Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mitos ofuscam espírito inovador do lendário magnata

Em artigo publicado na BBC News, W. Joseph Campbell, professor da Escola de Comunicação da Universidade Americana em Washington e autor do blog Media Myth Alert, tenta esclarecer mitos sobre uma figura controversa da história da imprensa: o magnata de mídia William Randolph Hearst, “que vive, 60 anos após sua morte, como o mítico bicho-papão do jornalismo americano”.

“Hearst costuma ser lembrado como o irresponsável magnata de mídia do fim do século 19 e início do 20 que estabeleceu padrões sob os quais o jornalismo não deve ser praticado”, diz ele, para ressaltar que “sua reputação não é de todo justa, mas não de todo uma surpresa”.

O professor afirma que Hearst era uma “figura contraditória” e que a fortuna que herdou do pai fez dele uma pessoa instantaneamente antipática. Ele cita David Nasaw, um dos biógrafos do empresário, para defini-lo:

“William Randolph Hearst era um homem enorme com uma voz fraca; um homem tímido que ficava confortável diante de multidões; um defensor da guerra em Cuba e no México, mas um pacifista na Europa; um chefe autocrático que não podia demitir ninguém; um marido dedicado que vivia com sua amante; um californiano que passou metade da vida no Leste [dos EUA]”.

Diante de tantas contradições, “não é surpresa que Hearst fosse, e continue a ser, objeto de tanta fábula e engano”. Filho de um empresário que fez fortuna no setor de mineração e acabou tornando-se político, Hearst largou Harvard para entrar na indústria jornalística por cima: como publisher do jornal San Francisco Examiner, que havia sido comprado pelo pai. Em 1895, mudou-se para a costa leste para comprar o New York Journal, que transformou em um extravagante diário – e onde nasceu o termo “jornalismo amarelo”, que em português foi cunhado como “imprensa marrom”. No auge do sucesso, o grupo de mídia Hearst Corporation era dono de 28 jornais, 18 revistas, estações de rádio e até uma produtora de cinema.

Murdoch e Kane

Em seu artigo, Campbell trata de alguns mitos sobre a vida do empresário de mídia, entre eles o de que seus jornais teriam sido responsáveis por impulsionar a Guerra Hispano-Americana. “Aquele conflito, em análise final, foi consequência de um impasse diplomático de três lados que estava bem além do poder de influência do grupo Hearst”, diz o professor.

Outro “mito”, diz Campbell, são as comparações entre a carreira do magnata morto há 60 anos e a trajetória do australiano Rupert Murdoch, dono do grupo de mídia News Corporation. Há quem avalie que, olhando para a história de Hearst, seria possível prever o império de mídia construído por Murdoch. O professor discorda. “Os paralelos com Murdoch, ainda que intrigantes, são em sua maioria superficiais e enganosos. Hearst nunca desenvolveu nada parecido com o império de mídia global estabelecido por Murdoch”, afirma.

Ele aponta diferenças na ligação dos dois empresários com a política. “Ao contrário de Hearst, Rupert Murdoch nunca tentou um cargo público. E Murdoch, cidadão naturalizado americano, nunca seguiu as ambições políticas que inspiravam e ao mesmo tempo frustravam Hearst”, lembra.

Em 1904, Hearst usou seus jornais como plataforma para tentar a nomeação pelo Partido Democrata à disputa presidencial, mas não conseguiu. Posteriormente, concorreu aos cargos de governador e prefeito do estado e cidade de Nova York, e novamente perdeu.

Campbell cita o filme Cidadão Kane, de Orson Welles, como uma ferramenta importante para se analisar a vida de Hearst. O longa de 1941 contava a história do personagem Charles Foster Kane, magnata da imprensa americana, e foi inspirado livremente em fatos da vida do empresário. Hearst não gostou e proibiu qualquer menção ao filme em seus jornais.

Jornalismo de ação

Mas o professor ressalta que o longa metragem e a constante criação de mitos sobre a figura de Hearst acabaram por ofuscar o reconhecimento de que o magnata foi, pelo menos em seus primeiros anos na indústria jornalística, uma figura inovadora.

Durante a segunda metade dos anos 1890, ele estimulou um ponto de vista ativista sobre o jornalismo, batizado de “jornalismo de ação”, em que os jornais teriam obrigação de penetrar de forma consistente na vida pública para cuidar dos males que não eram tratados pelo governo.

O auge do “jornalismo de ação” ocorreu em outubro de 1897, quando um repórter do New York Journal liderou a fuga de Havana de uma prisioneira política de 19 anos. Auxiliado por cúmplices cubanos, o jornalista conseguiu levar a jovem de navio para Nova York, onde foi recepcionada com festa por Hearst. Campbell ressalta que, em alguns aspectos, o “jornalismo de ação” de Hearst ecoava a ideia do pioneiro do jornalismo investigativo britânico William T. Stead de “governo pelo jornalismo”, proposta uma década antes.

O compromisso de Hearst com o “jornalismo de ação” acabou minado por suas ambições políticas. Ao mesmo tempo, o rival Adolph Ochs, que havia comprado um quase falido New York Times em 1896, passou a defender um jornalismo imparcial, completamente oposto ao modelo ativista. A “ideia” de imparcialidade venceu, e este acabou se tornando o modelo tradicional do jornalismo.

Hearst morreu em 14 de agosto de 1951, aos 88 anos, em Bervely Hills, na California.