Mais de 1.200 pessoas morreram desde que a Arábia Saudita e seus aliados deram início a uma operação militar no Iêmen, em março, mas o acesso ao país tornou-se tão difícil que as organizações jornalísticas consideram praticamente impossível cobrir o conflito. Paralelamente a isso, os cortes de energia elétrica e uma infraestrutura para a internet bastante precária impedem o jornalismo-cidadão e o ativismo online observados em conflitos recentes.
A desordem política no Iêmen vem sendo mal contada há anos, mas os jornalistas dizem que a cobertura nunca foi tão complicada como agora. Os correspondentes estrangeiros no país são poucos em consequência da violência nas ruas, do acesso restrito e do compromisso vacilante por parte das organizações jornalísticas internacionais.
Além disso tudo, é difícil compreender o que está em jogo no Iêmen. Quando a coalizão liderada pela Arábia Saudita começou a bombardear o país, no dia 25 de março, a justificativa era de que o grupo político armado Houthis era uma força desestabilizadora, vinculada ideológica e materialmente ao Irã.
Em grande parte da cobertura jornalística, essas denúncias não foram checadas, tanto em veículos de idioma árabe vinculados aos sauditas e a seus aliados da coalizão quanto em organizações jornalísticas ocidentais. A história do Iêmen é complicada e envolve facções internas e interesses externos.
“O Iêmen tornou-se uma ilha”
O desafio de fazer uma matéria torna-se pior devido à dificuldade de acesso. É praticamente impossível para os jornalistas estrangeiros viajar para fora da capital, Sanaa. “Nós temos ouvido inúmeras análises sobre o que está em jogo na geopolítica do Iêmen – e não ouvimos o suficiente sobre o que acontece nas ruas, onde caem as bombas”, afirmou o âncora Richard Gizberg, da Al Jazeera English, na apresentação de uma reportagem sobre a complexa situação do país, em abril.
Os jornalistas iemenitas, por sua vez, enfrentam cortes de energia – às vezes, por dias a fio –, a ameaça de racionamento na alimentação e o desafio de encontrar fontes num país polarizado em que a violência endureceu o comportamento das pessoas. “Não só os jornalistas vêm lutando para entrar no país, mas o país inteiro está sob estado de sítio”, diz em artigo da Columbia Journalism Review a jornalista freelancer Iona Craig, que trabalhou no Iêmen por mais de quatro anos, até dezembro de 2014. Assim como outros jornalistas estrangeiros, não lhe foi permitido voltar a entrar no Iêmen desde que começou o ataque saudita. “Estamos falando de 26 milhões de pessoas. É difícil ter uma sensação do impacto que isso representa quando não há jornalistas”, afirma. “Basicamente, o Iêmen tornou-se uma ilha.”
Alguns iemenitas vêm tentando superar a dificuldade de informação fazendo-se ouvir pelas redes sociais. Porém, ao contrário da Síria, antes da guerra civil, e do Egito em 2011, a infraestrutura existente no Iêmen complica suas tentativas. Apenas 20% dos iemenitas têm acesso à internet, menos do que nestes outros dois países.
Foi ao transcrever no Twitter uma conversa telefônica com seu pai que a cineasta iemenita-escocesa Sara Ishaq percebeu a importância das redes sociais para disseminar as informações na ausência de uma cobertura jornalística formal. Sara fez uma chamada telefônica para ele, que estava em Sanaa, na madrugada de 26 de março, quando começaram os ataques aéreos sauditas. “Meu pai pegou o telefone e disse: ‘Quem é que está nos bombardeando?’ E eu respondi: ‘A Arábia Saudita’. Ele não tinha a menor noção do que estava acontecendo.” A energia elétrica havia sido cortada, deixando sua família sem luz e sem informações. O relato tornou-se viral no Twitter.
“Os iemenitas perderam a mediação na discussão”
Mas mesmo nas redes sociais são encontradas dificuldades de comunicação, em grande parte pelos cortes de energia elétrica e a lentidão da internet. Outro problema é a polarização, cada vez maior. Além da dificuldade de informação, o Twitter e o Facebook estão cheios de mensagens cáusticas de iemenitas com acusações mútuas. A coalizão liderada pela Arábia Saudita começou o bombardeio pouco depois dos Houthis – um grupo rebelde, minoritário, do norte do Iêmen, que é aliado ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh – terem tomado grande parte do país e forçado o presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, internacionalmente reconhecido, a fugir do país.
“No momento, a sociedade está se dividindo muito rapidamente”, diz Sara Ishaq. “Nós tentamos representar um terceiro grupo que, na realidade, não é representado e é basicamente composto por civis que nem são pró-Houthi, nem pró-Arábia Saudita.” Ela morava, com sua família, no Iêmen durante o levante de 2011, quando preparava o documentário The Mulberry House, que lançou em 2013. Parentes no Iêmen enviam-lhe atualizações sobre a violência várias vezes ao dia, mas ela disse que é difícil ficar longe da família, em Sanaa, quando a cidade está sendo bombardeada.
Uma equipe da BBC conseguiu entrar por um tempo em Aden, no sul do país, mas deixou a cidade pouco depois, aparentemente devido a preocupações com segurança. Outras organizações jornalísticas cobrem o conflito de regiões vizinhas – Arábia Saudita, Djibuti, Cairo ou Beirute. “O problema é mais sério do que o de não ter jornalistas cobrindo as ruas. É ainda mais sério do que as questões da imprensa iemenita”, diz Adam Baron, jornalista que estava no Iêmen até 2014 e agora é professor no Conselho Europeu para Relações Exteriores, em Londres. “É simplesmente o fato de que é quase impossível obter qualquer informação, dentro ou fora do país, devido ao prejuízo apocalíptico e à tensão da infraestrutura do Iêmen. […] A narrativa acabou sendo dominada por vozes de fora do país”, conclui Baron. “Os iemenitas perderam a mediação na discussão.”