Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Grande Irmão somos nós

A vigilância do Estado sobre seus cidadãos é uma realidade há muito discutida, mas, agora, o avanço da tecnologia passou a permitir que os próprios cidadãos se tornem vigilantes da sociedade, como reporta a revista Economist [2/12/04]. A popularização de filmadoras, celulares com câmeras, máquinas fotográficas digitais, entre outras tecnologias, faz de cada pessoa uma potencial ameaça à privacidade dos outros.

David Brin, em seu livro The Transparent Society, de 1998, afirma que, no futuro, ‘a luz brilhará em quase todo canto de nossas vidas’ e argumenta que já não se trata de tentar evitar a disseminação das tecnologias de vigilância, mas de como viver num mundo inundado por elas. De acordo com uma empresa de pesquisa de mercado, neste ano serão vendidos 186 milhões de celulares equipados com câmeras fotográficas, contra 47 milhões de câmeras com filme e 69 milhões de câmeras digitais.

Vigilância e voyeurismo

Já há diversos exemplos de como a democratização de um aparelho que permite o registro e a disseminação instantânea de acontecimentos tem alterado a vida das pessoas. Em outubro, uma vítima de roubo fotografou o ladrão que fugia com seu carro em Nashville, nos EUA. A polícia viu as imagens e prendeu o bandido 10 minutos depois. Na Itália, um lojista enviou à polícia a foto de duas pessoas que agiam de forma suspeita. Elas foram reconhecidas como foragidas e presas logo em seguida.

Mas não há só casos em que as engenhocas serviram para o bem. A prática do voyeurismo tem se multiplicado. O congresso americano aprovou a ‘Lei de Prevenção do Vídeo-Voyeurismo‘ por causa do aumento de ocorrência de câmeras ocultas instaladas em quartos, vestiários e chuveiros públicos. A Alemanha também já tem lei que proíbe fotos não-autorizadas em recintos fechados. A Arábia Saudita foi além e proibiu totalmente a importação de celulares com câmeras que, segundo as autoridades locais, só servem para ‘espalhar obscenidade’.

A operadora de celulares americana Sprint está oferecendo um de seus modelos mais populares alterado, sem câmera, a pedido de clientes empresariais, que não queriam ver seus funcionários clicando nos escritórios. Curiosamente, a fábrica da coreana Samsung, pioneira em celulares com câmera, pede a seus visitantes que deixem telefones desse tipo guardados na entrada, por preocupação com espionagem industrial. Há inúmeras formas de utilizar as novas tecnologias de vigilância para delitos. Basta citar os casos de câmeras instaladas em caixas eletrônicos para obtenção ilegal de senhas de clientes.

Imprensa equipada

A mídia também sofrerá mudanças à medida em que qualquer pessoa se torne um repórter fotográfico em potencial. Os sítios do San Diego Union-Tribune e da britânica BBC estimulam os cidadãos a enviarem por celular fotos de acontecimentos que presenciaram. Paul Saffo, do Institute for the Future, argumenta que os governos têm de se acostumar com a maior transparência desses novos tempos.

Qualquer um pode estar sendo gravado ou fotografado. No ano passado, um parlamentar alemão foi flagrado fotografando um documento sigiloso. Em 2000, um grupo de rádios do Senegal mandou repórteres para os locais de contagem de votos da eleição presidencial. Equipados com celulares, foram dando as parciais no ar, o que impediu que o governo tentasse fraudar o pleito ao fazer o cômputo geral. A iniciativa foi necessária porque quatro anos antes uma eleição havia sido anulada depois que o ministro do Interior do país admitiu ter havido fraude numa conversa, sem se dar conta de que havia alguém com um celular ligado por perto.