Na cobertura de uma guerra de várias frentes como a do Iraque, os correspondentes precisam se movimentar o tempo todo – a menos que queiram se tornar correspondentes de uma guerra observada da janela de hotel cinco estrelas de Bagdá. E mesmo esses correm risco, como se viu no início da guerra, com o bombardeio no Hotel Palestina, quando foram mortos três jornalistas.
A verdade é que o país dominado por soldados da coalizão liderada pelos Estados Unidos não é exatamente um lugar seguro para quem precisa cobrir os acontecimentos. Viajar de uma cidade a outra, por estradas cheias de soldados, tanques e armas de guerras – mas também de terroristas, de resistentes islâmicos e de bandidos comuns – é um desafio diário.
Além das as barreiras que a própria guerra impõe existe uma outra: a da língua. Mesmo falando o árabe fluentemente, o correspondente no Iraque precisa de alguém que conheça bem o país para abrir caminho e guiá-lo, mesmo quando vai a um encontro marcado. Quando não fala árabe, esse guia vira guia e intérprete, às vezes também motorista. Muitas vezes é o guia quem indica ao correspondente a pessoa certa a ser entrevistada – e marca o encontro.
Era esse o papel de Mohammed al-Joundi, um senhor de cabelos grisalhos, de origem síria, que ficou conhecido no mundo inteiro, principalmente na França, por sua aventura de seqüestrado juntamente com os jornalistas Christian Chesnot e Georges Malbrunot. Libertado antes dos jornalistas, al-Joundi foi trazido à França e encheu de esperança o país que logo depois festejou a libertação dos jornalistas. Al-Joundi deu depoimento às autoridades de segurança, mas o Quai d’Orsay o controlou perfeitamente para que nenhuma declaração à imprensa viesse a atrapalhar a libertação de Chesnot e Malbrunot.
O rosto de al-Joundi, que figurava diante da sede da prefeitura de Paris e em todos os jornais diariamente, ficou tão conhecido na França quanto os de Chesnot e Malbrunot. Durante os quatro meses em que os três ficaram presos, a mídia francesa diariamente lembrava com as três fotos o número de dias em que estavam nas mãos do grupo islâmico que reivindicou o seqüestro.
Profissão: perigo
O mais novo seqüestro de jornalista, o da italiana Giuliana Sgrena, só não foi duplo, incluindo o guia e intérprete, porque este conseguiu se desvencilhar dos que tentavam agarrá-lo. A jornalista foi levada sozinha por um comando islâmico, que exigiu logo depois a retirada das tropas italianas do país. E o intérprete pôde contar à polícia como a ação foi rápida.
Já Hussein Hanoun, o guia e intérprete da jornalista do Libération Florence Aubenas, teve menos sorte e foi levado junto com ela. Ambos estão desaparecidos desde 5 de janeiro e imagina-se que estejam no mesmo cativeiro. Até hoje, segundo as autoridades francesas, que falam o mínimo possível do assunto, o seqüestro não foi reivindicado. Por isso, e por outros indícios não revelados, imagina-se que o seqüestro tenha motivações financeiras. O diretor-geral do jornal Libération, Serge July, disse na quinta-feira (17/2), ao sair de um encontro com o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, que estava inquieto pois não tinha prova alguma de que a jornalista e seu guia estavam vivos.
Segundo o jornal Le Monde, ser acompanhante, tradutor e guia de jornalistas no Iraque virou uma profissão. Eles podem ser ex-funcionários do antigo regime e muitos possuem agendas e contatos extremamente úteis. Os franceses os chamam de fixeurs e americanos e japoneses os disputam a peso de ouro. Os jornais de todos os países que têm correspondentes no Iraque incluem o preço do fixeur nos custos da cobertura.
Qual a utilidade do fixeur e de onde vem a palavra? Vem do verbo inglês ‘to fix’, organizar, marcar. O fixeur pode ser fundamental para fazer contatos com autoridades ou fontes bem informadas, pois na maioria das vezes é iraquiano, conhece bem o país e os seus costumes. E esse é o principal problema dos jornalistas ocidentais no Iraque. Dependem de quem os leve aos lugares certos com segurança e, depois, faça o papel de tradutor. Mas que um jornalista não tenha a má idéia de ir com seu guia sunita em terras xiitas ou vice-versa…
‘Eles não querem estrangeiros’
O fixeur é uma espécie de fac-totum, um abre-te-sésamo para os correspondentes que se apóiam neles com cega confiança. Correspondentes entrevistados pela imprensa francesa contaram que eles dirigem os carros e são capazes de desviar rapidamente, dando meia-volta de um caminho que tomaram, baseados em quase imperceptíveis sinais de perigo. E em geral sempre têm razão.
Na segunda-feira (14/2), um concerto no Olympia, em Paris, reuniu grandes nomes da canção francesa, Charles Aznavour à frente, para mobilizar o máximo de pessoas pela libertação das duas jornalistas seqüestradas no Iraque. Mas tanto no Olympia quanto em todos os locais públicos da França, a foto do fixeur de Florence Aubenas, Hussein Hanoun, ocupa o mesmo espaço que as fotos das jornalistas.
A italiana Giuliana Sgrena, enviada especial do jornal comunista Il Manifesto, fez um apelo dramático no vídeo divulgado na quarta-feira (16/2), na Itália. Depois de pedir a retirada das tropas de seu país, exigência dos seqüestradores, Giuliana afirmou que os iraquianos não querem mais estrangeiros no país. ‘Ninguém deve vir ao Iraque agora, nem mesmo os jornalistas. Eles não querem estrangeiros aqui.’
Neste ponto, Giuliana dava razão ao presidente francês Jacques Chirac, que há um mês declarou aos jornalistas que o Iraque não oferece condições mínimas de segurança para o trabalho de correspondentes. O Chirac foi muito criticado pela imprensa francesa, que não quer ser impedida nem por terroristas nem pelo bom senso do presidente de cobrir os acontecimentos do Iraque.
Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 54 correspondentes e seus colaboradores foram mortos no Iraque desde o início da guerra.
Em tempo
Na terça-feira, 15/2, o ministro da Justiça Dominique Perben recebeu diretores de alguns dos maiores jornais e revistas franceses. Eles foram defender o princípio de defesa do segredo das fontes jornalísticas. Entre os jornalistas recebidos por Perben estavam o diretor do Le Point, Franz-Olivier Giesbert, o diretor de redação do Nouvel Observateur, Laurent Joffrin e o presidente do diretório do Le Monde, Jean-Marie Colombani, além de Francis Morel, diretor-geral do jornal Le Figaro.
Os jornalistas franceses querem que a lei de 1881 sobre a imprensa seja modificada para melhor garantir o segredo das fontes de informação.