Correio Braziliense, 4/3 Tiago Pariz Ministra da Cultura tenta dissipar turbulências na pasta Depois da reformulação da área de direitos autorais, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, indicou ontem o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos para a Fundação Casa de Rui Barbosa, numa tentativa de estancar a evolução da crise na pasta. Ele ocupará o cargo que seria do sociólogo Emir Sader, mas o petista perdeu o posto depois de usar o termo ‘meio autista’ para definir a ministra. Os problemas no ministério começaram quando Ana de Hollanda sinalizou que não iria dar continuidade à reformulação da lei de direitos autorais, ponto que vinha sendo debatido desde a época de Gilberto Gil à frente da pasta. Essa defesa fez a ministra entrar em rota de colisão com Marcos Souza, então chefe da Diretoria de Direitos Intelectuais e principal defensor da renovação do setor. Souza acabou demitido e, para o lugar dele, Ana de Hollanda convocou Márcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia-Geral da União, indicada por pessoas ligadas ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). A troca foi vista como um gesto de que o projeto seria abandonado. Mas Márcia assumiu o cargo, avisou que não tinha posições pré-concebidas e nem era contra uma nova legislação autoral. Acabou prometendo manter o debate aquecido. A tranquilidade que Ana de Hollanda espera conseguir a partir de agora no ministério, entretanto, ainda é incerta na Fundação Casa de Rui Barbosa, na visão de Wanderley Guilherme dos Santos. ‘Nesse episódio, ninguém foi visto pelo ângulo favorável, nem a ministra, nem o professor Emir, nem a fundação’, afirmou o cientista político, que não sabe como estará a disposição dos pesquisadores após o episódio. ‘É surpreendente um intelectual de alta respeitabilidade e envolvido com política internacional e com os partidos políticos ter dito algo do tipo’, completou, atribuindo a declaração de Sader a uma frase tirada do contexto. A solução encontrada pela ministra para a fundação foi vista com bons olhos pelo Palácio do Planalto. A avaliação é que ela evitou a sobreposição da turbulência criada por Sader com a polêmica sobre a reformulação da lei de direitos autorais. A presidente Dilma Rousseff bancou a definição de Ana de Hollanda para fortalecer a subordinada e conter petistas insatisfeitos com o começo de gestão na Cultura. Presidente reforça confiança em Lupi Depois de ter sido excluído da reunião entre a presidente Dilma Rousseff e os líderes dos partidos da base aliada, realizada na quarta-feira, o PDT voltou a sorrir. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado da sigla, encontrou-se com Dilma ontem e, após o compromisso, a presidente fez questão de ressaltar que ele é de ‘inteira confiança’. ‘Queria entender por que o ministro Lupi não ficaria (no cargo)’, disse. Na Câmara, o PDT também respirou aliviado. O governo já convidou o líder da sigla, Giovanni Queiroz (PA), para participar da próxima reunião com a base aliada. Folha de S. Paulo, 10/3 Juca Ferreira Autos judiciais são arquivos culturais Entre as inúmeras medidas propostas no projeto do novo Código de Processo Civil, há uma que tem sido recorrente e que, além das interpretações jurídicas e administrativas, destaca-se quando analisada sob uma perspectiva cultural. São bem-vindas quaisquer medidas que agilizem a Justiça, e são legítimas as preocupações com o custo de armazenamento de autos judiciais concluídos, mas sua destruição é monstruosamente danosa para a preservação da cultura. Não se aprende sem memória. ‘Incinerar’ ou ‘reciclar’ autos judiciais concluídos significa eliminar fonte substancial de nossa história. Alio-me àqueles que se mobilizam para garantir a perpetuidade desses arquivos. Lamentavelmente, nossa história registra momentos em que medidas legais ampararam a destruição de autos judiciais. Como seria mais rico o conhecimento da nossa história se tivéssemos em mãos milhões de registros de nossa vida social, política e econômica que acabaram se perdendo, pelas razões mais variadas! A avaliação histórica atribuída a um documento está historicamente determinada. Não bastasse ser a história um processo de reinterpretações contínuas. As correntes contemporâneas da historiografia recuperaram a importância da história cotidiana, da vida das pessoas comuns, dos pequenos fatos sociais, culturais e econômicos que talvez não pareçam relevantes vistos isoladamente, mas que, estudados em seu conjunto, podem indicar a direção e a força dos processos sociais que fazem a história. Tudo isso espantosamente acontece quando as novas tecnologias de registro, preservação e multiplicação de textos nos colocam, pela primeira vez, diante da possibilidade de criar arquivos gigantescos de informação em um pequeno espaço, e com instrumentos que permitem, em pouco tempo, levantar e interpretar uma quantidade assombrosa de dados. O pesadelo burocrático dos séculos 19 e 20, que se traduzia em cordilheiras de documentos ilegíveis e desordenados, deixa de existir nos tempos da cultura digital. Nunca foi tão fácil e tão rápido rastrear dados, reuni-los, quantificá-los, compará-los, extrair hipóteses e conclusões. Seria uma enorme contradição se, justamente na hora em que a tecnologia nos fornece tais ferramentas, destruíssemos nossos arquivos baseados em receios e princípios de um tempo que está em vias de desaparecer. Esse é um passo atrás no esforço que fazemos. Nunca se investiu tanto em ações de valorização do acervo documental. O Ministério da Cultura, por meio de instituições a ele vinculadas, tem um trabalho de referência na preservação de documentos, como a Biblioteca Nacional, a Fundação Casa de Rui Barbosa, e, especialmente no campo do audiovisual, o CTAV – Centro Técnico Audiovisual, no Rio de Janeiro, e a Cinemateca de São Paulo. Em associação com o Projeto Brasiliana, da USP, o MinC está gerando um modelo de biblioteca digital que pode ser compartilhado e servir de plataforma para outras iniciativas na preservação de acervos, por meio da sua digitalização. Paralelamente, também investimos na recuperação de acervo documental. A documentação deve ser preservada também fisicamente, além de reproduzida em bancos de dados digitalizados, segundo norma arquivística internacional. Do contrário, nunca saberemos quem somos – e o que somos nos pegará sempre de surpresa e despreparados. História e cultura são aspectos indissociáveis da memória de um povo. Um país que não pode recuperar a própria memória é um país com uma visão limitada de si mesmo. JUCA FERREIRA é sociólogo. Foi ministro da Cultura (governo Lula).