procura é a que torna os leitores cada vez mais participantes no projecto do jornal que cada dia se faz.
Na última sexta feira, o JN fazia a sua manchete com o seguinte título: ‘Vale e Azevedo: 14 segundos de liberdade’. No mesmo dia, o ‘Público’ afirmava, com chamada na primeira, que ‘Vale e Azevedo esteve 30 segundos em liberdade’. Finalmente, o ‘Diário de Notícias’ calculava que o ex-presidente do Benfica tinha tido ‘um minuto de liberdade’. Todos sabemos que, para quem não a tem, a liberdade pode ser saboreada por cada segundo disponível. Mas, visto na escala dos segundos, é muito segundo de diferença. E o rigor do cálculo do JN bate todos os recordes. Sobretudo para um acontecimento que, ainda por cima, era inesperado.’