‘ESTA NÃO FOI a campanha eleitoral morna que se chegou a cogitar. Ao contrário, foi uma das mais conturbadas a que já assistimos. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros representantes do governo e do PT tenham em diversos momentos tentado responsabilizar a imprensa pela tensão que o embate eleitoral alcançou, a verdade é que foram os erros do PT – principalmente os cometidos na reta final, com o escândalo da tentativa de compra do dossiê dos Vedoin – que abafaram o noticiário político para dar espaço à cobertura policial.
O eixo da cobertura da Folha foram os escândalos (mensalão, sanguessugas, cartilha e dossiê), as pesquisas e o acompanhamento das baixarias da campanha. As observações que faço a seguir se atêm ao mês de setembro, levam em conta que o jornal agiu certo ao dar visibilidade ao escândalo do dossiê e têm como referência principal o que deveria ser o papel da imprensa num período eleitoral.
1 – A cobertura da Folha teve três grandes deficiências. A primeira é histórica e atinge todos meios – a dificuldade de avaliar políticas públicas e de discutir programas de governo. É o aspecto mais complicado das coberturas desde sempre. Em tese, a grande responsabilidade dos meios nestes momentos é a de fazer balanços conclusivos sobre a capacidade de gestão dos candidatos que ocupam ou ocuparam cargos executivos e abrir espaço à discussão dos grandes temas que afligem as pessoas ou emperram o país. Como fazê-lo com profundidade e didatismo, com seriedade e sem chatice? Em todas as eleições nos esforçamos, mas acabamos soterrados pelos dossiês, pelas agendas irrelevantes dos candidatos e pelas grosserias.
No caso da Folha, alguns assuntos foram tratados ao longo de setembro, como reformas política e institucional, políticas compensatórias, corrupção, crescimento econômico. Mas poucos o foram nas páginas das eleições e como reportagem. A contribuição veio de colunistas e articulistas em Dinheiro e na página de ‘Tendências/Debates’. Foram artigos isolados e as discussões não tiveram continuidade nem houve a preocupação de serem consolidadas. Não devemos nos desculpar com o fato de que os próprios candidatos não tiveram interesse em prestar contas e apresentar seus programas. O descompromisso deles deveria ser mais uma razão para o jornal se empenhar em garantir este serviço aos leitores.
2 – A segunda deficiência foi a cobertura da eleição ao governo de São Paulo, principal Estado brasileiro, arena do grande embate nacional entre PT e PSDB e sede da Folha. Pode-se dizer que praticamente não houve cobertura, e o prejuízo desta omissão é incalculável.
3 – Há um terceiro ponto que considero fraco, mas que foi parcialmente contemplado em setembro com as colunas diárias de opinião – faltou ao jornal mais capacidade de análise.
O volume diário de informações sobre as campanhas e candidaturas de nada vale se não há esforço para juntar os fatos, hierarquizá-los, contextualizá-los e tentar entendê-los. Quando isso não ocorre – e sei que é difícil pela avalanche de notícias que desaba – acaba predominando um noticiário fragmentado e descartável.
4 – As notícias policiais e o acompanhamento dos candidatos acabaram sufocando, em setembro, duas linhas de trabalho importantes que a Folha iniciara: o acompanhamento dos financiamentos das campanhas (fonte desde sempre de fraudes e corrupção) e a exposição dos candidatos ao Legislativo sob investigação. Este último ponto foi compensado com o caderno especial Congresso que circulou na quinta-feira.
5 – É uma lástima que a Folha não tenha feito neste ano o levantamento do tratamento editorial que deu para cada candidato à Presidência e ao governo de São Paulo. Produzido pelo Datafolha em outras campanhas, a última a de 1998, era uma referência importante para avaliar a cobertura do jornal sob o ponto de vista do equilíbrio e da imparcialidade, princípios fortemente questionados nesta eleição.
6 – Por fim, um aspecto novo e positivo: o uso dos recursos da internet. Não me refiro aos blogs políticos, que ainda não encontraram um caminho, mas à prestação de serviços cívicos que os jornais, as TVs e rádios não têm como suprir. Cito três programas que valem uma visita antes de ir às urnas: Eleições 2006/Candidatos, produzido pela Folha e à disposição no Folha Online (www.folha.com.br/062582) com informações sobre 2.870 candidatos a deputado e senador em São Paulo e a governador em todo o Brasil; o Projeto Excelências (www.excelencias.org.br), da Transparência Brasil, com informações sobre 550 candidatos a deputado federal em todo o Brasil; e o sítio ‘Políticos do Brasil’ (www.politicosdobrasil.com.br), do jornalista Fernando Rodrigues, da Folha, com cerca de 25 mil registros, inclusive patrimoniais, de políticos desde as eleições de 1998.’
***
‘Os princípios da Folha’, copyright Folha de S. Paulo, 01/10/06.
‘Nada melhor, num dia de solenidade cívica como o de hoje, do que recordar, para os leitores da Folha, os quatro compromissos assumidos publicamente pelo jornal que elegeram. Assim estão definidos no ‘Manual da Redação’ para serem cobrados.
Apartidarismo – ‘O jornal não se atrela a grupo, tendência ideológica ou partido político, mas procura adotar posição clara em questão controversa. Mesmo quando defende tese, idéia ou atitude, a Folha não deixa de noticiar e publicar posições divergentes das suas’.
Jornalismo Crítico – ‘O jornal não existe para adoçar a realidade, mas para mostrá-la de um ponto de vista crítico. Mesmo sem opinar, é sempre possível noticiar de forma crítica. Compare fatos, estabeleça analogias, identifique atitudes contraditórias e veicule diferentes versões sobre o mesmo acontecimento. A Folha pretende exercer um jornalismo crítico em relação a todos os partidos políticos, governos, grupos, tendências ideológicas e acontecimentos’.
Jornalismo Moderno – ‘Entende-se por moderna a introdução na discussão pública de temas que não tinham ingressado nela, de novos enfoques, novas preocupações, novas tendências’.
Pluralismo – ‘Numa sociedade complexa, todo fato se presta a interpretações múltiplas, quando não antagônicas. O leitor da Folha deve ter assegurado seu direito de acesso a todas elas. Todas as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar representadas no jornal’.’