“Nosso homem em Teerã” é uma série de vídeos produzida pelo jornalista Thomas Erdbrink, chefe da sucursal do New York Times no Irã, e coproduzida pela emissora de TV holandesa VPRO. O documentário mostra a rotina em um país onde, nas palavras do próprio Erdbrink, “nada é o que parece”.
É um tanto quanto peculiar para o Times voltar-se à cobertura da rotina da República Islâmica, não só porque o Irã é um país em frequente tensão política com os Estados Unidos, mas também porque a abordagem de Erdbrink desmistifica por completo a cultura local, exibindo-a de uma forma diferente daquela conhecida pelo Ocidente.
No entanto, é possível compreender muito bem a mudança de prisma. Ela passa muito mais pela necessidade de agarrar o público do que pela vontade de mudar a linguagem do jornalismo. Pelo menos é esta a visão de David Uberti, jornalista da Columbia Journalism Review, que conversou com Erdbrink sobre o trabalho.
Jornalismo cru
Uberti lembra que a Vice foi pioneira na popularização de minidocumentários exibidos na internet nos últimos anos, colocando repórteres na posição de guias dos espectadores por situações estrangeiras de um jeito mais cru e menos formal, que tendia a se afastar do jornalista tradicional – muito embora sem fugir de temas espinhosos, como as rebeliões em Ferguson, nos EUA, ou a guerra civil na Ucrânia. “Nenhuma empresa jornalística tradicional foi capaz de combinar de forma consistente a ‘assistibilidade’ da Vice com as sensibilidades jornalísticas da velha-guarda”, comenta Uberti no artigo para a CJR. Isto, obviamente, refletiu-se no crescimento do público.
Foi exatamente para angariar este novo público que dois gigantes da indústria, o Times e a CNN, procuraram encontrar o mesmo equilíbrio oferecido pela Vice, produzindo reportagens em vídeo a partir de perspectivas pessoais dos repórteres. Além da série com Erdbrink, o Times também publicou narrativas no Iêmen quando o país entrou em conflito. A CNN, por sua vez, lançou uma série sobre política na web.
Uberti diz que, embora tais narrativas em primeira pessoa não sejam capazes de substituir a comunicação tradicional ou a análise necessária para transmitir os aspectos mais importantes das hard news, elas oferecem um prato saboroso ao espectador. Ele crê também que, desta forma, a história acaba ganhando profundidade, pois aborda ângulos da cobertura que nunca poderiam figurar na primeira página.
Sucesso em mídias sociais
As narrativas em tom pessoal também fazem sucesso nas redes sociais. De acordo com a ferramenta de aferição de compartilhamentos Muck Rack Analytics, o primeiro vídeo de Erdbrink no Irã foi compartilhado mais de 30 mil vezes, 13 vezes mais do que o compartilhamento da manchete do Times publicada no mesmo dia.
Este resultado, no entanto, não é visto como surpreendente. Michael Slackman, editor internacional do Times, acredita que o formato favorece muito mais a compreensão do público e que, muitas vezes, aos olhos do espectador, é bom conhecer outro ângulo em vez da simples tensão política entre Teerã e Washington.
“Eu defino em uma palavra: autenticidade”, diz Ed O’Keefe, vice-presidente da CNN Politics e ex-editor-chefe do NowThisNews. “Você quer um bom repórter, um escritor excepcional, alguém capaz de se impor na frente de uma câmera. Mas o verdadeiro motivo do sucesso por trás destas séries é a autenticidade.”
O’Keefe também acredita que há uma tentativa de alcançar um público que não necessariamente assistiria aos jornais tradicionais da CNN, por exemplo. Mesmo assim, ele não se diz insatisfeito com o novo formato, pois a procura pelos vídeos superou as expectativas, tanto que a CNN vai lançar mais três séries com narrativa em primeira pessoa nos próximos meses.
Fim da neutralidade jornalística?
Mesmo com tanto sucesso, Uberti não ignora o fato de alguns temerem esta abordagem centrada no repórter, afinal ela acaba colocando o jornalista como personagem da história, e não como um narrador neutro, tal como sempre foi. Uberti ainda não enxerga motivo para alarde, no entanto; ele observou que tanto os repórteres do Times quanto os da CNN fizeram apenas uma mera revelação da metodologia de um trabalho jornalístico ao espectador, e nada além.
O próprio Erdbrink diz que ele não é o foco de sua série, e sim uma figura familiar que “toma as pessoas pela mão e as leva a conhecer outras pessoas no Irã”.