Os boatos correm com a rapidez da luz. E quando envolvem um conflito cheio de contradições e paixões, como o que opõe palestinos a israelenses, no qual toda informação pode ser distorcida com fins de propaganda, a verdade se faz urgente. Pois o melhor antídoto contra o veneno dos boatos é a verdade dos fatos.
Os dias que se seguiram à morte de Yasser Arafat mostraram que boatos podem tornar mais sinuoso e difícil o caminho que leva à paz entre palestinos e israelenses. A escalada do ódio é a conseqüência imediata das histórias mal elucidadas. Os boatos de que o presidente da Autoridade Palestina teria sido envenenado por Israel, com a cumplicidade de palestinos, se espalhou por Gaza e pela Cisjordânia e só será esclarecido quando o sobrinho de Arafat divulgar os laudos médicos que confirmarão ou afastarão de vez essa hipótese.
Cena polêmica
Na semana passada, para estabelecer uma outra verdade e pôr fim a boatos que se espalham via internet, o canal público de televisão France 2 deu início a uma ação na Justiça. Os autores dos boatos querem fazer crer que houve manipulação numa reportagem do canal, divulgada no mundo inteiro no dia 30 de setembro de 2000. Um grupo judaico de extrema direita chegou a conceder, em outubro de 2002, o ‘Prêmio Goebbels da Desinformação’ ao correspondente permanente de France 2 em Jerusalém, Charles Enderlin, por causa dessa reportagem. No ano passado, até mesmo um livro foi lançado acusando France 2 de ter encenado tudo com atores. Recentemente, um deputado do partido de direita UMP, Roland Blum, questionou o ministro da Comunicação sobre esta história, que continua a ser divulgada na internet.
Foi então que os responsáveis pelo jornalismo de France 2 resolveram entrar com ação na Justiça contra X por difamação, para identificar os autores das acusações. E também para, com uma decisão da Justiça em mãos, acabar de vez com a suspeita.
Na cena da polêmica reportagem, vê-se um garoto palestino, Mohamed El Dura, tentando se proteger com seu pai, Jamel, do tiroteio entre o exército israelense e militantes palestinos, em Gaza. O menino morreu diante do cameraman de France 2, Talal Abou Rahmeh, cujas imagens foram comentadas por Charles Enderlin, o melhor e mais respeitado correspondente francês no Oriente Médio, autor do livro Le Rêve Brisé: Histoire de l’échec du processus de paix au Proche Orient-1995-2002 (Ed. Fayard) e de um documentário homônimo.
Postura ética
A diretora de jornalismo de France 2, Arlette Chabot, convocou a imprensa, na semana passada, para mostrar a reportagem já conhecida e exibir outras imagens da mesma cena feitas por outra agência. Chabot mostrou, ainda, imagens do rei da Jordânia, Abdallah, em visita ao hospital militar de Amã, onde Jamel El Dura, pai de Mohamed, foi tratado. Em entrevista mais recente, o pai do garoto se identifica e mostra os ferimentos das balas que recebeu. O pai mostra também imagens de Mohamed no necrotério e os ferimentos a bala que o mataram.
Agora, cabe à Justiça francesa decidir se Enderlin e seu cameraman são dois farsantes ou se as acusações não passam de propaganda.
Mas os problemas não acabarão aí. A guerra de propaganda vai continuar.
Depois de ter a garantia da Justiça de que as imagens são reais e que Mohamed foi mais uma vítima inocente desse conflito insano, vai ser preciso provar que os tiros foram dados pelo exército israelense, e não pelos palestinos, como alegaram alguns israelenses na época.
Essa investigação não é problema do canal francês. Cabe ao exército israelense fazer um inquérito, se houver dúvida. Para os jornalistas franceses, o importante era restabelecer a postura ética da equipe do canal France 2.