Na Itália são chamados, ou se auto-intitulam, sessantottini, os remanescentes do movimento que recebeu o nome de ‘Maio Francês’. Tratou-se de uma revolta de estudantes cujas causas principais foram duas: a primeira de ordem demográfica, já que nos anos 1960 as universidades foram ‘tomadas’ por uma quantidade numerosa de estudantes; a segunda de ordem política, pois tentava demonstrar o descontentamento do proletariado.
O movimento teve início com a ocupação por 200 estudantes da Faculdade de Letras de Nanterre, mas foi se espalhando não só pela França, como também em outros países europeus e americanos. A revolta atingiu seu ápice em 3 de maio de 1968, quando as forças policiais receberam ordens de desocupar a universidade de Sorbonne. Paris foi, portanto, o centro do movimento – e, mais particularmente, o Quartier Latin.
Tudo terminou e a ordem foi restabelecida com as eleições políticas que viram uma esmagadora vitória dos gaullistas, com grande desvantagem para a esquerda.
Os sessantottini remanescentes constituem hoje um grande grupo de anciões, que gozam do ócio com dignidade, em sua grande maioria como funcionários públicos aposentados. Alguns continuam se dizendo comunistas, mas o estilo de vida que levam mostra tratar-se somente de ‘charme’.
Copa e cozinha
Se alguém, hoje, com saudade de sua juventude, pedisse o que ficou do Maio de 1968, não teria dúvidas em dizer-lhe: ‘Vá a Paris, mais precisamente no bairro de Saint-Germain-des-Près, e compre o jornal Libération‘. Poderá ser adquirido na livraria La Une, que ainda resiste mantendo seu ponto comercial contra a investida de boutiques de grife, como Cartier ou Armani.
O jornal inspirado no movimento de 1968 saiu às ruas cinco anos depois, com tendência de esquerda proletária e maoísta. Seus fundadores eram liderados por Serge July, veterano do maio francês, sob patrocínio de Jean-Paul Sartre e de toda a esquerda mundial. Era uma época em que não se admitia que alguém pudesse ser intelectual se não estivesse ligado ao marxismo.
Os redatores do novo diário não eram prisioneiros de textos políticos. A literatura tinha sua importância. Segundo Marc Kravetz, era uma gauche prolétarienne composta de jovens chiques que se inspiravam na La conspiration, de Paul Nizan, e na L’education sentimentale, de Gustave Flaubert.
July dava aos companheiros a impressão de ser um esteta diletante, mas seu real papel era de comissário político. Com a vitória nas eleições do esquerdista François Mitterrand, o jornal teve uma nova aceleração e entrou em competição com a grande imprensa francesa. Passa a ser o preferido das elites parisienses, é o diário da moda. Lido nas universidades, nos ministérios, nos círculos intelectuais.
Com Mitterrand no poder, July passa ser uma pessoa de casa no Palácio Eliseu. Em 1983, quando o governo renuncia ao seu socialismo e se adapta aos princípios econômicos da Comunidade Européia, o Libération o apóia.
Fim da utopia
July age como dono absoluto do jornal, mas seu autoritarismo cria incompatibilidades com grandes jornalistas e fundadores, que deixam a redação. Ele não se incomoda: sempre mais ambicioso nos seus projetos, faz um relançamento do jornal com o nome Libé 3, objetivando assumir o lugar do Le Monde. A iniciativa foi um retumbante fracasso, os leitores diminuíram consideravelmente e começou o prejuízo econômico.
Por ironia do destino, para salvar seu jornal proletário maoísta July teve que se associar e depender da boa vontade de um integrante – Edouard de Rosthschild – da mais célebre família de banqueiros da história do capitalismo mundial. Este comprou 38,8% da sociedade e ano passado injetou 20 milhões de euros no jornal, que já foram consumidos: em 2005 o prejuízo foi de 6 milhões de euros, mais 7 milhões de euros de custos financeiros, e foram demitidos 55 empregados. Para 2006 a coisa continua na mesma: no primeiro trimestre do ano, o prejuízo foi de 2,5 milhões de euros.
Edouard disse basta, está disposto a entrar com mais 15 milhões de euros, mas exige novos dirigentes. Começou por demitir July, que pretende uma indenização de 500 mil euros. Edouard acha a soma razoável, mas com um detalhe: é impossível de ser paga nesse momento de crise.
Serge July representou uma grande aventura no mundo jornalístico, mas também seu declínio pessoal faz ver muito bem, na França, o insucesso no terreno político da geração de 68.
Libération foi o ícone de uma utopia que chegou a seu inexorável fim.
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Jornalista