Um tema polêmico volta ao debate no campo do jornalismo: o sensacionalismo. Sempre existiu, oscilando entre o escancarado, que parte da ideia do sensacional, do exagero, do apelativo, e – o pior deles – o que aparece metamorfoseado de notícia séria. Há sempre explicações e justificativas para ambos os casos.
O exemplo mais recente aconteceu na Itália. Cerca de 3,5 milhões de telespectadores assistiam, ao vivo, ao programa Chil’ha Visto, da emissora pública RAI, especializado em pessoas desaparecidas. Naquele dia, tratava do desaparecimento da adolescente italiana de 15 anos, Sarah Scazzi. A mãe, Concetta Serrano, aceitou participar do programa na esperança de obter alguma notícia sobre sua filha. Quem sabe alguém poderia dar informação sobre a desaparecida ao ver a mãe na televisão?
A transmissão era feita diretamente da casa do cunhado de Concetta, onde estava a família. Até que em determinado momento a apresentadora do programa leu a informação de que a adolescente havia sido encontrada morta e, pior, assassinada pelo tio, o cunhado dono da casa. A mãe ficou petrificada enquanto a transmissão seguia informando que, naquele momento, o cunhado já estava preso e havia confessado. O programa seguiu por longos oito minutos, fixado na reação de Concetta, que permanecia imóvel enquanto a apresentadora falava. Até que esta finalmente perguntou se a mãe desejava terminar o programa e ir para casa, ao que ela responde ‘acho que é melhor’. Ainda assim, a transmissão continuou por mais três minutos, enquanto Concetta saía da sala.
Uma ferramenta aparentemente fácil
O caso chocou a Itália e provocou uma onda de protestos. Muitos especialistas e telespectadores censuraram o comportamento da emissora RAI e o aproveitamento sensacionalista do caso. A emissora respondeu às críticas dizendo que ‘tentou reagir a uma situação muito trágica da forma mais delicada possível’.
Este é apenas mais um exemplo. Temos muitos outros no Brasil, geralmente associados à exploração da violência das ruas ou à vida das pessoas públicas. A mistura proposital entre notícia, invasão da privacidade e exposição das fragilidades humanas é regra em boa parte dos jornais e, mais ainda, de emissoras de televisão. O que almejam os que agem desta maneira? Audiência. E não há regras que o proíbam. Não há qualquer agência reguladora que acompanhe as emissões. Tal assunto é tratado sempre como restrição à liberdade de imprensa. De fato, uma questão delicada, mas que merece uma discussão mais aprofundada.
Escrevo este artigo assistindo – ao vivo – ao trabalho de resgate dos 33 mineiros chilenos. Uma cobertura extremamente emocionante, sem exageros. A emoção – legítimo componente do jornalismo – está ali, natural, espontânea, como parte da vida que é retratada pelo jornalismo. O fato em si foi suficientemente humanitário, comovente, sem a necessidade de apelo. Mas havia como espetacularizar o caso? Com certeza, sempre há.
Num momento em que se discute em todo o mundo o futuro do modelo dos meios de comunicação tradicionais (rádio, TV, jornal, revistas) diante das facilidades das mídias digitais e da mudança de comportamento do consumidor, o apelo ao sensacionalismo torna-se uma ferramenta aparentemente fácil para aumentar audiências e venda de jornais, postergando o problema. Fácil, mas perigosa. O adiamento das mudanças que precisarão ocorrer pode acabar apressando a morte de quem não encontra a forma de evoluir.
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Jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação