A recente decisão da Fundação Padre Anchieta de promover um enxugamento radical na TV Cultura comprova um dos grandes problemas do Estado: a incapacidade de planejar de forma eficiente a gestão pública de São Paulo.
Ao longo de anos e anos, descuidou-se da Fundação. Permitiu-se toda sorte de indicações políticas, não se tratou da questão da busca da eficiência e da ampliação da TV.
Herdou-se uma jóia da coroa, uma TV de largo alcance, respeitabilidade, imagem, bons programas, legados pela era Roberto Muylaert. De lá para cá, foi uma sucessão de presidentes desmontando paulatinamente o modelo inicial. Matou-se o jornalismo, reduziu-se a programação de shows, encolheu-se a produção.
Mais: a Fundação tem uma estrutura de estabilidade dos funcionários. Assim, a redução dos programas não era acompanhada da redução da estrutura. Resultou disso uma estrutura maior do que a necessária para uma subprodução.
Ora, em qualquer organização racional, que pensasse adiante, o caminho seria, primeiro, estudar maneiras de aproveitar o potencial existente. Teriam que mapear as oportunidades para a emissora, pensar novas programações, formas de conseguir recursos, serviços que poderiam ser prestados a outros órgãos públicos.
Hoje em dia, educação à distância, uso de emissoras para as aulas são negócios relevantes, explorados pelo setor privado. Nada mais natural que a FPA buscasse órgãos públicos, se transformasse na ferramenta da Secretaria da Educação, da Gestão, da Cultura.
Depois de identificadas todas as possibilidades, se definiria a estrutura adequada. Havendo gorduras em algumas áreas, aí sim haveria legitimidade para promover reestruturações, até demissões.
Exemplos nada edificantes
Mas há anos São Paulo foi tomado pela síndrome dos cortes lineares de despesa. Não se enxergam organismos públicos como produtores de serviços de qualidade, como geradores de ideias, como instrumentos de desenvolvimento, mas apenas como centros de despesa.
Há que se ter responsabilidade fiscal. Mas o fiscalismo que tomou conta do Estado é emburrecedor. Todas as questões são resolvidas na base da tesoura, cortando simplesmente, sem pensar em alternativas. Ora, se um trabalho criativo, competente, aumentar a produção da TV Cultura e as receitas, mantém-se a responsabilidade fiscal e permite ampliar a oferta de produtos culturais.
Mas, não. É só o lado mais fácil, de cortar, vender, desmanchar.
Tome-se a Fundap. Nos anos 1970 e 90 foi fundamental, ajudando a planejar o Estado, a pensar estrategicamente suas vocações. O ajuste fiscal promovido por Mário Covas – talvez necessário na época – transformou-a em um órgão semimorto. Hoje em dia, a maioria de seus técnicos dá meio expediente para poderes trabalhar em um segundo emprego: em geral, em projetos demandados pelo governo federal. Não há grandes projetos, grandes ideias, propostas.
O custo que o Estado teve que bancar não aparece nas contas fiscais, mas é imenso. Deixou-se de ter planejamento, pensamento criativo, inovador. Esse mesmo processo matou a capacidade do Cepam, da Fundação Seade.
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Movimento ‘Salve a TV Cultura’
Luis Nassif # Reproduzido do blog do autor, 4/8/2010
Alguns pontos importantes para o movimento ser bem sucedido.
Não é questão partidária, é questão de Estado.
Para que o movimento ganhe consistência, o ponto mais importante será levantar estudos, trabalhos, opiniões que permitam mostrar uma estratégia economicamente viável de manter a Fundação Padre Anchieta. É preciso mostrar que o desmonte é alternativa de quem não tem ideias.
Por outro lado, é fundamental uma análise da estrutura da TV Cultura hoje. Há excesso de funcionários? Talvez. Há superdimensionamento de algumas áreas? É provável.
