Era abril de 1961, quando o foto repórter Serghej Smirnov do jornal Soviético Izvestia (As notícias) recebeu ordens do diretor geral para fotografar, Nikita Krusciov, Primeiro Secretário do PCUS (Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética) no momento que este beijaria na boca (hábito russo) Yuri Gagarin, que tinha acabado de chegar do primeiro vôo orbital de um homem entorno da Terra. Disse-lhe o diretor que ele deveria seguir passo a passo Gagarin e acrescentou: ‘Você vai ver que no momento oportuno Nikita o vai beijar na boca. Fique tranqüilo, sei com certeza que vai acontecer e você estará lá testemunhando um gesto que todos os russos gostariam de fazer, e nós vamos imortalizar na primeira página, furando o Pravda (A verdade). Esse diretor chamava-se Alexsei Ivanovic Agiubei, que além disso era deputado no Soviet Supremo e, o mais importante, genro de Nikita Krusciov.
Alexsei colocou à disposição Smirnov um helicóptero, mas este preferiu ir mesmo de táxi. Ele hoje com 83 anos, conta como tudo aconteceu: ‘Disse ao motorista que me esperasse com o motor ligado junto a Igreja de São Basílio na Praça Vermelha (Moscou). Kursciov beijou Gagarin, como estava previsto e eu estava lá com minha máquina. Voltei correndo para o jornal, só faltava minha foto para rodar a edição. Passou-se pouco mais de uma hora e eu voltei à Praça Vermelha com alguns jornais ainda cheirando a tinta. Entreguei um a Krusciov e outro Gagarin e mais uma vez os fotografei enquanto liam o Izvestia com do beijo na primeira página.’ Esta foi a notícia mais importante da historia do diário.
O Izvestia está completando seu 90 anos, seu primeiro número circulou em 1917 como porta voz dos menchevistas (facção minoritária do Partido Operário Social-Democrata dos Trabalhadores Russos).
Agiubie, valendo-se do sogro, fez uma direção brilhante e atrevida no contesto do regime soviético. Foi comendo pelas beiradas uma autonomia impensável para a época, o periódico tinha-se tornado popular porque modernizara as informações, dedicando espaços às reportagens de costumes, às agências noticiosas do ocidente, às veladas criticas à obtusidade burocrática e porque publicava as melhores fotografias.
Há meses está sendo festejando seu aniversário e Smirnov continua seu depoimento. ‘Aquilo que passou por nossas páginas é a nossa vida. Graças a isso não caiu no olvido. O jornal pode dizer com coragem que sempre esteve com o seu povo. Lá onde estivesse nosso povo por sorte ou por infortúnio.’ A vida de Sergej é a metáfora disso tudo: ele sobreviveu à assustadora carnificina da Segunda Guerra Mundial, à Grande guerra patriótica, passou incólume ao longo das insidiosas mudanças de poder no Kremlin; suportou a queda da União Soviética com o caos que se seguiu: o consumismo desenfreado, a criminalidade impune, o oligarquismo .
Esteve no Afeganistão quando as tropas russas o invadiram e na Chechênia, a guerra suja que a pobre Ana Politvoskaja descreveu como o lugar da ‘desonra russa’. Agora, retornou de um trabalho onde fotografou uma mega operação contra a caça ilegal no Mar Cáspio. Chegou a tempo de ser premiado na exposição fotográfica no Museu de História Contemporânea de Moscou, onde são mostradas as melhores imagens arquivadas no Izvestia: guerras e revoluções, encontro de políticos, paradas militares, heróis do trabalho e do espaço. E a exposição fez questão de mostrar as fotografias dos anos de expurgo sob Stálin, com uma série delas onde, junto aos líderes ‘inoxidáveis’, uma mão anônima cancelou os rostos dos dignatários caídos em desgraça.
O obscurantismo czarista, a repressão durante o período comunista e a desorganização da vida atual, fizeram do russo um piadista de suas próprias desgraças. Conta-se que um russo pergunta a o outro, ‘não sei por que temos que ter dois jornais oficiais, O Pravda (A Verdade) e o Izvestia (As notícias)?’ Ao que o outro reponde: ‘É porque no Pravda não tem notícias e no Izvestia não tem a verdade.
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Jornalista