Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Novos documentos provocam corrida entre jornais

Diversas organizações de notícias nos EUA e Europa participaram, na noite de domingo [24/4], de uma corrida pela publicação de uma nova leva de documentos obtidos pela organização WikiLeaks sobre prisioneiros na base militar de Guantánamo. A existência dos papéis foi discutida e aguardada por meses. E alguns veículos de comunicação tinham um acordo com o WikiLeaks para só publicar as informações depois que a organização as divulgasse em seu site. Este embargo foi atrapalhadamente suspenso no domingo e levou à correria dos veículos de comunicação.

O que parece ter levado à suspensão do embargo foi o plano do New York Times e da NPR (National Public Radio) de, em conjunto, divulgar as informações dos documentos na noite de domingo. O New York Times estava fora do acordo de proibição porque havia recebido as informações de ‘outras fontes’, e não diretamente do WikiLeaks. O diário não revelou de onde as obteve.

Espera demorada

Segundo matéria de Michael Calderone no Huffington Post [25/4/11], os rumores sobre os documentos de Guantánamo tiveram início no fim de 2010. Julian Assange, o fundador e chefe maior do WikiLeaks, teria afirmado a alguns de seus contatos mais próximos na mídia que sua organização havia recebido documentos com detalhes sobre todos os detentos da base militar americana em Cuba. Se a informação fosse verdadeira, diz Calderone, o WikiLeaks estaria mais uma vez no centro de um grande vazamento de documentos secretos do governo dos EUA, seguindo uma grande leva, ao longo do último ano, de revelações de papéis oficiais sobre diplomacia internacional e as guerras do Iraque e Afeganistão. Ou seja: seria algo quente. Mas cinco meses se passaram e nada dos documentos aparecerem.

O New York Times e a NPR – que produzem um banco de dados sobre os prisioneiros de Guantánamo – chegaram a discutir, meses atrás, o que fariam caso obtivessem os documentos. Há algumas semanas, o Times informou à chefe da unidade de jornalismo investigativo da NPR que havia obtido os papéis. O jornalão nova-iorquino também os forneceu ao britânico Guardian – que meses antes havia fornecido ao Times telegramas vazados de centenas de embaixadas e consulados americanos. Assange já estava brigado com o Times, e posteriormente também cortou relações com o Guardian.

Parceria

Do outro lado da história, veículos de mídia ‘parceiros’ do WikiLeaks também haviam recebido os papéis e podiam estudá-los – são mais de 700 documentos com data inicial de 2002 –, mas só poderiam publicar informações sobre eles quando a organização de Assange desse seu OK. Este tipo de acordo já havia sido feito nos outros grandes vazamentos do WikiLeaks: os veículos de comunicação aceitam receber documentos secretos sob a condição de só divulgá-los depois que a organização o fizer.

Depois de se estranhar com o Times, Assange passou a buscar novos parceiros nos EUA. No início do ano, começou a trabalhar em conjunto com a editora de jornais McClatchy e com o Washington Post – as duas organizações receberam os documentos de Guantánamo no fim de março. Jornais fora dos EUA também receberam os papéis diretamente do WikiLeaks. Entre eles estão o Telegraph, no Reino Unido, El País, na Espanha, o francês Le Monde e o alemão Der Spiegel.

Ângulos diferentes

Enquanto estas organizações de mídia checavam os papéis recebidos, Times e NPR – também em posse dos documentos – continuavam a trabalhar de maneira colaborativa. A repórter Margot Williams, da NPR, havia trabalhado no banco de dados do Times e tinha ‘conhecimento enciclopédico’, como ressaltou o editor-executivo da NPR, Dick Meyer, sobre os prisioneiros levados a Guantánamo após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Havia troca de material e informações, e as duas organizações também procuraram juntas membros do Pentágono para discutir questões reveladas pelos documentos. Mas Times e NPR concordaram em seguir ângulos diferentes e produzir seu conteúdo separadamente. Segundo Meyer, as duas concordaram com algumas modificações pedidas por oficiais do governo, mas argumentaram que não cederiam a todas porque a divulgação de determinados detalhes dos documentos eram claramente de interesse público e não prejudicariam de forma alguma a segurança nacional.

Disputa

Times e NPR planejavam publicar seus materiais na noite de domingo, mas acabaram os divulgando um pouco mais cedo do que o esperado depois que o britânico Telegraph soltou seu próprio artigo sobre o caso. O WikiLeaks havia, no fim da tarde, notificado suas organizações parceiras sobre o fim do embargo dali a duas horas. Elas tiveram, então, que correr para terminar suas matérias e publicá-las o mais rápido possível. Uma repórter do Miami Herald, jornal que pertence à McClatchy, contou que a redação foi pega de surpresa com a mudança de planos.

No fim das contas, depois do Telegraph, o Times foi o segundo a conseguir publicar sua matéria. NPR veio em terceiro, seguida por Washington Post e Miami Herald. O WikiLeaks comemorou a vitória na corrida em uma mensagem no Twitter: ‘Domschiet [Daniel Domscheit-Berg, ex-membro que escreveu um livro sobre o WikiLeaks], NYT, Guardian tentaram spoiler de Guitmo [abreviação de Guantánamo] contra nossa coalizão de 8. Nós tivemos a informação e publicamos antes’.

Os documentos dão conta de que pelo menos 150 prisioneiros na base militar depois dos ataques terroristas de 2001 eram afegãos e paquistaneses inocentes, detidos durante operações em zonas de guerra. Muitos deles ficaram anos presos sem provas. Por outro lado, mais de uma centena de prisioneiros que receberam a classificação ‘de alto risco’ e eram considerados ameaças aos EUA foram libertados. O presidente dos EUA criticou a divulgação dos documentos secretos. Barack Obama ainda não divulgou uma data para sua promessa de que fecharia a prisão de Guantánamo.