Mas só se poderá falar em reestruturação a partir do desenho da alternativa viável. O que seria a TV Cultura ideal? Que tipos de produtos elas poderia gerar para se sustentar? Qual o leque de programas que poderia fazer, integrando-se à vida cultural da cidade? Onde falta gente e onde há excesso?
A partir daí é que se pode falar na estrutura adequada. Não essa loucura de não definir nada e sair falando em corte de 1.400 pessoas.
Para a discussão ser profícua, fizemos o seguinte:
1.
Abrimos no Brasilianas.org um Bloco Temático para discutir TV Pública. Vale para todas as emissoras, incluindo a TV Brasil (Empresa Brasil de Comunicação). Clique aqui para acessar a Temática.2.
Dentro do Bloco, abrimos um Mutirão específico para a TV Cultura (Fundação Padre Anchieta). Clique aqui para participar do mutirão.Temas que precisarão ser levantados.
No campo geral
1.
Fontes de receita para as TVs públicas** Hoje em dia o tema educação à distância ganhou mercado. As TVs públicas podem ser ferramentas fundamentais de Secretarias da Cultura, da Educação, da Gestão, do Planejamento. Vamos tentar levantar dados sobre esses mercados, sobre contratos que já são estabelecidos com setor privado para esse tipo de trabalho.
** Outra coisa: haverá tendência cada vez maior da área pública passar a ser geradora de vídeos. O Supremo já faz isso, assim como o Senado, o Planalto. As TVs públicas são a estrutura adequada para prestar esse serviço, de forma remunerada, a todos os poderes de seu estado, mais as diversas secretarias estaduais. Vamos levantar dados sobre contratos já feitos entre setor público e TVs públicas.
** Lei Rouanet e outros instrumentos de financiamento da produção pública.
** Aproveitamento do acervo cultural. Na gestão Mendonça tentou-se repassar a Cultura Marcas para pessoas ligadas ao partido. A Telefonica apresentado uma proposta de digitalização e exploração comercial conjunta de todo acervo da Cultura, mas foi abortada por Mendonça, que tentou montar um esquema paralelo (com pessoas do partido) para explorar a Cultura Marcas. A manobra foi abortada com sua saída. Paulo Markun nada fez de errado e nada fez de certo. Na verdade, nada fez. Mas qual o potencial de exploração desse acervo riquíssimo?
** Experiência internacional: levantamento da experiência em outros países, com PDFs, docs e outros tipos de documentos para enriquecer o debate.
** Outras sugestões de produtos a serem desenvolvidos pelas TVs públicas.
2.
Governança nas TVs públicas** Hoje em dia, as TVs públicas em geral padecem de dois problemas cruciais: interferência dos governos-financiadores ou controle por grupos corporativistas. Em muitos casos os Conselhos não funcionam adequadamente, por restrições à sua atuação ou devido ao papel meramente figurativo. Precisamos de um bom levantamento sobre os principais problemas e sobre quais deveriam ser as atribuições dos Conselhos.
** Não há preocupação com a profissionalização de muitas emissoras. Isto é, entregar a gestão a profissionais do ramo, sem vínculos corporativos ou políticos. Há uma tendência de ‘esse espaço é meu e ninguém tasca a mão’ incompatível com o desafio de consolidar uma rede pública.
** Precisamos de um bom levantamento das experiências internacionais de governança das TVs públicas e das experiências bem (e mal) sucedidas de não-profissionalização das TVs públicas brasileiras.
3.
Programação cultural** Uma TV Cultura deve apresentar programação de cultura erudita, sim. Mas existe uma vida cultural nos estados, emergindo dos pontos de cultura, das lan houses, que necessitam de um veículo forte para sua disseminação.
** Quais as sugestões para que a cultura de cada estado seja efetivamente representada na sua TV pública?
4.
TV Cultura** Um levantamento de vídeos, reportagens, fotos dos principais momentos da TV Cultura.
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Jornalista